BBC – A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou nesta quinta-feira (30/1) que, diante do avanço do coronavírus, passa a classificar a epidemia atual como emergência de saúde pública de interesse internacional.
O coronavírus — chamado pela OMS de doença respiratória aguda 2019-nCoV —, cujo epicentro é a cidade chinesa de Wuhan, infectou 7,7 mil pessoas na China (e cerca de cem em outros 18 países) e deixou 170 mortos até o momento. No Brasil, são monitorados nove casos considerados suspeitos pelo Ministério da Saúde.
Um painel de 16 especialistas da OMS havia considerado prematuro declarar situação emergencial em sua reunião anterior, em 23 de janeiro. Desta vez, apesar de 99% dos casos confirmados até agora estarem dentro da China, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que a convocação da reunião se deu diante do “potencial de maior disseminação global”.
A OMS tradicionalmente reluta em declarar emergências internacionais a não ser que seja absolutamente necessário, explica a correspondente da BBC em Genebra, Imogen Foulkes. Mas sucumbiu, diante do aumento expressivo de casos (que aumentaram de 500 para quase 8 mil em menos de uma semana) e de mortes (que passaram de 17 para 170).
Embora a OMS tenha elogiado a China em seus esforços para combater o coronavírus — Ghebreyesus afirmou que a declaração “não significa que não temos confiança na capacidade da China” —, a agência considera preocupante que o vírus, que começou passando de animais para humanos, está avançando com rapidez no mundo e, segundo evidências recentes, pode ser transmitido entre humanos antes mesmo que o transmissor apresente sintomas da doença.
“A principal razão (para a declaração de emergência) não é o que está acontecendo na China, mas o que está acontecendo em outros países”, declarou Ghebreyesus. “Nossa maior preocupação é com o potencial de o vírus atingir países com sistemas de saúde mais frágeis.”
O que significa o estado de emergência?
A OMS a define oficialmente como um “evento extraordinário que constitui um risco à saúde pública para outros Estados por meio da disseminação internacional de doenças e potencialmente exige uma resposta internacional coordenada”.
A recomendação é de que autoridades de saúde do mundo inteiro aumentem seu monitoramento da doença e fiquem de prontidão para eventualmente adotar medidas de contenção.
“Todos os países devem se preparar para a contenção, incluindo a vigilância ativa, a detecção precoce, o isolamento e o gerenciamento de casos, o rastreamento de contatos e a prevenção do avanço do 2019-nCoV e compartilhar todos os dados com a OMS”, diz comunicado da agência.
“Os países devem colocar ênfase sobretudo em reduzir a infecção humana, prevenindo a transmissão secundária e que (a doença) se espalhe internacionalmente.”
Os especialistas da OMS afirmaram que não há necessidade, no momento, de medidas que interfiram em trocas comerciais ou em viagens internacionais com a China. “A OMS não recomenda limitações de comércio ou de movimento”, declarou Ghebreyesus.
O comitê de especialistas da agência afirmou que, em geral, “as evidências mostram que restringir o movimento de pessoas e bens durante emergências de saúde pública pode ser ineficiente e sugar recursos de outras intervenções. Além disso, essas restrições podem interromper (a chegada de) ajuda e apoio técnico, pode prejudicar negócios e ter efeito negativo nas economias dos países afetados por emergências”.
Por isso, a OMS afirmou que recomendações de restrição de circulação só são feitas em circunstâncias específicas, nas quais “países devem fazer uma análise de custo-benefício (…) e informar a OMS a respeito de qualquer medida (de restrição) de viagens. Advertimos os países contra ações que promovam estigmatização ou discriminação”.
É importante levar em conta que a decisão da OMS tem um peso sobretudo político. É um sinal que é enviado para os países-membros, o Brasil entre eles, para desenvolver ações coordenadas, incluindo vacinas e tratamentos, e a colocar em prática precauções, como verificação de viajantes em portos, aeroportos, medição de temperatura e monitoramento de quem chegou de viagem, mesmo que sem sintomas.
Evento raro
A decretação de uma emergência de saúde pública de interesse internacional é uma medida usada raramente, apenas para eventos mais graves que podem demandar ações globais para conter a transmissão de uma doença.
Na última década, foi declarada apenas cinco vezes, segundo a agência Reuters: em 2009, por ocasião do vírus H1N1 que causou epidemia de gripe; em 2014, nas epidemias de ebola no oeste da África e de pólio; em 2016, com a epidemia de Zika no Brasil; e em 2019, com a epidemia (ainda em curso) de ebola na República Democrática do Congo.
Em entrevista à BBC, Christian Lindmeier, porta-voz da OMS, explicou que o grupo de cientistas por trás da decisão considera critérios como o fato de estarmos lidando com um novo vírus e o risco de transmissão em outros países — ou seja, não é só o fato de a doença ter sido registrada fora da China, mas também de ter sido disseminada entre pessoas fora da China.
Essa capacidade de se espalhar rapidamente também é um elemento importante — inclusive levando-se em conta que a população não tem imunidade contra a doença, e de ela se espalhar antes mesmo de seus sintomas se manifestarem.
Outro elemento levado em conta é a taxa de mortalidade do coronavírus: embora essa taxa não esteja ainda plenamente clara, o atual vírus é aparentemente menos letal do que a Sars, a Síndrome Respiratória Aguda Grave, que também surgiu na China em 2002.
A letalidade do atual coronovírus seria de cerca de 2% dos infectados, enquanto em uma gripe sazonal comum é de cerca 0,1% dos infectados e na Sars, 10%.
O que é o coronavírus
Os coronavírus são uma ampla família de vírus, mas sabe-se que apenas sete deles (incluindo o 2019-nCoV) infectam humanos.
O 2019-nCoV, cujos casos têm sido registrados desde dezembro, causa febre, tosse, falta de ar e dificuldade em respirar. Em casos mais graves, pode evoluir para pneumonia e síndrome respiratória aguda grave, ou causar insuficiência renal.
Acredita-se que o vírus tenha origem em animais comercializados em um mercado de Wuhan, mas há registros também de transmissão de pessoa para pessoa, inclusive profissionais de saúde que foram infectados durante o tratamento de pacientes com a doença.
Há uma grande preocupação em torno de novos vírus que infectam pulmões, já que tosse e espirros são meios altamente eficazes de transmissão de uma doença.
No momento, há casos do coronavírus em 18 países além da China: Japão, Cingapura, Coreia do Sul, Vietnã, Austrália, Malásia, Camboja, Filipinas, Tailândia, Nepal, Sri Lanka, Índia, EUA, Canadá, França, Finlândia, Alemanha e Emirados Árabes Unidos.
Nos desdobramentos mais recentes, os EUA confirmaram nesta quinta-feira (30/1) seu primeiro caso de transmissão de pessoa a pessoa. O infectado é marido de uma mulher que recentemente voltou da China para o Estado de Illinois.
Também nesta quinta, os 6 mil passageiros de um navio de cruzeiro foram impedidos de descer na cidade italiana de Civitavecchia porque uma das pessoas a bordo, de Macau, apresentou sintomas de gripe. Mais tarde, testes confirmaram que ela não estava infectada com o coronavírus.