Essa é grande divisão do mundo muçulmano: sunitas e xiitas. Hoje, ela está particularmente em evidência por causa das tensões entre Estados Unidos, seu grande aliado na região, a Arábia Saudita, e o Irã.
Na BBC
A ordem do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de matar o general iraniano Qasem Soleimani provocou uma resposta militar do Irã, que atacou com mísseis balísticos duas bases que abrigam tropas americanas no Iraque.
Para muitos analistas, as diferenças entre os dois ramos do Islã são um lembrete claro das complexas relações entre os dois principais inimigos no Oriente Médio.
Ambos os países estão envolvidos em uma luta feroz pelo domínio regional — e essa disputa de décadas é agravada por essas diferenças religiosas.
Cada um deles segue um ramo: o Irã é majoritariamente xiita, enquanto a Arábia Saudita tem os sunitas como principal vertente.
A divisão remonta ao ano de 632 e à morte do profeta Maomé, que resultou em uma luta pelo direito de liderar os muçulmanos. De certa maneira, essa disputa continua até hoje.
Embora as duas vertentes coexistam há séculos, compartilhando muitas crenças e práticas, sunitas e xiitas mantêm diferenças importantes em questões de doutrina, rituais, leis, teologias e organização.
Seus respectivos líderes também tendem a competir por influência religiosa.
E da Síria ao Líbano, passando por Iraque e Paquistão, muitos conflitos recentes enfatizaram ou até agravaram essa divisão, separando comunidades inteiras.
A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, explica nesta reportagem em que consistem esses dois ramos do Islã e suas principais diferenças.
Quem são os sunitas?
Os sunitas são a maioria entre os muçulmanos — cerca de 86% a 90% pertencem a essa corrente. Os adeptos se consideram o ramo mais tradicional e ortodoxo do Islã.
De fato, o nome sunitas vem da expressão “Ahl al-Sunna”: “o povo da tradição”. Nesse caso, a tradição se refere a práticas derivadas das ações do profeta Maomé e seus parentes.
Assim, os sunitas veneram todos os profetas mencionados no Alcorão, mas particularmente Maomé, que é considerado o profeta supremo. Já os líderes muçulmanos subsequentes são vistos como figuras temporárias.
Em contraste com os xiitas, professores sunitas e líderes religiosos têm historicamente ligações com o Estado e com governos.
A tradição sunita, que tem a maior expressão na Arábia Saudita, também defende um sistema jurídico islâmico claramente codificado, além de pertencer a uma das quatro escolas de direito.
Quem são os xiitas?
Os xiitas começaram como uma facção política: literalmente “Shiat Ali”, ou partido de Ali.
O Ali em questão era genro do profeta Maomé, e os xiitas reivindicam o direito dele e o de seus descendentes de liderar os muçulmanos.
Ali foi morto como resultado de intrigas, violência e guerras civis que marcaram seu califado. Ele tinha dois filhos, Hassan e Hussein. No entanto, foi negado a eles o direito — que muitos consideravam legítimo — de suceder Ali
Acredita-se que Hassan foi envenenado por Muawiyah, o primeiro califa — isto é, o líder dos muçulmanos da dinastia omíada. Já seu irmão Hussein morreu em um campo de batalha, junto com vários membros de sua família.
Esses eventos estão por trás do conceito xiita de martírio e rituais de luto.
De fato, a fé xiita também é caracterizada por um elemento messiânico. Os religiosos dessa vertente também têm uma hierarquia de clérigos que praticam uma interpretação aberta e constante dos textos islâmicos.
Estima-se que atualmente existam entre 120 a 170 milhões de fiéis xiitas, aproximadamente um décimo de todos os muçulmanos.
Eles são a maioria da população no Irã, Iraque, Bahrein, Azerbaijão e, segundo algumas estimativas, também do Iêmen.
Mas também existem comunidades xiitas importantes no Afeganistão, Índia, Kuwait, Líbano, Paquistão, Catar, Síria, Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Qual o papel dessa divisão nos conflitos políticos?
Nos países governados por sunitas, os xiitas geralmente fazem parte da parcela mais pobre da sociedade e se vêem como vítimas de opressão e discriminação.
Alguns extremistas sunitas também pregam ódio contra os xiitas.
Em 1979, a revolução iraniana lançou uma agenda islâmica radical do lado xiita, o que desafiou os governos sunitas conservadores, particularmente no Golfo Pérsico.
E a política de Teerã de apoiar partidos xiitas e milícias em países vizinhos foi compensada pelos países do Golfo com mais apoio aos governos e movimentos sunitas no exterior.
Por exemplo, durante a guerra civil no Líbano, os xiitas ganharam destaque graças às atividades militares do Hezbollah.
E os extremistas sunitas, como o Talebã, fizeram o mesmo no Paquistão e no Afeganistão, onde frequentemente atacam locais de culto xiitas.
Inimigo comum
Enquanto isso, os conflitos atuais no Iraque e na Síria também adquiriram tintas sectárias.
Muitos jovens sunitas se juntaram aos grupos rebeldes nesses países, muitos dos quais reproduzem a ideologia extremista da Al Qaeda, um grupo sunita.
Já seus colegas xiitas geralmente lutam nas forças do governo ou ao lado delas, embora o Irã e a Arábia Saudita tenham identificado um inimigo comum: o auto-denominado Estado Islâmico.