Pernambuco é um dos estados brasileiros que mais possui dispositivos para essa população.
Marcos Barbosa e Vanessa Gonzaga
Brasil de Fato | Recife (PE)
Mesmo com anos de luta do movimento LGBT, apenas em junho deste ano o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a criminalização da LGBTfobia, sendo caracterizada por todo tipo de repulsa, preconceito, cerceamento de direitos e atos violentos contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros ou travestis. Discriminar uma pessoa por sua orientação sexual e de gênero hoje é um crime inafiançável, imprescritível e que pode ser punido com multa ou até cinco anos de prisão, de acordo com a lei 7716/89.
O número expressivo de casos de violência contra essa parcela da população em Pernambuco foi um dos principais motivos para a implantação do Centro Estadual de Combate à Homofobia no estado entre 2011 e 2012. O centro é composto por uma equipe multidisciplinar, com coordenador, psicólogos, assistente sociais, advogados, e educadores sociais para prestar o atendimento às vítimas de violência LGBTfóbica, realizar atividades formativas, negociações políticas e representações institucionais. Órgãos semelhantes também existem na Bahia, Minas Gerais, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro.
No mês de setembro, foi divulgado o levantamento do 13° anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o documento, o número geral de homicídios em Pernambuco caiu 23% no ano de 2018, em comparação aos dados de 2017, sendo apontada como a segunda maior redução do Brasil. No entanto, nesse mesmo período, os registros de casos de violência contra o público LGBT cresceram.
Este é considerado o primeiro levantamento nacional de dados oficiais de segurança pública sobre violência LGBTfóbica. Os dados apresentados foram conseguidos através de Secretarias de Estado de Segurança Pública e/ou Defesa Social, Polícias Civis e Instituto de Segurança Pública/RJ (ISP).
No documento, são contabilizados casos de lesão corporal dolosa, homicídio doloso e estupro. Entre as 27 unidades federativas, Pernambuco é a que aparece com maior número de registros de crimes contra a população LGBT em 2018, sendo um total de 326. A Bahia, segunda colocada, aparece com 194 casos. Os registros de lesão corporal dolosa em Pernambuco aumentaram 12,2% de 2017 para 2018, subindo de 246 para 276 casos. Foram considerados os crimes de lesão corporal, lesão corporal de trânsito e lesão corporal por violência doméstica/familiar. Por outro lado, os números de homicídio doloso e estupro caíram 15% e 42,1%, respectivamente. Em 2017, foram 20 homicídios dolosos e 57 estupros, descendo para 17 e 33 em 2018.
O anuário informa, ainda, que o estado pernambucano não possui nenhuma delegacia especializada voltada para atender pessoas LGBT. Apenas três unidades federativas afirmaram possuir esse tipo de delegacia: Paraíba, Rio de Janeiro e Sergipe. De acordo com o documento, isso “evidencia a ausência de uma rede de atendimento da população LGBTI+ em casos de violência”. Para Poliny Aguiar, coordenadora estadual da Coordenadoria Estadual de Política LGBT, ainda assim o panorama é positivo no estado em relação à implantação de políticas públicas “Pernambuco é um dos estados do Brasil que mais possui dispositivos e políticas voltadas para a população LGBT. Outros estados não conseguem entender da onde vem a violência, quem é essa população e nem ter esses dados. A gente, por ter esses dispositivos, vê que as pessoas se sentem mais acolhidas e mais confiantes para fazerem as denúncias”, afirma.
Escassez de informações
De acordo com o relatório do 13º anuário, há uma invisibilidade da violência contra população LGBT no Brasil. 11 unidades federativas não responderam ao pedido com informações para o mapeamento da violência LGBT, foram elas: Acre, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima. Essa invisibilidade também é evidenciada pelo fato de apenas 10 estados apresentarem os dados referentes aos homicídios dolosos contra população a LGBT em seus territórios.
De acordo com o documento, para que o Brasil consiga reverter esse quadro de violência contra a população LGBT, é necessário visibilizar esse grupo social nos dados de segurança pública. “Faz-se necessário monitorar de forma geolocalizada tais crimes, desenvolver políticas preventivas e de inteligência, bem como políticas de promoção de acesso a direitos e oportunidades para população LGBTI+, inclusive seu direito a usufruir, participar e navegar em suas cidades” defende.
Estupro corretivo
Em relação aos crimes de estupro, o documento aponta que 11 estados apresentaram dados sobre estupros desse grupo populacional, mas ainda parece haver uma subnotificação. Pernambuco é apontado como o estado brasileiro com o maior número de estupros da população LGBT, mas é salientado que os dados pernambucanos são “mais confiáveis do que a média nacional”. Ainda de acordo com o anuário, há uma perpetuação histórica dos chamados “estupros corretivos”, sobretudo contra mulheres lésbicas. Esse crime foi recentemente tipificado pela Lei 13.718 de 2018, como aquele com vistas a “controlar o comportamento social ou sexual da vítima”.
Programa de proteção
Em Pernambuco, o Centro Estadual de Combate à Homofobia é vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJDH). Localizado no Espinheiro, o órgão funciona de segunda a sexta, das 08h às 17h. Poliny informa que o centro acolhe as vítimas, mas é necessário fazer a denúncia em outros órgãos, especialmente nas cidades distantes da região metropolitana “O CECH não consegue chegar a todo o estado, ele cobre sobretudo a região metropolitana. Hoje temos um planejamento de interiorização do centro por via dos CREAS e dos CRASS, que já são espaços de vítimas de violência. Se uma pessoa sofrer uma violência LGBTfóbica, a primeira situação que deve ser feita é ir à delegacia, fazer boletim de ocorrência (B.O.). O segundo passo é fazer o registro no Disque 100, que é um mecanismo nacional, que vai gerar um dado. O CECH é quem auxilia nessas orientações com assessoria jurídica e acompanhamento’, explica.
Edição: Vinícius Sobreira