A polícia militar mandou o bloco parar e os foliões desobedeceram.
Conte essa história quando perguntarem como foi o desfile do Bloco Pirarucu do Madeira no carnaval de 2020.
Imagine uma festa em que tiram o principal elemento da alegria, o som. Só continua se quem tá na festa desafiar o gogó e seguir cantando e dançando.
Foi justamente o que ocorreu neste 16 de fevereiro no bloco mais democrático do carnaval de Porto Velho.
O bloquinho que não vende nada, que não tem cordas, nem trio elétrico, revelou-se grande e imponente como o peixe que lhe dá nome.
Fundado há 27 anos, segundo bloco de rua mais antigo em atividade, nunca havia se submetido à burocracia estatal para ocupar as ruas na folia de momo.
Cedeu à ‘burrocracia’ para evitar a interrupção do desfile neste tempo de censura a livros de Gullar, Machado de Assis e Rubem Alves.
De uma lista insana de obrigações a um bloco sem finalidade lucrativa, a equipe do policiamento de trânsito usou a falta de grades nas ruas paralelas ao desfile como argumento para acabar com a festa.
O acordo para que o bloqueio de vias fosse feito com seguranças contratados pelo bloco, foi recusado pelo responsável da equipe da PM.
O povo na rua cantando.
Crianças como em nenhum outro bloco.
Pessoas com dificuldade de locomoção.
Idosos.
Os blocos dentro do bloco; Eu Te Avisei, Os Bocudos e Tambaqui é Melhor que Salmão.
A Yara, que perdeu a avó dona Auda, há menos de uma semana, estava lá em sua cadeira de rodas com a mãe, as tias e primos.
Tinha folião de toda parte da cidade.
Uma explosão de cores em fantasias.
Foi uma pororoca cultural regional! Teve a bateria Pura Raça, banda Quilomboclada e banda Puraqué com a participação do grupo As Pastoras.
Teve trupe teatral e com pernas de pau.
Manifesto em defesa dos povos indígena, teve sim!
O frevo ferveu debaixo da chuva que ia e voltava.
Um rio de passos desafiou a ordem de parar.
Quando o presidente do bloco, Ernande Segismundo, convocou os foliões à resistência, barreiras e barragens se romperam.
À polícia, restou fazer sob a pressão da multidão pacífica, o que deveria ter feito para permitir a felicidade do povo.
Com as viaturas, bloquearam as vias paralelas do percurso e assistiram o espetáculo de resistência da cultura popular.
O policial que trabalha durante o desfile do bloco Pirarucu do Madeira tem é muita sorte!
Nunca houve confusão, porque os foliões são estimulados a brincar em paz e alegria em campanhas como a lançada este ano contra o assédio no carnaval.
Até este ridículo episódio, a polícia militar foi amiga do bloco e dos foliões.
A verdade é que o poder público deveria providenciar tudo para uma folia de graça e harmoniosa como a do Pirarucu.
Na hora do sufoco, a Fundação Cultural bem que tentou cumprir a exigência para o bloco seguir, mas não teve jeito.
A verdade é que a prefeitura e o governo do estado tinham que bancar grades, banheiros químicos, limpeza e segurança desse bloco. Não seria despesa, mas investimento num cordão que exalta a tradição.
O folião deste bloco é multiplicador de consciência cidadã, faz festa com luta pela democracia e pela cultura popular.
A multidão não parou, porque não havia racionalidade na ‘ordem superior’.
A banda Puraqué cumpriu mais da metade do desfile só com sopros e bateria, sem som mecânico.
Os seis vocais que se doaram à tradição deram lugar a um coro que vai ecoar por muito tempo na história do carnaval da capital.
Se foi um gesto de censura em tempos de obscurantismo, falhou.
O que fica é o gesto de resistência dos foliões com os ‘Corações Futuristas’ e ‘Bobos em Folia’, da marchinha de Edgard Moraes para blocos com a essência lírica do Pirarucu.
Mais que confetes e serpentinas repousam no circuito da Pinheiro Machado.
A magia de um desfile histórico do bloco do prazer, a multidão comenta.
A polícia militar tem que garantir a ordem e isso ninguém contesta, mas o que a equipe de ontem fez foi ignorar a beleza e a paz que manteve unidos os foliões até o final magistral do desfile.
O mais angustiante foi responder a tantas crianças que perguntaram: “tia, por que o bloco não anda?
O mais emocionante foi vê-las resistir à espera e à ordem de parar cantando: “eu quero é botar meu bloco na rua!”