Cartório sedia evento de apoio ao novo partido de Bolsonaro no Pará

Cartório sedia evento de apoio ao novo partido de Bolsonaro no Pará

Cartórios são concessões públicas e não podem exercer atividades político-partidárias; no dia anterior, CNJ negou denúncia da oposição

Na Carta Capital – A operação para tirar do papel o Aliança pelo Brasil, o novo partido de Jair Bolsonaro, tem recebido ajuda extra com a burocracia. Desde o fim do ano passado, cartórios de todo o Brasil estão autenticando assinaturas necessárias à criação da sigla. Além de reconhecer firma, os cartórios têm guardado essas fichas e as repassado para representantes credenciados do partido. 

Esse acordo nasceu sob orientação do Colégio Notarial do Brasil, entidade privada que representa 9.000 cartórios em 24 estados brasileiros. O procedimento custa entre 10 e 20 reais.

Os cartórios de notas são concessões públicas e, por isso, não podem exercer atividades político-partidárias. Na quinta-feira 16, o Conselho Nacional de Justiça negou um pedido de suspensão apresentado pelo PT e e outros quatro partidos da oposição (PSOL, PDT, PSB e PCdoB). O corregedor-geral, ministro Humberto Martins, considerou não haver elementos que comprovassem atuação coordenada de delegados em apoio ao partido. Menos de 24 horas depois, porém, a suspeita ganhou contornos bem mais explícitos de ilegalidade.

Na sexta-feira 17, o 4º Ofício de Notas da Comarca de Belém (Cartório Canduru), no Pará, foi sede de um evento do partido. Na fachada estavam os dizeres: “Apoie o Aliança pelo Brasil”. Na parte de dentro, ao lado do guichê de atendimento, um grupo uniformizado distribuia as fichas de apoio e auxiliava os interessados em preenchê-las. Toda a movimentação foi registrada em fotos, vídeos e confirmada à reportagem por testemunhas.

FACHADA DO CARTÓRIO CONDURU OSTENTAVA CONVITE A APOIADORES DO NOVO PARTIDO

A iniciativa foi promovida por um grupo chamado Endireita Pará. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, a líder do movimento, Renata Karla, elogia o “super suporte” do cartório local, e completa: “O pessoal foi super receptivo”. O movimento anunciou outros dois mutirões no mesmo cartório, programados para os dias 24 e 31 de janeiro. 

São necessárias 492 mil assinaturas de apoio em pelo menos nove estados. Para disputar as eleições de outubro, o Aliança pelo Brasil precisa validar essas assinaturas no TSE até abril. Não é necessário reconhecer firma. A Justiça Eleitoral faz, obrigatoriamente, essa conferência, estando a firma reconhecida ou não. O endosso documental serviria, na visão do partido, para agilizar o processo e evitar eventuais negativas por fraude. 

Também está em jogo o polpudo fundo partidário amealhado em 2018 pelo PSL, então partido do presidente. Vinte e seis dos 53 deputados do ex-partido de Bolsonaro devem migrar para a nova sigla. 

De acordo com uma reportagem da revista Época, publicada no último dia 10, o convite partiu do Aliança ao CNB. Quatro meses antes, o então presidente da entidade, Paulo Gaiger, fora escolhido por Bolsonaro para um mandato de dois anos no Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas, órgão subordinado diretamente à Presidência da República e a quem cabe definir as políticas de certificação digital. 

O estatuto do Colégio Notarial do Brasil afirma que “é vedado ao CNB participar, apoiar ou difundir, ativa ou passivamente, quaisquer manifestações de caráter político”. A demanda do Aliança, porém, ganhou destaque nas atividades recentes da entidade. No site oficial, o CNB sugere aos cartórios que reservem lugares exclusivos para atender a demanda pelas fichas. A página também oferecia para download a ficha de inscrição e documentos assinados por Karina Kufa, advogada do partido, mas tirou do ar os documentos.

Diante das controvérsias, a entidade sustenta que a orientação é apartidária e pode ser utilizada no futuro por outros partidos. “O serviço (…) é rigorosamente o mesmo oferecido para todas as pessoas e entidades, nas mesmas condições, pelos mesmos valores, sem qualquer distinção”, diz, em nota oficial.

Procurado, o Conselho Nacional de Justiça informou em nota que abriu um prazo para que os cartórios se expliquem, e que “qualquer outra medida” só será será tomada em fevereiro, quando o ministro Martins volta ao trabalho.

CartaCapital também entrou em contato com o Cartório Canduru e o Colégio Notarial do Brasil, mas não obteve resposta até a publicação.

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