A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal em Brasília nesta terça-feira (21) contra o jornalista americano Glenn Greenwald é um “ataque perigoso à liberdade de imprensa” e deve ser “condenada pelo que é”, disse a colunista de mídia do jornal Washington Post, Margaret Sullivan.
Giuliana Vallone
Da BBC News Brasil em São Paulo
“O jornalismo não é um crime”, afirmou Sullivan à BBC News Brasil, por email.
“Denunciar o jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer Glenn Greenwald por conduta criminosa é uma tentativa clara de puni-lo por reportar firmemente em nome do interesse público ao longo de vários meses.”
A jornalista, que já foi ombudsman do jornal The New York Times, ressalta que a própria Polícia Federal brasileira disse, no fim do ano passado, “que Greenwald manteve seu trabalho de reportagem dentro dos limites razoáveis, ressaltando que ‘não foi possível identificar participação material ou moral’ dele em nenhuma atividade ilegal”.
Greenwald é fundador do site The Intercept Brasil, que publicou, desde junho de 2019, uma série de reportagens baseadas num vazamento de conversas atribuídas ao hoje ministro da Justiça e Segurança Púlica, Sergio Moro, e procuradores da Operação Lava Jato no aplicativo Telegram, gerando uma série de implicações políticas.
As mensagens mostram o então juiz sugerindo testemunhas, dando pistas sobre futuras decisões e aconselhando membros do Ministério Público Federal, entre eles o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná. Pela lei, juízes não podem aconselhar partes de um processo.
O conteúdo constrangeu envolvidos e foi usado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reafirmar que Moro não foi imparcial. Julgado pelo atual ministro em primeira instância e, em seguida, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Lula foi condenado no caso do tríplex do Guarujá e preso em abril de 2018.
O ex-presidente saiu da prisão em novembro do ano passado, após decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou que condenados não deveriam iniciar o cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos possíveis.
Conversas com hackers
Nesta terça-feira, com base na Operação Spoofing, o MPF denunciou sete pessoas sob acusação de crimes relacionados ao caso. O documento aponta a prática de organização criminosa, lavagem de dinheiro e invasão de dispositivo informático alheio.
Apesar de ter sido denunciado, Greenwald não foi indiciado ou investigado pela Polícia Federal. Isso porque, em decisão de agosto do ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes proibiu a investigação do jornalista, afirmando que Greenwald não poderia ser responsabilizado pelo vazamento das conversas.
O procurador da República Wellington Divino de Oliveira entendeu, porém, que as provas coletadas na investigação demonstram que o jornalista auxiliou, incentivou e orientou os hackers durante o período das invasões.
Agora, a Justiça deve decidir se aceita ou não as denúncias contra os acusados.
Para denunciar Greenwald, o procurador citou um áudio encontrado no computador de um dos acusados, Walter Delgatti Neto, em que o jornalista conversa com Luiz Molição, porta-voz do grupo.
No áudio, Greenwald explica que é sua obrigação proteger a fonte das reportagens. “Isso é nossa obrigação. Então, nós não podemos fazer nada que pode criar um risco que eles podem descobrir ‘o identidade’ de nossa fonte”, diz.
“Então, para gente, nós vamos… como eu disse não podemos apagar todas as conversas porque precisamos manter, mas vamos ter uma cópia num lugar muito seguro… se precisarmos. Pra vocês, nós já salvamos todos, nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?”
Para o procurador, a conversa mostra que, ao sugerir que o grupo deletasse as mensagens hackeadas, o jornalista agiu para dificultar as investigações e reduzir a possibilidade de responsabilização penal dos envolvidos.
Pelo Twitter, Greenwald afirmou que continuará defendendo uma imprensa livre, “sem ser intimidado por autoridades que abusam de seu poder”.
Em nota, o Intercept Brasil afirma que “causa perplexidade que o Ministério Público Federal se preste a um papel claramente político, na contramão do inquérito da própria Polícia Federal”.
“Vemos nessa ação uma tentativa de criminalizar não somente o nosso trabalho, mas todo o jornalismo brasileiro. Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse.”