Sigo a dormir tarde e acordar cedo, mas agora ando falando com os passarinhos.
Estreitei muito a conversa de miolo de pote com as pipiras, sabiás e um que não sei a espécie, elegantíssimo, a quem dei o apelido de cigano.
Não sei assoviar, por isso os chamo espremendo os beiços como quem manda beijo.
O bem-te-vi, bem vejo o quanto é alegre!
O sabiá, ah, sabiá… esse sabe assoviar.
O sanhaço-cinzento de corpo atlético não gosta muito de se misturar.
O mamão servido todas as manhãs, ele gosta de beliscar sozinho.
Não tenho muita planta metida a besta no meu jardim.
Tenho a sombra de uma árvore imensa do quintal do vizinho, mas os passarinhos vêm comer na minha janela da cozinha numa primavera tropical que vestia o pergolado que caiu.
O Ernande Segismundo colocou uma tábua e uma vasilha que serve de piscina à orquestra sinfônica que não cobra nada pelo espetáculo matinal.
Falo cada coisa com os passarinhos…
Falo de tudo!
Eles sabem que não sei fazer pudim, que odeio manteiga gelada e o quanto praguejo arrivistas.
Enquanto passo o café, a conversa rola.
É um cante lá, que eu canto cá, todo santo dia, como Patativa dizia.
Eles com o gozo deles e eu com meu padecê.
Eles lá sabem o que é cloroquina pra ter que engolir sem a ciência atestar?
Pode duvidar, mas estou treinando e ainda vou escutar os passarinhos a cantar : Bolsonaro vai passar… Bolsonaro vai passar… 🎶