Sob Bolsonaro, multas ambientais caem 34% para menor nível em 24 anos

Sob Bolsonaro, multas ambientais caem 34% para menor nível em 24 anos

Ano em que as autuações foram igualmente baixas, 1995 registrou maior desmate da história

Danielle Brant

Phillippe Watanabe

FOLHA

O número de multas por infração ambiental aplicadas pelo Ibama no país recuou 34% em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (sem partido), na comparação com 2018. É a menor quantidade em 24 anos.

Segundo dados coletados pela Folha em 6 de março, foram registradas 9.745 autuações ambientais no ano passado, ante 14.699 em 2018.

As infrações representaram, em 2019, um total de R$ 2,3 bilhões. Em 2018, foram R$ 4,09 bilhões, considerada a correção inflacionária. Em valores, a queda é de 43,3%.

Os números encolhem justamente em um momento em que a devastação da Amazônia bate recorde na década e preocupa especialistas.

É o menor número de multas aplicadas desde 1995, quando foram registradas 4.586 autuações. Naquele ano, o país teve o maior desmatamento da série histórica.

As reduções nos números de multas têm ocorrido praticamente todos os anos desde 2009, mas em percentuais bem inferiores ao identificado em 2019.

Questionado sobre os motivos para a queda na quantidade de multas aplicadas, o Ministério do Meio Ambiente respondeu que as fiscalizações e autuações do Ibama continuam sendo feitas normalmente.

“Não há nenhuma orientação em contrário. O plano de ação de fiscalização do órgão foi 98% executado e o sistema já está designando audiências de conciliação no novo paradigma”, diz a pasta, em nota.

Além da queda nas autuações, o desmatamento avança rapidamente na Amazônia. A destruição da floresta em 2018/2019 chegou aos 9.762 km², crescimento de quase 30% em relação ao ano anterior, segundo dados do Prodes, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que mede o desmate anual. A taxa é medida entre agosto de um ano e julho do ano seguinte.

O Ibama é o principal órgão vinculado à estrutura do Ministério do Meio Ambiente responsável por fiscalizar e autuar crimes ambientais.

Historicamente, a quantidade de multas efetivamente quitadas é ínfima. Representação enviada em março de 2019 por congressistas à então procuradora Raquel Dodge com base em dados do próprio Ibama mostra que apenas 3,4% das autuações acima de R$ 50 mil haviam sido pagas de 2000 a 2018.

Mesmo assim, a finalidade da multa não é recolher dinheiro —20% do valor vai para o Fundo Nacional do Meio Ambiente e o restante para a União—, diz Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

Segundo Araújo, o objetivo é que seja uma ação coercitiva contra possíveis crimes.

Membros do Ibama que preferiram não se identificar e especialistas veem no freio das aplicações de autuações ambientais um alinhamento com o discurso de Bolsonaro. Sem apresentar provas, o presidente já criticou o que chama de indústria de multas no país.

A antipatia de Bolsonaro por multas ambientais e pelo Ibama vem desde, pelo menos, 2012, quando o então deputado federal, foi multado após ser flagrado pescando ilegalmente em Angra dos Reis (RJ).

A autuação foi anulada pelo Ibama em dezembro de 2018, logo após Bolsonaro ser eleito presidente.

No ano passado, ele gravou um vídeo em que desautorizava uma operação do Ibama contra roubo de madeira dentro da Flona (Floresta Nacional) do Jamari (RO).

O presidente afirmou que conversou sobre o assunto com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o qual, segundo Bolsonaro, havia mandado abrir um processo administrativo para a apurar o responsável pela ação.

“Não é para queimar nada, maquinário, trator, seja o que for, não é esse procedimento, não é essa a nossa orientação”, disse o presidente.

Em novembro, ele afirmou que o desmatamento e as queimadas eram culturais e  que o governo poderia liberar a exportação de troncos de árvores nativas da Amazônia, o que hoje é ilegal.

A retórica agressiva atrapalha, diz Araújo, ex-presidente do Ibama, que avalia que a narrativa antifiscalização de Bolsonaro coloca em risco agentes que vão a campo e, por isso, acaba por desmotivá-los.

“Estão recebendo os fiscais de forma muitas vezes conflituosa. As operações são cada vez mais complexas. Tem áreas em que os fiscais não tinham problemas maiores de conflitos, de ser recebido a tiro, por exemplo. Hoje eles têm”, diz Araújo.

Esse receio é alimentado por um isolamento a que o Ibama tem sido submetido, afirma André Lima, coordenador do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade).

“Antes, o Ibama era um dos agentes numa coordenação de ações, com a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Exército, que davam apoio nas ações em áreas mais remotas”, diz. “Hoje, o Ibama vai para dentro de uma floresta nacional sem o acompanhamento da PF e do Exército, o pessoal taca fogo, prende. Os fiscais correm risco de morrer.”

A queda nas multas é influenciada ainda por um menor número de agentes, menos tempo de operações em campo e dificuldades ou falta de aplicação de instrumentos de fiscalização, segundo agentes ouvidos pela Folha.

Isso ocorre em um contexto de enxugamento do orçamento do Ibama, o que tem impacto direto nas ações de fiscalização. No ano passado, apesar do aumento real (após desconto de inflação) de 6,2% no valor empenhado em ações do instituto, o valor liquidado —quando o governo reconhece uma dívida porque um serviço foi prestado ou uma ação, realizada— registrou queda real de 7,7%.

A aplicação de multas, segundo especialistas, nunca foi a única medida adotada para coibir infrações ambientais. A partir da fiscalização, o Ibama embarga imóveis em que há desmatamentos ilegais.

Quem está na lista de embargo tem o acesso a crédito bancário vedado, principalmente no Banco do Brasil, que se destaca na concessão de empréstimos rurais.

“Na crise política, toda essa concertação, que vinha funcionando muito bem, foi se esgarçando no governo [Michel] Temer [MDB], mas não foi desmontada, desmanchada. Ela foi desmontada a partir de 1º de janeiro de 2019”, diz Lima, em referência à data de posse de Bolsonaro.

Agentes do Ibama ouvidos pela Folha afirmam ainda que há problemas para registrar multas aplicadas. Isso pode fazer com que a quantidade nominal de autuações no sistema seja menor do que a quantia real. A Folha mostrou, em janeiro, que uma pane impedia o registro de milhares de autuações feitas pelo órgão.

Especialistas culpam Salles pelo desmonte. Ele endossou o discurso de Bolsonaro de que as críticas internacionais ao aumento do desmatamento feriam a soberania brasileira e entrou em atrito com Noruega e Alemanha, doadores do bilionário e atualmente paralisado Fundo Amazônia, que cobravam do Brasil mais ações de proteção ambiental.

“Nos primeiros seis meses a gente esperava para ver [ele] se teria atitude. Não teve, mas teve negligência, imperícia e imprudência”, diz Lima.

A perspectiva é que o número de multas aplicadas continue caindo.

Em abril de 2019, Bolsonaro editou um decreto que cria uma câmara de conciliação ambiental com poderes para analisar, reduzir o valor e até anular multas aplicadas pelo Ibama.

No Ibama, quatro superintendências ainda estão sem chefe.

A demora de Salles em preencher cargos de chefias regionais no Ibama também é criticada. Agentes ouvidos pela Folha também afirmam que há falta de liderança e qualificação em outras chefias que foram ocupadas.

As superintendências regionais são responsáveis por comandar o Ibama nos estados e no Distrito Federal.

Em fevereiro, um mês depois de assumir o cargo, Salles exonerou 21 dos 27 gestores, a maior exoneração coletiva no órgão em 30 anos. Seis meses depois, 19 postos continuavam sem comando.

O ministro, então, começou a preenchê-los. No Ceará, teve que revogar a nomeação do coronel Ricardo Célio Chagas Bezerra após vir a público que ele era dono de fazenda de exploração de madeira.

Ainda assim, de acordo com levantamento da Folha, o órgão tem quatro superintendências sem comando: Amapá, Distrito Federal, Pernambuco e Sergipe. Além disso, quase 50 cargos de chefia ou substitutos estão vagos.

“Está realmente uma situação caótica de total descontrole e desmando da agenda ambiental. Sem recursos, apoio, estrutura e com um chefe do governo federal como o atual. Os técnicos não fazem milagre”, diz Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

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