Inchaço será provocado pelo fim da coligação partidária proporcional, que entra em vigor neste ano
Igor Carvalho
Brasil de Fato
Por imposição da Emenda Constitucional (EC) 97, aprovada em outubro de 2017, as coligações partidárias estão proibidas nas eleições proporcionais de 2020. Com a nova legislação, o Brasil pode ultrapassar a marca de um milhão de candidaturas às Câmaras municipais.
Antes da mudança na Constituição, uma coligação partidária podia lançar, conjuntamente, um número de candidatos que representasse até 150% das vagas em disputa na Câmara do município. A partir deste ano, cada partido, sozinho, poderá postular esse mesmo número de candidaturas.
Por exemplo, em Salvador (BA), há 43 vagas para vereadores. Na norma antiga, os partidos de uma coligação, somados, poderiam lançar até 65 candidaturas. Agora, cada partido que integrava a aliança poderá lançar 65 candidatos.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, em 2016, ainda no modelo de coligações para eleições proporcionais, os 5.568 municípios brasileiros tiveram 496 mil candidatos. Sendo 463 mil postulantes às Câmaras municipais e 33 mil para os cargos de prefeito e vice-prefeito. Em 2012, foram 481 mil candidaturas.
Carlos Machado, professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UNB), acredita que o número de um milhão de candidaturas será “facilmente superado” neste ano. Para o cientista político, a mudança não é “necessariamente boa”, já que ele não expõe o sistema eleitoral a uma quantidade “absurda” de candidatos.
“Temos o hábito de criticar de forma intensa a coligação partidária, sem parar para refletir sobre os elementos positivos dela. O número de candidatos que um partido pode apresentar numa eleição, varia se ele estiver dentro de uma coligação, porque quando os partidos participam de uma coligação, eles são considerados como um único partido”, defende Machado.
O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, discorda. “Quando esse tema foi debatido no âmbito do Congresso Nacional, nós imediatamente nos posicionamos favoravelmente. Entendemos que a coligação proporcional como ela existia no Brasil estimulava uma série de distorções, você podia votar em um candidato de esquerda e eleger um candidato de direita, porque as coligações estavam sem critérios. Isso acabava deturpando a vontade do eleitor.”
Secretário-geral do PSDB, o deputado federal Beto Pereira (MS), afirma que o partido espera que a marca de um milhão de candidatos seja superada e celebra a possibilidade. “Com esse exercício de não ter coligação, os partidos estão preocupados em preencher vagas. Então, buscam jovens e outros segmentos específicos da sociedade. A política partidária é uma participação popular, é preciso que a população participe, não apenas na hora do voto, mas no momento da construção dos partidos e do sistema eleitoral.”
Para o cientista político Rudá Ricci, a marca de um milhão será superada “com facilidade”, mas deve “recuar conforme a eleição se aproxima”, por conta da desistência de candidatos que não dispuserem de verba para bancar todo o período eleitoral. “Campanha está cada vez mais cara no Brasil. São campanhas de tiro curto e você disputará o mercado político com muitos candidatos em pouco tempo, tem que investir muito dinheiro”, explica.
Financiamento de campanha
Números do TSE mostram que as eleições de 2012 custaram R$ 7,7 bilhões. Quatro anos depois, candidatos a vereador, prefeito e vice-prefeito gastaram R$ 2,2 bilhões durante toda a campanha eleitoral. Em 2016, o financiamento empresarial passou a ser proibido e o período eleitoral encolheu para 45 dias, mudanças que explicam a queda no valor.
Ainda de acordo com Rudá Ricci, se o alto valor das campanhas pode ser um obstáculo para muitos candidatos, deve favorecer a proliferação, em 2020, de candidaturas ligadas a grupos econômicos, que oferecem estrutura aos seus filiados.
“Serão formados blocos de candidaturas para o Congresso que vão dar nas Tabatas [Amaral, deputada federal pelo PDT], por exemplo. Esse modelo chamou muito a atenção de empresários e todos citam a experiência do RenovaBr”, argumenta Ricci.
Tabata Amaral ganhou notoriedade nacional em 2019 quando enfrentou seu partido, o PDT, e votou a favor da Reforma da Previdência, indo contra os princípios da legenda, mas respeitando as diretrizes do RenovaBr.
Presidente do PDT, Carlos Lupi atacou a deputada e disse que ela defendia a “democracia de conveniência”. O partido puniu Amaral e, em outubro de 2019, a parlamentar anunciou que entrará na Justiça para sair do partido sem perder o mandato.
Apoiado pelo apresentador Luciano Huck, o RenovaBr tem a pretensão de formar novos políticos para o Brasil. Em 2018, o grupo lançou 120 candidaturas em sete partidos, elegendo 17 deles. Novo e Rede foram os principais aliados, com oito e três eleitos, respectivamente.
Neuriberg Dias, diretor técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), pondera que, apesar do avanço das candidaturas forjadas fora dos partidos, os políticos com história vinculada às legendas devem impor dificuldades.
“Renovação na esfera federal é de 70%, mas só 3% realmente estão estreando na política. Os demais já vinham de experiências municipais ou estadual. Então, esses grupos como RenovaBR, MBL, Acredite, dentre outros, vão ter uma disputa com outros grupos que já estão na política, como bancada evangélica, a própria bancada sindical, que já têm um histórico muito grande de mandatos”, finaliza.
A deputada federal paranaense Gleisi Hoffmann, que acumula a função de presidenta nacional do PT, lembra que iniciativas como o RenovaBr não uma novidade na política e ressaltou a relevância do Fundo Eleitoral para o equilíbrio na disputa por vagas.
Em 2020, os partidos terão acesso a R$ 2 bilhões oriundos do Fundo Eleitoral. O valor representa um aumento de 18% em relação a 2018, quando as legendas receberam R$ 1,7 bilhões para investir nas campanhas para deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente.
As legendas menores, que não conseguem disputar nem as sobras, não estarão mais presentes no cenário político daqui um tempo
O Fundo Eleitoral foi aprovado pelo Congresso Nacional com o voto favorável de 430, dos 513 e deputados federais. No Senado, a matéria passou como a aprovação de 62, dos 81 senadores. Somente PSOL, Podemos, Novo e Cidadania votaram contra o aumento. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou o texto em 17 de janeiro deste ano, contrariando sua base, que pedia o veto do uso de verba pública em eleição, bandeira que o ex-militar defendeu durante sua campanha em 2018.
A divisão do Fundo Eleitoral respeita as seguintes regras: 2% é distribuído igualitariamente entre todos os partidos com registro no TSE; 35% dividido entre os partidos que tenham ao menos um representante na Câmara dos Deputados; 48% dividido entre as legendas, mas respeitando a proporcionalidade de deputados federais; e 15% dividido entre as siglas, mas respeitando a proporcionalidade de senadores.
Respeitando essas regras, o PT é o partido que receberá a maior fatia do Fundo Eleitoral em 2020, R$ 194,9 milhões. Logo atrás, estão o PSL com R$ 189,3 mi, e o MDB, que receberá R$ 153 milhões. Nas últimas posições, estão o Unidade Popular (UP), que terá R$ 1,2 milhão, o PCO, com R$ 1,3 milhão e o PSTU, que angariará R$ 1,7 milhão.
A distribuição do Fundo Eleitoral deve aprofundar a distância entre os partidos grandes e pequenos no Brasil, explica Carlos Machado. “As legendas menores, que não conseguem disputar nem as sobras, não estarão mais presentes no cenário político daqui um tempo. Mas, possivelmente, os medianos, que se imaginaria que não existiriam ou deixariam de ter representação das Câmaras municipais vão permanecer ainda”, finaliza o cientista social.
Presidente nacional do DEM, o deputado federal Baleia Rossi (SP), também aposta na afirmação dos partidos tradicionais. “Essa mudança nas coligações foi uma enorme vitória. Vamos acabar com as siglas de aluguel que usavam as coligações para apostar em um candidato.”
Partidos menores
São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, teve um quociente eleitoral, em 2016, de 97.465 mil votos, de acordo com o TSE. Essa, é a quantidade necessária de votos para cada vaga na Câmara Municipal. Se um partido atinge, por exemplo, 293 mil votos no município, consegue eleger três vereadores e, então, distribuirá entre os candidatos mais votados da legenda essas cadeiras.
Com as coligações, a conta era mesma. Porém, a distribuição das vagas respeitava a lista dos mais votados dentro da aliança partidária. Um exemplo é a eleição de Jair Bolsonaro, em 2014. O atual presidente foi eleito para deputado federal pelo PP do Rio de Janeiro, com 464 mil votos. Com essa votação, conseguiu puxar outro candidato, mas não de seu partido. Com apenas 47 mil votos, Fernando Jordão, do MDB, foi parar em Brasília.
No estado de São Paulo, ganhou notoriedade o caso de Tiririca (PL), que conseguiu 1 milhão de votos e levou consigo para Brasília outros dois candidatos, ambos de seu partido, que naquele ano não fez coligação. Um deles, era o Capitão Augusto, que acabara de se filiar à legenda, pois não conseguiu fundar o Partido Militar Brasileiro (PMB), que conseguiu 46 mil votos nas urnas.
Neuriberg Dias, assessor legislativo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), explica que a figura do puxador de votos não deve desaparecer na política nacional. Porém, agora ele estará à serviço apenas do seu partido. “Isso é importante para a democracia, haverá mais clareza nas alianças. Antes, você tinha dois parlamentares na mesma coligação, mas que tinham posições diferentes. Muitas vezes, eles (puxadores) puxavam um outro candidato que não está próximo.”
Enquanto o número de candidaturas aumenta, diminui o índice de candidatos que conseguem atingir o quociente eleitoral. Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostram que em 2018 apenas 27 dos 513 deputados eleitos conseguiram atingir o quociente eleitoral.
Importante para a democracia, haverá mais clareza nas alianças. Antes, você tinha dois parlamentares na mesma coligação, mas que tinham posições diferentes.
Para Beto Pereira, do PSDB, “os partidos sem organização tendem a minguar e quando minguarem esses sem organização, no futuro, a tendência é que desapareçam no espectro político-partidário”. “Acredito que essas mudanças trarão benefícios ao sistema eleitoral, pois vão exigir que os partidos pensem e criem estruturas próprias para as eleições proporcionais. Com isso, os partidos que irão sobreviver são os que têm organização e militância”, finaliza o dirigente tucano.
O Diap elaborou um estudo, no final de 2017, mostrando como ficariam as bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados em 2014, caso a proibição de coligações para eleições proporcionais já estivesse em vigor. Somados, PT, PMDB e PSDB teriam 84 deputados a mais (ver quadro completo abaixo). A maior queda seria do PR, PDT e DEM, que perderiam 27 cadeiras no Congresso.
Rudá Ricci alerta que partidos tradicionais, mas com menor presença nas casas legislativas, precisam pensar estratégias e eleger mais parlamentares. “Até a última eleição, nós tínhamos um tripé do sistema partidário, apoiado em PSDB, PT e PMDB. Nós tivemos uma fragmentação importante na última eleição. Há uma tendência desses partidos maiores de tentar diminuir o grau de insegurança entre eles. Nós vimos alguns aliados importantes desses partidos grandes entrarem em perigo, por conta da cláusula de barreira. Por exemplo, o PCdoB.”
Para Dias, “os partidores maiores vão largar na frente” e os menores terão dificuldade em alcançá-los. “Até porque, os maiores tem recursos financeiros e bancada grande, que trarão recursos e verbas aos municípios. Essas mudanças, principalmente o fim das coligações, trará à tona a disputa de agenda, as propostas que você terá. Isso ficará mais claro. Antes, vocês tinha partidos que faziam coligação e surfava numa agenda de esquerda, por exemplo, mas o parlamentar e seu partido coligado eram mais liberais.”
Edição: Rodrigo Chagas