Manutenção do Enem durante a pandemia coloca Brasil na contramão da tendência mundial

Manutenção do Enem durante a pandemia coloca Brasil na contramão da tendência mundial

Diante do coronavírus, maioria dos países adiou exames de acesso à universidade.

Na FSP

A insistência do governo Jair Bolsonaro em manter as datas do Enem, apesar da pandemia de coronavírus e do fechamento de escolas, vai na contramão do ocorre no mundo.

A maioria dos países adiou exames de acesso à universidade, como é o caso do Enem. Só 5 países, entre 19 com provas similares, mantiveram o cronograma, segundo levantamento do Instituto Unibanco com nações de todos os continentes.

A preocupação com a manutenção do Enem envolve o risco de agravamento das desigualdades educacionais. Todas as redes estaduais de ensino, que concentram mais de 80% dos alunos de ensino médio no país, interromperam aulas. Como estudantes mais pobres enfrentam maiores dificuldades para estudar com as escolas fechadas, terão menores chances no Enem.

O Enem é a principal porta de entrada para o ensino superior no país. A aplicação em papel está prevista para os dias 1º e 8 de novembro, e as provas digitais, para 22 e 29 de novembro. Com datas mantidas, as inscrições serão abertas na segunda-feira (11) e vão até 22 de maio.

De 19 países com exames de acesso à universidade, similares ao Enem, 10 já adiaram ou cancelaram suas provas: China, Estados Unidos, Espanha, Irlanda, Malásia, Polônia, Rússia, Singapura, Gana e Colômbia (para partes das escolas, na região norte). A prova foi substituída por outra forma de avaliação na França e Reino Unido, e a situação segue indefinida na Finlândia e Itália.

Apesar de cada país ter calendário escolar e panorama da doença diversos, a perda de aulas por causa do fechamento de escolas —e o prejuízo dos alunos— está no centro das preocupações da maioria dos países.

Os Estados Unidos, por exemplo, mudaram o cronograma do SAT (sigla em inglês para teste de aptidão escolar), e algumas universidades já retiraram a exigência do exame. Na China, o Gaokao —maior exame de admissão do mundo— foi adiado por um mês e será realizado em julho.

É a primeira vez desde 1977 que essa prova é adiada nacionalmente. Já a decisão para uma nova data do exame russo só será tomada após o fim do recesso escolar de maio.

Alemanha, Japão e Colômbia (para parte das escolas, do sul do país) mantiveram as provas. Também houve manutenção no Chile e no Egito, mas os exames nesses países terão adaptações para exigir apenas conteúdos de anos anteriores ou já abordados antes do fechamento da escola.

Por aqui, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, contraria sugestões de secretários de Educação pelo adiamento e tem politizado o tema.

O superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, afirma que a perda de aulas tem maior impacto para estudantes mais pobres, mas impacta também todos os estudantes.

“A programação da vida escolar, de estudos, tem como ápice esse momento, que agora está desestruturado em termos objetivos [de aprendizado] e subjetivos [emocional]. E a capacidade de compensar esse choque é muito menor na população mais vulnerável”, diz.

Henrique ressalta que manter o Enem não é uma decisão isolada do MEC, mas mantém coerência com “certa síndrome do negacionismo que assola o governo como um todo”. O presidente Bolsonaro tem minimizado os efeitos da pandemia, a quantidade de mortes, e defende o relaxamento da quarentena e volta das aulas.

O MEC abriu mão, segundo Henriques, da capacidade e obrigação de articulação com universidades e redes de educação básica para que houvesse, por exemplo, um novo arranjo de calendários ou outras formas de ingresso no ensino superior.

“Por incompetência da gestão da crise, só estudantes estão pagando”, diz.

Weintraub tem se esforçado, em postagens pelas redes sociais, em dar cores ideológicas para a pressão pelo adiamento do Enem. “Políticos de esquerda querem ‘adiar’ o Enem, que será lá em novembro. Adiar para março? abril? Na prática, perde-se o ano”, escreveu ele em 4 de maio em sua conta no Twitter.

Em reunião com senadores na última terça-feira (5), o ministro disse não ver motivos para alterar a data da prova e afirmou que o exame não foi feito para corrigir injustiças.

O Consed (órgão que representa os secretários estaduais de Educação) têm insistido com a revisão do cronograma do exame. O CNE (Conselho Nacional de Educação) sugeriu em parecer que a definição de cronogramas de avaliações considere a interrupção de aulas.

A Justiça de São Paulo chegou a determinar adiamento, mas a decisão foi revertida. O TCU (Tribunal de Contas da União) também analisa o tema.

Há na Câmara projeto de decreto legislativo para suspender o edital do Enem. “A pandemia já aprofunda o fosso da desigualdade educacional, e o MEC vive uma alienação profunda e se nega a aceitar essa realidade”, diz o deputado Israel Batista (PV-DF), secretário-geral da Frente Parlamentar Mista de Educação.

O deputado e outros coautores buscam assinaturas para dar urgência ao projeto, mas a aproximação de Bolsonaro com partidos do centrão tem sido um obstáculo. “Essa não é uma questão partidária”, diz ele.

O MEC foi procurado pela reportagem mas não respondeu aos questionamentos.

O levantamento do Instituto Unibanco ainda mostra que, de 27 países analisados, 14 alteraram as datas, cancelaram ou substituíram exames regulares ou provas de conclusão de ensino fundamental ou médio.

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