Alceu Valença: “Tenho um prazer imenso em trabalhar com a minha cultura e valorizá-la”

Alceu Valença: “Tenho um prazer imenso em trabalhar com a minha cultura e valorizá-la”

Cinco anos exatos após a apresentação em Portugal de Valencianas, Alceu Valença volta com o novo Valencianas II. Segunda-feira na Casa da Música, terça-feira no Casino Estoril.

Nuno Pacheco

Público, Ípsilon

Valencianas, espectáculo que uniu em palco o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença e a Orquestra Ouro Preto, de Minas Gerais, está de volta em segunda edição, com um repertório novo. Cinco anos exactos após a sua estreia em Portugal, no Porto e em Lisboa, regressa à Casa da Música (esta segunda-feira, dia 20, às 21h30) e mostra-se pela primeira vez no Casino Estoril (terça, 21, à mesma hora). Mas o alinhamento é todo ele diferente, e daí o título: Valencianas II.

O primeiro encontro entre Alceu e o maestro Rodrigo Toffolo, da Orquestra Ouro Preto, deveu-se a uma sugestão de um amigo do cantor, como este explica ao PÚBLICO: “Quem promoveu esse encontro foi um compadre meu, Paulo Oliveira, que era amigo dele e falava muito da orquestra: que era maravilhosa e que a gente tinha de se juntar.” Acabaram por encontrar-se em Olinda, daí resultando o primeiro Valencianas. Escolheram as canções, deixando muitas de fora, já que o repertório de Alceu é vasto. Estreado em Belo Horizonte, Valencianas fez depois o seu caminho, do palco para disco (CD e DVD, gravados em 2012) e depois de novo para palco. Em Portugal, na Casa da Música e no Tivoli BBVA, a recepção foi calorosa e entusiástica.

O passo para o segundo Valencianas foi dado anos depois. “Alceu falava muito das músicas que faltavam”, diz ao PÚBLICO o maestro Rodrigo Toffolo. “Mas é quase a mesma estrutura, com uma suite instrumental na abertura”, acrescenta Alceu. “Da primeira vez”, explica Rodrigo, “a gente fez uma abertura em três movimentos, mas agora é uma suite, mesmo, com um conjunto de temas que o Alceu escolheu”. São eles: A moça e o povoSeixo miúdoRima com rima e Olinda.

“Neste Valencianas II, todas as obras escolhidas são temas próprios de Alceu”, diz o maestro. “É interessante que ele pega numa música que foi feita com sanfona (aliás eu cantei ela com Jackson do Pandeiro) e bota violinos”, comenta Alceu. Outro tema é Íris. “É quase um aboio.” Mas aqui é só instrumental. Cantado, há De Janeiro a Janeiro, um frevo de bloco. “Essa apologia, eu faço há 500 anos, só que as pessoas não conseguiam entender. Porque a coisa nordestina estava muito longe do Rio de Janeiro e de São Paulo, que detinham os veículos de comunicação. Hoje, com a Internet, ficou muito mais fácil e já possível ouvir um frevo de bloco. Que vem da marcha-rancho. Porque o frevo de rua tem origem na Polónia, vem da polca, com muita síncope.”

O espectáculo une vários temas, alguns em sequência, como por exemplo Borboleta, onde Alceu inclui uma cantiga de roda que ouvia na infância, e P da paixão. “Eu tenho um prazer imenso em trabalhar com a minha cultura e valorizá-la”, diz. “Muitas vezes, perguntamos a um músico: ‘qual é a música que você faz?’ E ele diz ‘faço música brasileira.’ Mas depois vamos a ver e o tipo de compasso, de melodia, é anglófono. Não digo que não é bonito, nem que não se possa fazer mistura, mas samba não é rumba nem rumba é rock! Se você pegar uma balada para transformar em samba, vira samba a pulso, tem que dar um jeitinho porque não tem jeito.”

Como é que o maestro, neste caso, lidou com o tratamento dos temas? “A obra do Alceu é muito vasta e muito diversa: tem sambas, aboios, flirts com a bossa nova. E desta vez a selecção conecta mais com o Alceu cantador; a voz genuína, por ela mesma. Acho que a gente conseguiu. Se a gente quisesse acertar, não acertaríamos tanto. Porque está um repertório tão bonito e genuíno.” Se o anterior Valencianas fechava com Anunciação (que já tem 4,5 milhões de visualizações no YouTube), este termina com Tomara (do álbum 7 Desejos, de 1991) ou talvez com Táxi lunar.

Valencianas II estreou-se recentemente no Brasil: “Primeiro no Recife, em Outubro, para 14 mil pessoas, depois em São Paulo, no Ibirapuera, para 50 mil pessoas, e no SESC Palladium, com duas sessões inclusive. Isso até Dezembro.” Portugal surge entre as primeiras apresentações.

A popularidade de Alceu e das suas canções pode medir-se pelo número de visualizações que vai somando nas plataformas digitais. A gravação ao vivo de La Belle de Jour com Girassol, por exemplo, já ultrapassou os 78 milhões. E há muitos milhões nas restantes. Mas não é só na Internet. Por estes dias, Alceu Valença esteve a rodar um documentário em Lisboa. Ao passar em Alfama, encontrou “um rapaz tocando bandolim”. Sentou-se, a ouvi-lo, mas só quando lhe chamaram a atenção é que percebeu que era uma música sua, Lua de Lisboa. “Eu nem notei, tão concentrado estava em ouvi-lo tocar. Mas quando eu vi, aí ele tocou comigo, cantando no meio da rua!”

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