Manifestações foram registradas no país pedindo o fim da quarentena. Doria chama empresários de “irresponsáveis”
Igor Carvalho
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
Além da fortuna, Abílio Diniz, Luciano Hang, Roberto Justus e Junior Durski possuem outra coisa em comum: em nome de seus lucros, todos desprezam a ciência e as estatísticas que mostram que o coronavírus já infectou mais de meio milhão de pessoas e causou 27 mil mortes no mundo. A despeito dos números alarmantes, os ricos brasileiros convocam a população para sair às ruas.
Nos últimos dias, empresários se uniram nas redes sociais para alavancar o discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que se isola da ciência mundial e dos principais líderes mundiais, pedindo que apenas as pessoas do grupo de risco, idosos e doentes crônicos, se mantenham em quarentena. É o chamado “isolamento vertical.”
Ato contínuo, há notícias de diversas carreatas pelo país, nesta sexta-feira (27), apoiando Jair Bolsonaro e pedindo o fim do isolamento social e a volta ao trabalho. Ironicamente, na maioria dos casos os manifestantes não quiseram caminhar, evitando o contato entre eles, e ficaram em seus veículos, buzinando.
Embora não tenham ocorrido em grande quantidade, as manifestações preocupam especialistas, que seguem recomendando o isolamento. Wladimir Queiroz, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor do Centro Universitário Lusíadas (Unilus), alerta para os riscos do isolamento vertical e o retorno às atividades da população.
“Realmente vamos ter uma situação parecida com a Itália, onde as pessoas não estão morrendo nas portas de hospitais, estão morrendo em casa, porque as ambulâncias estão servindo de quartos para os pacientes que não encontram vaga nos hospitais. Esse é o medo”, explica Queiroz.
Eleonora Dorsi, médica epidemiologista e professora do departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que afrouxar a quarentena, neste momento, nos fará trilhar o mesmo caminho da Itália, um dos países mais afetados pelo Coronavírus.
“Eu penso que o isolamento vertical e um erro, estamos em um momento da epidemia de covid-19 em que a curva está em ascensão, o número de casos está crescendo e esperamos um aumento bastante importante nos próximos dias. Com o aumento, aumentará o número de pessoas que precisarão de internação e também os óbitos. A única forma desses casos acontecerem de forma mais lenta, é o isolamento social, o máximo possível”, explica Dorsi.
Eu penso que o isolamento vertical e um erro, estamos em um momento da epidemia de covid-19 em que a curva está em ascensão, o número de casos está crescendo e esperamos um aumento bastante importante nos próximos dias.
“Irresponsáveis”
As carreatas vistas em alguns pontos do país apoiam o “isolamento vertical” de Bolsonaro, mas também são uma repercussão da lamentação de empresários nas redes sociais, preocupados com seus lucros.
Junior Durski, dono de uma rede de hamburgueria, lamentou que o país pare por “5.000 ou 7.000 mil pessoas que vão morrer” por coronavírus. “O Brasil não pode parar dessa maneira. O Brasil não aguenta. Tem que ter trabalho. As pessoas têm que produzir, têm que trabalhar. O Brasil não tem essa condição de ficar parado assim, as consequências que nós vamos ter economicamente, no futuro, serão muito maiores do que as pessoas que vão morrer agora com coronavírus.”
Mais ao sul, em Santa Catarina, um dos mais fieis seguidores de Bolsonaro, Luciano Hang, proprietário de uma rede de varejo, lamentou a perda de dinheiro. “Dizem que o pico talvez da nossa doença seja no mês de maio. Nós estamos no mês de março. Você já imaginou se o Brasil começar a parar agora, no mês de março, abril, maio e vamos dizer que continue, junho. Vai ser a tragédia do século. Nós podemos causar nesse país um caos econômico muito maior a epidemia de coronavírus”, completou.
Vai ser a tragédia do século. Nós podemos causar nesse país um caos econômico muito maior a epidemia de coronavírus
Responsável pelo discurso que mais viralizou, o empresário Roberto Justus não disfarçou o alinhamento com o discurso do presidente Bolsonaro e foi criticado em suas próprias redes sociais. “No Brasil, nós temos aqui poucos casos ainda e temos, infelizmente, 25 mortos, mas 25 mortos para 210 milhões de habitantes, de novo, é um número muito baixo. O que eu quero dizer com isso? Eu quero dizer que nós estamos dando um tiro de canhão para matar um pássaro. Nós estamos exagerando na dose”, afirmou.
Menos conhecido, Alexandre Guerra, fundador de uma rede de restaurantes, tentou intimidar seus empregados, com um vídeo publicado em suas redes sociais. “Você que é funcionário, que talvez esteja em casa numa boa, numa tranquilidade, curtindo um pouco esse home office, esse descanso forçado, você já se deu conta de que, ao invés de estar com medo de pegar esse vírus, você deveria também estar com medo de perder o emprego? Será que sua empresa tem condições de segurar o seu salário por 60, 90 dias? Você já pensou nisso?”
Nesta sexta-feira (27), o governador João Doria Jr, empresário e um dos articuladores do Grupo Líderes Empresariais (LIDE), criticou o “isolamento vertical” proposto por Jair Bolsonaro. “Não é racional, fazer política com a saúde e a vida das pessoas. É racional sim, ter atitudes corretas, honestas, humanitárias e solidárias. Hoje, mais de 50 países estão em quarentena, lutando contra uma pandemia, quase a metade do planeta está recolhida em casa. O mundo inteiro está errado e o único certo é o presidente Jair Bolsonaro? O mundo está errado e um dirigente está certo? Reflitam sobre isso.”
Edição: Rodrigo Chagas