Seca prolongada, temperaturas mais elevadas e mais raios são típicos das mudanças climáticas e alimentaram chamas
Na FSP, por Giuliana Miranda – Para cientistas de diversas partes do mundo, a violenta onda de incêndios na Austrália tem forte relação com as mudanças climáticas.
Embora as florestas australianas estejam naturalmente propensas à ocorrência natural do fogo, com a vegetação relativamente bem preparada para suportá-lo, a região sofreu nos últimos anos com dois dos fenômenos típicos das alterações climáticas: secas prolongadas e temperaturas cada vez mais elevadas.
Dados do Escritório de Meteorologia do governo, divulgados nesta quarta (8) —quinta-feira (9) na Austrália—, indicam que 2019 foi o ano mais seco e o de temperaturas mais elevadas da história.
Em 18 de dezembro, o país bateu seu recorde histórico de temperatura média, chegando a 41,9°C. No mesmo mês, todos os estados australianos tiveram temperaturas superiores aos 40°C, incluindo a região da Tasmânia, uma ilha que tem clima mais ameno do que o restante do país.
A combinação de temperaturas cada vez mais escaldantes com as florestas progressivamente mais secas é literalmente explosiva.
“As mudanças climáticas estão impressas em todas as partes deste verão ‘raivoso’ na Austrália”, avalia a climatologista Nerilie Abram e pesquisadora da Universidade Nacional Australiana.
A comunidade científica vem dando alertas sobre a vulnerabilidade da Austrália aos incêndios florestais há anos.
Em 2007, o relatório do IPCC (painel do clima da ONU) já falava no assunto. “É provável que um aumento no perigo de incêndio na Austrália esteja associado a um intervalo menor entre incêndios, maior intensidade do fogo, diminuição da extinção de incêndios e propagação mais rápida das chamas”, diz o texto.
Apesar disso, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, do Partido Conservador, tem adotado uma estratégia de distanciamento das questões climáticas.
Próximo do setor de energias fósseis, o premiê mantém uma política de benefícios ao setor e, na última convenção do clima da ONU, realizada em dezembro em Madri, anunciou que pretende usar uma estratégia de contagem de carbono que reduziria ainda mais as modestas metas de redução de emissões de seu país.
Em 2018, o país renunciou à legislação de redução de emissões de gases-estufa.
Na atual crise, a comunidade científica australiana vem usando as redes sociais para pedir ações rápidas para conter as chamas, como uma regulação mais forte sobre a realização de queimadas.
Ambientalistas também criticam administrações anteriores, que mantiveram uma estrutura de emergência que não consegue responder à demanda de milhares de moradores e turistas desalojados.
Nos últimos anos, a existência de grandes fogos florestais tornou-se recorrente em vários pontos do mundo, embora a medida em que elas possam ser relacionadas às alterações globais varie bastante.
Por conta das características multifatoriais dos incêndios, que envolvem variáveis como a velocidade do vento, o tipo de matéria orgânica e a quantidade de chuvas de uma determinada região, os especialistas costumam ser cautelosos ao apontar o dedo para uma razão específica.
No hemisfério Norte, de acordo com dados de pesquisadores da Nasa, há evidências fortes do papel do aquecimento global em diversos eventos, incluindo os grandes fogos da Califórnia e no Alasca.
Além da combinação de eventos climáticos extremos, como seca prolongada e temperaturas mais altas, os cientistas identificaram ainda uma possível relação entre aquecimento global e aumento de relâmpagos, a principal causa natural de incêndios na natureza.
Um artigo publicado na revista Nature, que analisou o perfil dos fogos florestais do Alasca em 2015, descobriu que uma quantidade anormalmente alta de descargas elétricas foi gerada com as temperaturas maiores, o que ajudou a “alimentar” as chamas.
Já na Europa, chama a atenção o caso português. Após uma temporada anormalmente quente e seca, em 2017, uma série de grandes incêndios deixou mais de cem mortos.
Pesquisador da Universidade de Lisboa, Pedro Miranda destaca que, no caso dos incêndios em Portugal, o manejo floresta, a substituição de vegetação nativa por outras mais inflamáveis, como eucaliptos e as questões humanas também têm um papel importante.
Para os cientistas, no entanto, é importante rechaçar as comparações entre os fogos da Amazônia e os da Austrália.
Segundo Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade Oxford e da Universidade de Lancaster, grande parte da Austrália tem uma vegetação seca acostumada a regimes frequentes de fogo. Já na Amazônia o fogo não é uma presença natural.
“Assim como o fogo pode ocorrer de forma natural nas savanas africanas e no cerrado brasileiro, ele também pode ocorrer naturalmente na Austrália. O que está acontecendo na Austrália já estava em alguns modelos climáticos. No caso do Brasil, o fogo que vimos em 2019 foi decorrente da imensa alta do desmatamento”, diz Berenguer.
Colaborou Phillippe Watanabe