Sydney Possuelo considera desmonte do órgão como “o maior perigo” para as comunidades
Cristiane SampaioBrasil de Fato | Brasília (DF)
Considerado um dos maiores indigenistas do Brasil, Sydney Possuelo foi categórico ao afirmar que o governo Bolsonaro seria “o momento mais terrível e mais difícil” já registrado para os povos tradicionais em toda a história republicana do país.
“O perigo maior deste momento é que, antes, havia incompreensões, mas o Estado ainda tinha a Funai – uma Funai deficiente, como sempre foi, mas tinha a educação, a saúde e se demarcavam as terras. De repente, o Estado brasileiro começa a desmontar tudo isso dentro da visão política do senhor Bolsonaro” disse o sertanista, que atua no tema há mais de 40 anos.
Alvo uma de uma ação do Ministério Público Federal (MPF) na terça-feira (11), a nomeação do pastor Ricardo Lopes Dias para a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai) levou o indigenista Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai, a buscar interlocução no Congresso Nacional, durante conversa com deputados da minoria, indígenas e outros especialistas.
Possuelo presidiu a fundação entre os anos de 1991 e 1993, durante o governo de Fernando Collor. Durante sua trajetória como indigenista teve contato com diferentes grupos em situação de isolamento e foi o responsável pela criação daCGIIRC, agora sob a coordenação do líder evangélico, ligado à Missão Novas Tribos do Brasil.
O ex-presidente da Funai alertou os deputados para os riscos do contexto de desproteção às comunidades isoladas. Ele explicou que a configuração política desses povos difere da situação em que estão inseridas as populações que têm algum nível de urbanização.
“Nós estamos falando de um punhado de homens que sobraram, que continuaram vivos depois desse processo de conquista do território brasileiro, e eles são absolutamente dependentes da proteção do governo federal. As demais comunidades, que, de alguma forma, estão em contato conosco, mesmo estando em situação difícil, já se representam. Elas vêm à Brasília, batem no chão e reclamam os seus direitos. Os povos isolados não têm representantes. É o Estado brasileiro que tem a obrigação histórica, ética de protegê-los”, alertou .
Riscos
Indígenas e especialistas apontam que o avanço dos interesses de grupos evangélicos sobre as comunidades tradicionais fere os direitos culturais desses povos, cuja preservação é resguardada pela Constituição Federal de 1988. O sertanista Antenor Vaz, que atua como consultor para políticas de proteção a indígenas isolados, afirma que o não atendimento às demandas e aos interesses do segmento tende a prejudicar o país e o mundo em maior escala.
“Existe o perigo iminente de genocídio, e, ao perder física ou espiritualmente esses povos, você perde uma compreensão de como preservar a natureza. Mesmo com toda a invasão colonial, eles conseguiram entregar à população brasileira uma floresta em pé, e ela não é importante somente por ter uma árvore. Esse conjunto biodiverso é responsável por todo um equilíbrio climático no mundo inteiro. A chuva que cai em São Paulo vem da Amazônia ”, exemplifica.
Ao todo, a Funai tem registro de 114 povos indígenas isolados – definidos pela Estado como comunidades que, voluntariamente, decidem não interagir com o mundo externo. Cálculos do Instituto Socioambiental (ISA) indicam a existência de um número maior, que seria de 128 populações com essa característica.
“Infelizmente, a Funai só conseguiu confirmar 28, mas existem quase 90 povos [isolados] que estão expostos a situações de invasão territorial, de grilagem, de madeireiros, a queimadas” (2:48), explica Antenor Vaz.
Violência
O assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Paulino Guajarara, sublinha que a história dos povos tradicionais no Brasil e na América do Sul esteve sempre marcada por episódios constantes de violência, mas ele destaca que esse cenário estaria se agravando.
A luta das comunidades é afetada pelos interesses de grandes grupos econômicos que pressionam o jogo político pela exploração dos territórios tradicionais, colocando em xeque os direitos indígenas. “Estamos reféns de um liberalismo econômico pro qual vale tudo, inclusive atropelar a democracia”, critica Guajarara.
Articulação no Congresso
O encontro com indígenas e profissionais do indigenismo surge de uma tentativa dos parlamentares de oposição de se apropriarem do tema para definir um melhor escopo de atuação diante dele.
“O Congresso não conhece essa temática, é muito distante dela. E é uma temática que hoje revela e expressa o significado e a essência do que é o governo. Neste momento, nosso esforço é de avançar no sentido de que a Funai tem que ser modificada, que as frentes de proteção têm que funcionar”, afirma a líder da minoria a Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), criticando a nomeação de Dias para o cargo.
Para o deputado Airton Faleiro (PT-PA), o momento pede uma maior aglutinação dos atores políticos e populares em torno do tema. “Principalmente para tratar dos direitos dos povos isolados, que não têm voz e precisam ainda mais do parlamento e da sociedade”.
Edição: Leandro Melito