Prioridade do governo, pós com nota alta em cidade pobre não existe

Prioridade do governo, pós com nota alta em cidade pobre não existe

Novo critério para distribuição de bolsas da Capes inclui número de formados e favorece municípios com IDHM baixo

Sabine Righetti

Estêvão Gamba

O governo federal anunciou em fevereiro que irá privilegiar a concessão de bolsas de mestrado e de doutorado para alunos dos cursos mais bem avaliados do país que, ao mesmo tempo, estejam nas cidades mais pobres. O problema é que, de acordo com cruzamento de dados feito pela Folha, as duas características caminham completamente separadas.

Pela proposta da Capes, agência federal ligada ao MEC (Ministério da Educação), quanto maior a nota do programa de pós-graduação, maior será o número de bolsas. Na prática, isso já acontece. A novidade é que entrariam na conta também a quantidade de estudantes formados de 2015 a 2018 em cada programa e o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) da cidade de cada curso.

Pela nova distribuição, informa a Capes, um curso oferecido em uma instituição de uma cidade com IDHM mais baixo teria duas vezes o número de bolsas de outro semelhante que fica em um município com IDHM mais alto. 

O que a Capes parece não saber é que 95% dos 4.285 programas de pós-graduação ativos hoje no Brasil estão em 287 municípios com IDHM alto ou muito alto. Ou seja: considerar o índice como critério de seleção de bolsa não faz sentido.

O restante —5% dos programas de pós do país, que são oferecidos em instituições de cidades mais pobres (IDHM médio e baixo)— não atinge o nível de excelência exigido pela própria Capes nos sistemas de avaliação da agência. 

Há apenas duas exceções: dois programas de pós-graduação da Universidade Federal de Pelotas em Capão do Leão (a 265 km de Porto Alegre). Lá, o IDHM é médio, mas os cursos em ciências agrárias e em biotecnologia têm os conceitos máximos na avaliação da Capes (notas 6 e 7).

Os únicos programas de pós de escolas que ficam em cidades com IDHM baixo no Brasil —são apenas oito— também não se beneficiariam com a nova proposta da Capes.

 

Os cursos têm como foco biodiversidade, educação e ciências agrárias e correlatas em campus das universidades federais da Paraíba (na cidades de Areia, Bananeiras e Rio Tinto) e do Pará (em Cametá). A maioria deles tem nota 3, ou seja, estão apenas um ponto acima de programas desativados pela Capes por má qualidade.

Além disso, a também maioria desses programas de pós oferecidos em cidades com IDHM baixo têm apenas mestrado —a Capes anunciou que vai priorizar as bolsas de doutorado. E dois deles foram criados em 2014, ou seja, têm poucos alunos formados entre 2015 e 2018.

Não há, no país, nenhuma cidade com IDHM muito baixo que tenha instituição de ensino superior ofertando programa de pós-graduação —algo que a Capes também parece desconhecer. 

Na prática, valerá o mesmo de sempre no modelo “inédito” de concessão de bolsas: as notas dos programas de pós-graduação, que são avaliados pela própria Capes a partir de indicadores como a quantidade de estudos científicos dos alunos e dos docentes. E, por esse critério, cursos de universidades recentemente criadas em regiões do país nas quais o ensino superior ainda não se consolidou sempre sairão perdendo. 

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