Um homem matou sua ex-esposa em via pública no Rio Grande do Norte, e (infelizmente) uma notícia como esta não choca ninguém, porque já está inscrita na esfera do comum.
Todos os dias homens matam suas companheiras e ex-companheiras no Brasil e no mundo, e dizer que isso é fruto de uma cultura misógina é chover no molhado.
O detalhe é que o assassino, o soldado Francisco Chagas Dias da Silva, um PM reformado e cidadão de bem, disse à polícia – seus colegas que, a esta altura, já devem estar trabalhando pra livrarem a cara do soldado de costas quentes – que a motivação do crime foi o fato de a vítima ser uma bruxa que o havia enfeitiçado.
Eu diria que essa justificativa (para o injustificável) é apenas uma desculpa grotesca e patética, mas o fato é que, no Brasil neomedieval, já voltaram a queimar bruxas – em vez de fogueiras, projéteis; em vez de inquisidores, cidadãos de bem.
Nossas ancestrais, queimadas nas fogueiras da inquisição, eram, em geral, apenas mulheres livres – à época, ser uma mulher livre era o pior crime que se podia cometer, e o que se chamava de bruxaria era, então, não se curvar ao poder constituído.
Queimar as mulheres acusando-as de bruxaria era – e ainda é, só que agora com outros métodos – uma boa saída para proteger o sistema de sua maior ameaça, a rebeldia e o poder feminino, um poder de resistência milenar.
Aliás, permitam-me ser mística: não sou capaz de negar a bruxaria.
Toda mulher é uma bruxa: temos a missão de gerar a vida, nossos úteros guardam o poder da criação, e nossa potência assusta tanto ao patriarcado que ele se esforça, década após década, século após século, para nos dizimar de todas as formas – com fogueiras, projéteis e instituições.
Bruxas sempre existiram e seguem existindo. A nossa bruxaria é resistir, e é isso o que eles temem.
Talvez a vítima do soldado Dias seja apenas a primeira da nova inquisição.
Mas, se nós sobrevivemos à Idade Média, não é uma cambada de cidadãos de bem que vai nos aniquilar. Segura tua neoinquisição porque a nossa bruxaria tá solta.