Determinação também incluía obras de Kafka, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar e Rubem Fonseca, entre outras
Paulo SaldañaRicardo Della Coletta
FSP
A Secretaria de Educação de Rondônia distribuiu nesta quinta-feira (6) um memorando e uma lista de livros para serem recolhidos das escolas por conterem o que foi definido como “conteúdos inadequados” a crianças e adolescente. A pasta voltou atrás após questionamentos à medida.
A lista das obras censuradas inclui 43 títulos. São livros de autores consagrados como Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues e Rubem Fonseca. Também fazem parte o livro “O Castelo”, de Franz Kafka, e “Macunaíma”, de Mário de Andrade, obra recorrentemente exigida em vestibulares.
A relação traz ainda uma observação: “Todos os livros do Rubem Alves devem ser recolhidos”. Morto em 2014, Alves escrevia sobre educação e questionava o formato tradicional da escola.
À Folha o secretário de Educação do estado, Suamy Vivecanda, afirmou inicialmente que se tratava de “fake news”. Após ser confrontado com imagens desse processo no sistema da pasta, disse que não estava na secretaria ao longo da semana e que não tinha conhecimento da medida. Segundo ele, não haverá recolhimento de obras.
O governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha, é filiado ao PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro. A expectativa é que Rocha acompanhe Bolsonaro em seu novo partido, o Aliança.
Bolsonaro e aliados insistem em dizer que há doutrinação nas escolas e nos livros didáticos e paradidáticos. No início do ano, o presidente afirmou que os livros escolares têm “muita coisa escrita” e que é preciso “suavizar”.
A reportagem confirmou que o memorando e a relação de livros de Rondônia são oficiais. Os documentos foram encaminhados a coordenadores regionais de Educação do estado, e o processo ainda consta no sistema de processos da secretaria.
Imagens dessa lista passaram a ser divulgadas pela internet, e a secretaria tornou o processo secreto às 14h11 desta quinta, conforme registro do sistema. No meio da tarde, a Coordenação Regional de Educação da pasta encaminhou uma nova mensagem para os coordenadores abortando o recolhimento dos livros.
“Missão de recolhimento dos livros abortada. Caso façam contato com vocês sobre o tema, por favor, peçam que entrem em contato com a CRE [Coordenação Regional de Educação]”, diz a mensagem.
O memorando-cirular 4/2020 tem o nome do secretário de Educação, mas é assinado eletronicamente pela diretora geral de educação, Irany Morais.
O memorando ressalta a importância de os educadores “estarem atentos as demais literaturas já existentes ou que chegam nas escolas” de modo que “sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho sem constrangimentos e desconfortos”.
A Folha solicitou detalhes à secretaria de Educação de Rondônia e também ao governo. Não houve resposta até a publicação deste texto.
O secretário de educação de Rondônia ressaltou à reportagem que qualquer determinação sai de seu gabinete, mas que não faz ideia como os documentos foram parar no sistema. “Mesmo assim vou na semana que vem avaliar o que realmente ocorreu”, disse.