No DCM, por Joaquim de Carvalho – A São Clemente pode não levar o título de campeã — o que não seria surpreendente, já que a escola, de 58 anos, nunca venceu no Grupo Especial.
Mas fez nesta noite um desfile que será lembrado como um dos mais criativos deste carnaval, em grande parte devido à genialidade do humorista Marcelo Adnet.
Ele é um dos autores do samba-enredo (letra abaixo) e foi o destaque de um carro alegórico, como o presidente Jair Bolsonaro.
Fez arminha com a mão e enganou nas flexões de braço, que mais parecem flexões de cabeça.
Certamente, Adnet influiu em todo o enredo e na montagem do elenco, já que colegas dele na Escolinha do Professor Raimundo interpretaram personagens que contam um pouco da história recente.
Mateus Solano foi o “laranja”, Érico Brás interpretou um corretor que vende terrenos na Lua, e Marcos Veras foi um fazendeiro que caiu no golpe. Paulo Vieira representou um político cheio de regalias na cadeia.
Outro amigo de Adnet, Welder Rodrigues, interpretou o pastor que explora as ovelhas e carrega uma Bíblica que tem um cifrão na capa.
A bateria veio fantasiada de laranja, com uma rainha, Raphaela Gomes, vestida de polícia federal. Era uma ironia ao inquérito sobre o ministro Marcelo Álvaro Antônio, indiciado por crime de estelionato eleitoral, mas firme no governo.
Os versos do samba diziam: ”Tem laranja! Na minha mão, uma é três e três é dez!”. Erro matemático proposital. Era a fraude do PSL, o partido pelo qual Bolsonaro se elegeu.
O Brasil caiu no Conto do Vigário, o tema da escola.“Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu! E o País inteiro assim sambou, ‘caiu na fake news!’”, cantavam os passistas.
A São Clemente, escola que nasceu em Botafogo, Zona Sul da cidade, já foi chamada de PT do Samba, pelos enredos panfletários da década de 80.
Tem a cara da classe média descolada carioca, não dos morros — afinal, todos têm o direito de brincar.
O desfile de hoje não foi panfletário, mas foi crítico, na dimensão do humor. Foi uma Escolinha do Professor Raimundo melhorada, uma Zorra Total sem as piadas sem graça.
O público gostou e a rede social ficou agitada com a criatividade da escola. No fundo, foi uma forma de dizer a Bolsonaro VTNC, sem precisar falar palavrão.
Mas o recado foi bem entendido. Parte do Brasil caiu no Conto do Vigário.
Segue a letra do samba-enredo da São Clemente, de autoria de André Carvalho, Camilo Jorge, Gabriel Machado, Gustavo Albuquerque, Luiz Carlos França, Marcelo Adnet, Pedro Machado e Raphael Candela:
Meu povo chegou, ô, ô
A maré vai virar, laiá
Na ginga, pra frente
Lá vem São Clemente
O sino toca na capela e anuncia
Nossa Senhora, começou a confusão
Quem vai ficar com a imagem de Maria?
O burro vai tomar a decisão
Mas o jogo estava armado
Era o conto do vigário
Nessa terra fértil de enredo
Se aprende desde cedo
Todo papo que se planta, dá
Dom João deu uma volta em Napoleão
Fez da colônia dos malandros, capital
Trambique, patrimônio nacional
Na minha mão, uma é três e três é dez
É o bilhete premiado, vendido na rua
Malandro passando terreno na Lua
Hoje, o vigário de gravata
Abençoa a mamata
Lobo em pele de cordeiro
Trago em três dias seu amor
La garantia soy yo
Chamou o VAR, tá grampeado
Vazou, deu sururu
Tem marajá puxando férias em Bangu
Balança na rede
t
Abre a janela, aperta o coração
O filtro é fantasia da beleza
Na virtual roleta da desilusão
Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu
E o país inteiro assim sambou
Caiu na fake news