Novas regras tornam controle menos rígido e tiram obrigatoriedade de monitoramento de determinadas categorias
Nara Lacerda
Brasil de Fato |
Menos de cinco meses após o Ministério Público Federal ter recomendando mudanças nos procedimentos adotados para liberação comercial de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) ou transgênicos no Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) publicou novas regras, que vão na contramão do pedido.
Desde o início de janeiro está valendo uma Instrução Normativa que libera de monitoramento organismos que a CTNBio considera de “risco negligenciável”. Segundo o texto, a liberação comercial será simplificada em casos em que o risco seja associado a um “dano reduzido e de ocorrência desprezível no tempo provável de uso comercial.”
A inclusão desses termos na nova norma é celebrada pelas empresas do setor e pelo agronegócio. No entanto o coordenador-adjunto do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Leonardo Melgarejo, afirma que não é possível medir ou prever os impactos. Ele leva em consideração o fato de que, uma vez colocados no solo, esses organismos passam a fazer parte do ecossistema, sem a possibilidade de que isso seja revertido caso algum dano seja registrado durante a produção e a comercialização.
“A CTNBio estabeleceu um critério que parece até piada. Eles falam em risco negligenciável, dizendo o seguinte: se o risco for considerado tão pequeno a ponto de ser negligenciado – mas não se estabelece de quanto é esse risco – se permite um critério subjetivo onde alguém, em algum momento vai dizer “isso não é relevante”. “
Melgarejo questiona que cálculos serão feitos para avaliar se os riscos são desprezíveis.“Dependendo da população, dependendo do universo, um percentual que pode ser considerado negligenciável, do ponto de vista estatístico, afeta muita gente. Eles dizem que risco negligenciável é aquele onde o dano será reduzido e a probabilidade de ocorrência será muito pequena. Ora, num país com 200 milhões de habitantes, o que é muito pequeno? Quantas famílias se admitem que podem ser afetadas?”
Grandes empresas do setor são conhecidas como Gene Giants / Brasil de Fato
História polêmica
O início do uso de transgênicos data da década de 1970 e sempre foi alvo de questionamentos e polêmicas. Atualmente o Brasil é um dos maiores produtores do mundo. Os OGMs representam quase a totalidade das culturas de soja, milho e algodão do país.
Não há estudos conclusivos sobre os possíveis impactos para a saúde humana. Os argumentos favoráveis ao aumento da aplicação dessa técnica citam maior produtividade nas lavouras e plantas mais resistente a pragas que, em teoria, necessitariam de menos agrotóxicos. Melgarejo afirma que essa possibilidade não foi observada ao longo do tempo.
“É fácil demonstrar que o crescimento da área de transgênicos no Brasil foi acompanhado, de uma maneira desproporcional, pelo crescimento do uso de venenos agrícolas no Brasil. Quanto a esses venenos não há dúvida, eles causam problemas à saúde. Nós jogamos no Brasil perto de um bilhão de litros de veneno todo ano. Isso não desaparece. Isso está sendo jogado nessa escala porque as lavouras são transgênicas e não há problema de respingar o veneno diretamente na planta. Ele cai sobre a lavoura, cai entre as plantas, escorre pelo solo vai parar na água, vai parar em todos os organismos que têm seu corpo formado por água. Tem agrotóxico no cafezinho, na cerveja, tem agrotóxico no suco natural que as pessoas dão para os bebês. As implicações disso? Vamos saber no futuro. É como uma vasta peste em nível mundial.”
Brasil está entre os que mais plantam transgênicos / Brasil de Fato
Saiba Mais: Brasileiros não sabem quais agrotóxicos estão na água que consomem
“O Brasil está se tornando um quintal de experimentação”
Ainda de acordo com o especialista seria preciso reforçar estudos e monitoramento constante, que analisem as possibilidades de danos a futuras gerações.
“Há estudos estrangeiros que acompanham ratos que consomem transgênicos ao longo de sua vida, que mostram o surgimento de tumores cancerígenos a partir dos 150 dias. Esses sintomas, se nós fossemos comparar em humanos, apareceriam aos quarenta, cinquenta anos. Nós não estamos comendo transgênicos há cinquenta anos. Talvez surjam processos cancerígenos nos seres humanos daqui alguns anos. É possível que esses processos estejam acontecendo lentamente”
Decisão política
A aprovação unânime da nova norma na CTNBio também é alvo de críticas duras. Melgarejo ressalta que falta dar voz a análises de especialistas ligados a áreas como a agricultura familiar e agroecologia.
“No final, nós teríamos doze cientistas, seis especialistas indicados pela sociedade civil e nove ministérios, que daria 27 votos que avaliariam o risco das novas tecnologias. Seria de se esperar que nessa avaliação, alguém levantaria suspeita a respeito das possibilidades da coisa não dar certo.”
A CTNBio é composta por pesquisadores de “notório saber” e em governos anteriores tinha representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Secretaria da Pesca. As cadeiras que eram ocupadas por esses representantes ainda existem, mas segundo Melgarejo estão hoje sob influência do Ministério da Agricultura.
“Essa distorção acaba com a isonomia, com a equivalência de poder entre os representantes das várias áreas. O Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente se colocam numa posição de inferioridade frente a possibilidade de obter maioria dentro da CTNBio. O que hoje não é um problema, porque atualmente as duas pastas são totalmente alinhadas ao pensamento do Ministério da Agricultura, onde a preocupação de possibilidade de sucesso da safra vale mais que as preocupações com relação a riscos de longo prazo.”
Entidades de defesa do meio ambiente e ligadas à produção de orgânicos afirmam que o plantio de OGMs diminui a diversidade e prejudica lavouras tradicionais e orgânicas. Melgarejo ressalta que pontos como esses demonstram a necessidade de diálogo com a população sobre as normas estabelecidas.
“É verdade que nesse momento histórico que nós estamos vivendo tanta coisa merece um debate, que fica difícil chamar atenção para o assunto. Há preocupações tão imediatas e tão grandes que esse governo não leva em consideração e agrava, que fica difícil querer atenção para casos de modificação genética que vão nos ameaçar no futuro. Mas é importante dizer para a população que nessas questões estratégicas de longo prazo que envolvem a tecnologia, nós também estamos sendo roubados. Também estamos sendo ameaçados.”
Ciclo perverso/ Brasil de Fato
A recomendação do Ministério Público Federal, divulgada em outubro do ano passado, afirma que o Brasil precisa ampliar a análise dos transgênicos, hoje feita somente em ambientes controlados.“A atribuição prevista expressamente no inciso V do artigo 14 da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005) permite que a adequada mensuração dos impactos dos transgênicos no meio ambiente e na saúde possa ser efetivada, mas, infelizmente, tal atribuição não é exercida”.
Há um alerta também sobre o abrandamento do controle, enquanto outros países tem normas mais rígidas.
“As agências regulatórias em outros países analisam a implementação de transgênicos de forma ampla, visando identificar efeitos imprevistos sobre a saúde humana e o ambiente. Por exemplo, os Estados Unidos consideram que transgênicos que contenham toxinas devem observar o mesmo rito de aprovação que agrotóxicos convencionais.”
No Brasil esse critério não é utilizado e há culturas desse tipo com autorização de plantio e comercialização. A legislação brasileira determina que agentes biológicos de controle sejam registrados como agrotóxicos, mas a regra é desconsiderado pela CTNBio para liberação dos OGMs dessa categoria.
Edição: Rodrigo Chagas