Estudo indica que país pode ser um dos que mais tem casos no mundo. Sem testes, dados oficiais estão longe da realidade
Nara Lacerda
Brasil de Fato
Os números de pessoas infectadas pelo coronavírus no Brasil podem ser 15 vezes maiores que os dados apresentados pelo Ministério da Saúde. De acordo com análise publicada pelo portal Covid-19 Brasil, com as subnotificações as informações oficiais estão longe de representar a realidade. Atualmente, mais de 300 mil brasileiros podem ter o vírus no país.
A página é uma iniciativa de pesquisadores de algumas das mais importantes universidades brasileiras. Nota assinada pelo pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Rodrigo Gaete estima que a subnotificação está acima de 90%. O estudo faz um ajuste na curva de casos considerando o registro de óbitos como o mais consolidado do país. Mas a nota ressalta que também há relatos de subnotificação de mortes pela covid-19 (Leia a nota na integra aqui.)
“Considerando a quantidade de 1.124 óbitos no dia 11/04/2020, temos o valor ajustado estimado de população infectada, de 10 dias antes, do dia 01/04/2020 de 104.368 pessoas, comparado aos 6.836 casos notificados tínhamos um percentual de 93,45% de subnotificação. Ao projetar o número de óbitos para o dia 21/04/2020, obtemos o valor projetado estimado de população infectada do dia 11/04/2020 de 312.288.”
Entre as 15 nações que mais apresentam casos de coronavírus no mundo, o Brasil ocupa hoje a 14ª posição. Se as projeções da pesquisa estiverem certas, no entanto, o país passa a ser o segundo com mais infectados, atrás apenas dos Estados Unidos. Atualmente são testados apenas os casos com sintomas graves, os que evoluem para óbito e suspeitas entre profissionais da saúde.
Passaporte imunológico
O portal Covid-19 Brasil publicou também uma análise da proposta de criação de um passaporte imunológico, que liberaria para circulação pessoas que estão comprovadamente imunizadas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, falou sobre a ideia no início do mês para um grupo de empresários varejistas.
Assinado pela infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luana Araújo, o artigo afirma que a solução é inviável do ponto de vista técnico. “Tal adoção seria uma aposta baseada muito mais em um ato de fé, em que todas as nossas assunções nos favorecem, que em um ato de ciência em si.”
A médica ressalta que o isolamento social e a quarentena impactam a economia de todas as nações, em especial as que estão abaixo da linha do desenvolvimento.
“Esta tem se mostrado uma luta desigual, em que o vírus tem esbanjado toda a sua agilidade e competência frente a máquinas estatais e sistemas de saúde cronicamente mal financiados, mal geridos e mal preparados para desafios deste calibre.”
Segundo Luana, o Brasil é um dos que tem encontrado dificuldades em implementar as medidas. Ela cita as dificuldades de se criar um consenso entre ciência e política, interpretações técnicas equivocadas e o analfabetismo científico disseminado como causas para o cenário.
A médica afirma que a ideia de um passaporte imunológico só parece uma boa em teoria. Na prática, esbarra no fato de que os testes mais usados no Brasil podem dar falso negativo em 40% dos casos assintomáticos, mas também em outras questões técnicas, além do desconhecimento sobre o próprio vírus.
“Para uma doença de transmissibilidade tão elevada esta é uma margem perigosíssima. Se o utilizássemos para o tal passaporte imunológico como prova de infecção, 4 a cada 10 indivíduos assintomáticos voltariam à sociedade prontos para disseminar uma doença de altíssima transmissibilidade. O objetivo do Ministro não seria alcançado, e enfrentaríamos uma nova onda da pandemia.”
Edição: Rodrigo Chagas