Escrito por João Paulo Viana, professor da UNIR, em parceria com o engenheiro e analista político boliviano Jorge Isaías Chavez Chavez (Fundación para el Desarrollo de la Amazonia).
A insistência de Evo Morales (MAS) em participar do processo eleitoral de outubro de 2019, visando o quarto mandato consecutivo, contribuiu diretamente para o retorno da instabilidade política na Bolívia, no momento em que o país vivenciava um período de inédita construção da estabilidade democrática. Se são inegáveis os ganhos econômicos e sociais conquistados durante os governos Morales, também era iminente o descontentamento de parte significativa da população boliviana com a tentativa de 3ª reeleição aprovada pelo Tribunal Constitucional. A insatisfação popular aumentaria ainda mais após a paralisação da apuração pelo organismo eleitoral boliviano, com mais de 80% dos votos computados, que somente seria retomada quase 24 horas depois. Sob suspeitas de fraude, o resultado apresentou uma ínfima diferença capaz de garantir a vitória governista no primeiro turno, num disputa direta contra o ex-presidente Carlos Mesa (Comunidade Cidadã), principal candidato da oposição.
Com a confirmação da vitória de Evo Morales, a conjuntura de violência se alastrou pelo país, contabilizando destruição, mortos e centenas de feridos. Os comitês cívicos da região de Santa Cruz lideraram os protestos que culminaram na renúncia do ex-presidente, no domingo, 10 de novembro, após o comandante das forças armadas boliviana “sugerir” a Morales que abdicasse do cargo em prol da pacificação do país. No mesmo dia, antes da renúncia de Evo, a OEA divulgou o resultado preliminar da auditoria eleitoral e recomendou a realização de um novo pleito eleitoral, o que fez com que Morales anunciasse uma nova eleição, decisão porém insuficiente para refrear os instintos autoritários da oposição, encabeçada por uma ultra direita violenta, dotada de um discurso com forte conotação religiosa, que lucrou politicamente com o descontentamento de maioria significativa dos bolivianos, inclusive, de setores progressistas contrários a uma nova disputa eleitoral de Morales.
Após a queda de Evo, renunciaram também o vice-presidente, Álvaro García Linera, a presidente do Senado, o primeiro vice-presidente do Senado, e o presidente da Câmara dos Deputados. Assim, a segunda vice-presidente do Senado, a oposicionista Jeanine Añez (Partido Democrata), assumiu a presidência com a principal missão de reorganizar o país para a realização da nova eleição presidencial, marcada posteriormente para o dia 03 de maio desse ano. Além da eleição presidencial, os bolivianos votarão também nas eleições legislativas para deputados e senadores.
Sob esta conjuntura, a classe política boliviana se prepara para disputar novamente as eleições gerais, inclusive, com velhas lideranças que retornam após a ida do ex-presidente Morales para o exílio. No total, são oito candidaturas registradas, sendo quatro alianças (coligações) que agrupam as legendas mais tradicionais e quatro candidatos disputando por um partido cada. Importante ressaltar que alguns desses novos atores emergiram politicamente durante os protestos cívicos que acarretaram a derrubada de Morales do poder.
Nesse contexto, são os seguintes candidatos à presidência e vice-presidência confirmados: Carlos Mesa y Gustavo Pedraza, pela coligação Comunidade Cidadã. Mesa perdeu seu principal aliado: o prefeito de La Paz e líder da legenda Sol; Luis Revilla, que agora apoia a candidatura da presidente Añez; o ex-presidente Jorge Tuto Quiroga Ramirez e Tomasa Yarhui, pela Liberdade e Democracia; as lideranças cívicas de Santa Cruz e Potosí, Luis Fernando Camacho e Marco Pumari, pelo Creemos (Acreditamos); a atual presidente Jeanine Añez, que anunciou candidatura há poucos dias, acompanhada pelo líder da Unidade Nacional, o empresário Samuel Doria Medina. Ambos encabeçam a coligação “Juntos” formada por Democratas e Unidade Nacional. Há também a candidatura de extrema direita do médico coreano, naturalizado boliviano, Chi Hyun Chung e Jessmy Karem, pela Frente para a Vitória. Pela Ação Democrática Nacionalista, os candidatos são Almirante Ismael Schabib e o General Remberto Silez. E, finalmente, pelo Pan – Bol, os candidatos são Feliciano Mamani e a advogada Ruth Nina. Todas essas sete candidaturas são diretamente contrárias a Morales e ao MAS.
Por sua vez, o MAS definiu seus candidatos em uma reunião na Argentina. Na cabeça da chapa segue Luis Arce Catacora, ex-ministro da Economia por aproximadamente doze anos, a quem muitos atribuem os bons resultados econômicos obtidos pelo país durante a era Morales. O candidato a vice-presidente é o ex-chanceler David Choquehuanca, que esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores por 10 anos, uma das lideranças masistas mais próximas ao ex-presidente.
No último final de semana, a atenção nacional esteve voltada para a reunião ocorrida no sábado, dia primeiro de fevereiro, em Santa Cruz. O encontro contou com a participação dos principais candidatos à presidência e líderes de diferentes siglas partidárias opositoras a Evo Morales e ao MAS. A expectativa girava em torno da celebração de uma frente única para enfrentar o partido de Morales, o que não se concretizou. Importante recordar que o principal argumento da oposição a Evo residia na suposta fraude eleitoral, pelo fato de que o controle do Órgão Eleitoral estava nas mãos do MAS. Nessa perspectiva, atualmente, a Presidente Jeanine detém o comando da instituição. Seguindo essa linha de raciocínio, supõe-se que hoje a oposição a Morales venceria em primeiro turno, com larga vantagem, ou que os resultados do MAS seriam inferiores aos obtidos em outubro passado. Não obstante, o temor e a busca pela união das oposições a Morales contradizem tal argumento.
Os partidos que faziam oposição ao governo Morales já vislumbravam que uma frente única contra o Movimento ao Socialismo não seria possível, em virtude de que para assegurar uma cota de poder num governo que não fosse do MAS seria fundamental obter representação na Câmara dos Deputados e no Senado. Assim, seriam as cadeiras no parlamento “moedas de troca” que garantiriam espaço no novo governo, caso alcançassem a presidência. Nesse sentido, a própria governabilidade estaria assegurada de uma forma muito semelhante a que ocorria antes da era Morales, durante a “democracia pactuada” (1985-2005), tendo em vista de que se não houver vencedor no primeiro turno, os partidos celebrariam um novo arranjo de forças, unindo-se contra o masismo.
Por outro lado, o MAS aposta na vitória em primeiro turno, tarefa que não será nada fácil, com um Morales no exílio pretendendo ser candidato ao Senado. Nesta segunda-feira, dia 03 de fevereiro, sua representante legal e ex-colaboradora foi presa quando retornava da Argentina com seus documentos, ao que tudo indica, com o intuito de registrar sua candidatura. Além de não contar mais com a influência e o aparato estatal a seu favor, o masismo ainda possui várias lideranças, dentre elas ex-ministros do governo Morales, refugiados na embaixada mexicana, a espera de um salvo conduto, que dificilmente ocorrerá. Juan Ramon Quintana e outros ex-ministros e colaboradores de Morales denunciaram a presidente Añez por perseguição política.
Diante desse cenário de profunda crise política, que parecia ter desaparecido da Bolívia há mais de uma década, o povo boliviano aposta no retorno da paz e da estabilidade. Para isso, torna-se imprescindível que as classes sociais menos favorecidas não sejam marginalizadas e que efetivamente ocorram condições para o povo prosperar.
Fonte: Legis-Ativo, do Estadão.