Novo critério para distribuição de bolsas da Capes inclui número de formados e favorece municípios com IDHM baixo
Sabine Righetti
O governo federal anunciou em fevereiro que irá privilegiar a concessão de bolsas de mestrado e de doutorado para alunos dos cursos mais bem avaliados do país que, ao mesmo tempo, estejam nas cidades mais pobres. O problema é que, de acordo com cruzamento de dados feito pela Folha, as duas características caminham completamente separadas.
Pela proposta da Capes, agência federal ligada ao MEC (Ministério da Educação), quanto maior a nota do programa de pós-graduação, maior será o número de bolsas. Na prática, isso já acontece. A novidade é que entrariam na conta também a quantidade de estudantes formados de 2015 a 2018 em cada programa e o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) da cidade de cada curso.
Pela nova distribuição, informa a Capes, um curso oferecido em uma instituição de uma cidade com IDHM mais baixo teria duas vezes o número de bolsas de outro semelhante que fica em um município com IDHM mais alto.
O que a Capes parece não saber é que 95% dos 4.285 programas de pós-graduação ativos hoje no Brasil estão em 287 municípios com IDHM alto ou muito alto. Ou seja: considerar o índice como critério de seleção de bolsa não faz sentido.
O restante —5% dos programas de pós do país, que são oferecidos em instituições de cidades mais pobres (IDHM médio e baixo)— não atinge o nível de excelência exigido pela própria Capes nos sistemas de avaliação da agência.
Há apenas duas exceções: dois programas de pós-graduação da Universidade Federal de Pelotas em Capão do Leão (a 265 km de Porto Alegre). Lá, o IDHM é médio, mas os cursos em ciências agrárias e em biotecnologia têm os conceitos máximos na avaliação da Capes (notas 6 e 7).
Os únicos programas de pós de escolas que ficam em cidades com IDHM baixo no Brasil —são apenas oito— também não se beneficiariam com a nova proposta da Capes.
Os cursos têm como foco biodiversidade, educação e ciências agrárias e correlatas em campus das universidades federais da Paraíba (na cidades de Areia, Bananeiras e Rio Tinto) e do Pará (em Cametá). A maioria deles tem nota 3, ou seja, estão apenas um ponto acima de programas desativados pela Capes por má qualidade.
Além disso, a também maioria desses programas de pós oferecidos em cidades com IDHM baixo têm apenas mestrado —a Capes anunciou que vai priorizar as bolsas de doutorado. E dois deles foram criados em 2014, ou seja, têm poucos alunos formados entre 2015 e 2018.
Não há, no país, nenhuma cidade com IDHM muito baixo que tenha instituição de ensino superior ofertando programa de pós-graduação —algo que a Capes também parece desconhecer.
Na prática, valerá o mesmo de sempre no modelo “inédito” de concessão de bolsas: as notas dos programas de pós-graduação, que são avaliados pela própria Capes a partir de indicadores como a quantidade de estudos científicos dos alunos e dos docentes. E, por esse critério, cursos de universidades recentemente criadas em regiões do país nas quais o ensino superior ainda não se consolidou sempre sairão perdendo.