Fundos que administram US$ 4,1 tri em ativos pressionam Brasil a combater desmatamento

Fundos que administram US$ 4,1 tri em ativos pressionam Brasil a combater desmatamento

29 gestores enviam carta a embaixadas do Brasil para alertar sob problema, e membros do Parlamento Europeu procuram Maia.

Ana Estela de Sousa PintoArthur Cagliari, na FSP

aumento do desmatamentofez subir o tom de empresas, políticos e entidades, principalmente da Europa, sobre o que consideram um descompromisso do governo brasileiro com a proteção ambiental.

Nas últimas duas semanas, ao menos três ações foram patrocinadas por representantes desses setores, usando como forma de pressão a retirada de investimentos ou a criação de obstáculos para aprovar o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.

Na noite desta segunda-feira (22), 29 fundos de investimento e pensão, que juntos administram aproximadamente US$ 4,1 trilhões (R$ 21,6 trilhões), enviaram carta aberta a sete embaixadas brasileiras na Europa e no Japão e nos Estados Unidos pedindo uma reunião para discutir o desmatamento na Amazônia.

Na última quinta-feira (18), 29 deputados do Parlamento Europeu mandaram carta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dizendo-se preocupados com uma escalada de medidas com potencial de pôr em risco o ambiente no Brasil.

Os eurodeputados são membros não apenas da comissão de ambiente, mas dos comitês que tratam de agricultura e comércio exterior, no qual têm sido discutidas novas regras para acordos comerciais como o que foi negociado com o Mercosul.

O tratado, que está em fase de revisão legal, foi o alvo da terceira iniciativa recente movida por preocupações ambientais, uma queixa de cinco entidades apresentada à ombudsman da União Europeia na última segunda (15).

ClientEarth, Fern, Veblen Institute, FIDH e Fondation pour la Nature et l’Homme pedem que a ratificação seja suspensa até que haja uma discussão mais aprofundada sobre o impacto ambiental, social e econômico do acordo.

Embora nenhuma das três manifestações tenham efeito prático imediato, elas refletem a pressão frequente de consumidores, eleitores e entidades reguladoras europeias, que afetam tanto empresas quanto fundos de investimento e políticos.

No caso dos administradores de recursos financeiros, seus estatutos têm nos últimos dois anos incorporado restrições cada vez maiores a inviestimento em empresas ou atividades que possam estar ligadas a desmatamento (ou outros danos ambientais) ou desrespeito a direitos humanos.

As novas diretrizes, conhecidas como ESG (de ambiente, ação social e governança, na sigla em inglês), tornaram-se a principal bandeira do Fórum Econômco Mundial, que reúne líderes de países e corporações globais.

Na carta enviada às embaixadas da Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, França, Holanda, Japão e Estados Unidos, os fundos também dizem que títulos soberanos brasileiros podem se tornar de alto risco se não houver reversão no que veem como escalada de desproteção do ambiente.

“Como instituições financeiras, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de longo prazo de nossos beneficiários, nós reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, protegendo a biodiversidade e garantindo serviços ecossistêmicos.”

O texto diz reconhecer que o Brasil tem “bom histórico de combate ao desmatamento” e “condições favoráveis para negócios e investimentos”, mas afirma que medidas recentes “estão criando uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou para a prestação de serviços financeiros”.

No caso dos eurodeputados, o Parlamento Europeu é uma das instâncias que precisam aprovar o acordo de livre-comércio para que ele possa vigorar, além do Conselho Europeu e dos parlamentos nacionais e regionais.

“Nós acreditamos firmemente que o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental não são mutuamente exclusivos”, afirma a carta enviada a Rodrigo Maia.

O texto, além de citar o vídeo da reunião ministerial em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fala em “passar a boiada” durante a pandemia de coronavírus, menciona legislações específicas que, segundo os europedutados, podem ser prejudiciais.

Entre elas estão a que introduz novas regras para posse de terra (PL nº 2.633/20), a que pode alterar o sistema de licenciamento ambiental (PL nª 3.729 / 2004) e a que trata de pesquisa e extração de recursos em terras indígenas (PL nº 191/2020).

Os eurodeputados pedem que os parlamentares brasileiros “ajam para manter e restaurar as leis e a
estrutura necessária para proteger as florestas brasileiras e os direitos dos povos indígenas”.

A carta dos fundos também mostra preocupação com a lei que facilita a regularização fundiária no país, que, segundo eles, “comprometeria a sobrevivência da Amazônia e o cumprimento das metas da mudança climática do Acordo de Paris e os direitos das comunidades indígenas e tradicionais”.

Mathilde Dupré, codiretora do Instituto Veblen, um dos que entrou com o pedido de suspensão na ombudsman da UE, afirma que há deficiências na avaliação de impacto do acordo com o Mercosul em relação a sustentabilidade, que são “motivo de preocupação para muitas partes interessadas”.

Segundo o escritório da ombudsman da UE, o departamento agora vai avaliar se essa é uma questão que envolve a forma de atuação da Comissão, o que a levaria a aceitar a queixa e abrir uma investigação. A decisão deve sair até o final de julho.

Segundo o fundo norueguês Storebrand, que liderou o grupo de entidades financeiras, há exemplos recentes de empresas que tiveram danos financeiros pelo envolvimento no desmatamento.

“A empresa brasileira de frigoríficos JBS perdeu muitos clientes internacionais devido a preocupações de ONGs de que estava fornecendo gado de áreas desmatadas ilegalmente. Da mesma forma, a empresa de óleo de palma IOI Group foi suspensa da Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO) em 2016 devido ao desmatamento, e o preço de suas ações caiu 18%”, afirma o fundo.

O também norueguês KLP disponibiliza em seu site uma lista suja de 368 empresas que estão banidas dos seus investimentos por violarem diretrizes sobre meio ambiente e direitos humanos, seja por questões ambientais, de direitos humanos e de corrupcão ou até mesmo por venda de bebida alcóolica e fumo. Na lista é possível encontrar companhias brasileiras como Ambev, JBS, Eletrobras, Petrobras e Vale.

Em setembro do ano passado, 230 fundos já haviam se manifestado sobre a necessidade do Brasil adotar medidas eficazes para proteger a floresta amazônica contra o desmatamento e as queimadas.


Leia a integra da carta:

Carta aberta de instituições financeiras pelo fim do desmatamento no Brasil

É com grande preocupação que acompanhamos a tendência do crescente desmatamento no Brasil. Como instituições financeiras, temos o dever fiduciário de agir nos melhores interesses de nossos beneficiários no longo prazo, e reconhecemos o papel crucial que a floresta tropical desempenha no combate à mudança do clima, proteção à biodiversidade e preservação de ecossistemas.

O Brasil tem um bom histórico de combate ao desmatamento e de, ao mesmo tempo, oferecer condições favoráveis aos negócios e ao investimento. No entanto, a escalada do desmatamento nos últimos anos, combinada com a notícias sobre o desmantelamento de políticas e agências de proteção ao meio ambiente e aos direitos humanos, estão criando incerteza generalizada sobre as condições para investir ou oferecer serviços financeiros no Brasil.

Estamos profundamente preocupados com a Medida Provisória 910 (agora alterada para PL 2633/2020), que foi submetida ao Congresso brasileiro para votação e que legalizaria ocupações privadas de terras públicas, uma prática em geral concentrada na Amazônia. Caso a medida seja aprovada, ela encorajaria novas ocupações ilegais de terras públicas e desmatamento generalizado, que colocariam em risco a sobrevivência da Amazônia, o cumprimento das metas do Acordo de Paris sobre o clima e solapariam os direitos das comunidades indígenas e tradicionais.

Declarações recentes do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que usou a crise da Covid-19 a fim pressionar pela desregulamentação ambiental, e as controvertidas propostas legislativas para legalizar a ocupação de terras e florestas públicas, para abrir territórios indígenas à mineração, e para reduzir as exigências de licenciamento ambiental, são apenas alguns dos exemplos reportados pela mídia sobre a ameaça da desregulamentação das políticas de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos no Brasil.

Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento e a violação dos direitos dos povos indígenas pode ter sobre os nossos clientes e sobre as companhias em que investimos, ao potencialmente aumentar os riscos operacionais, regulatórios e para a reputação. Tendo em vista o ritmo crescente de desmatamento no Brasil, a possibilidade de que as empresas expostas ao potencial desmatamento, seja em suas operações brasileiras e em suas cadeias de suprimento, enfrentem dificuldades crescentes de acesso aos mercados internacionais nos preocupa. Os títulos de dívida pública brasileiros também podem ser considerados papéis de alto risco, caso o desmatamento continue.

Queremos continuar a investir no Brasil e ajudar a mostrar que desenvolvimento econômico e proteção ao meio ambiente não são mutuamente excludentes. Portanto, instamos o governo do Brasil a demonstrar um compromisso claro para com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas.

A maioria dos investidores abaixo assinados é integrante da Investor Initiative for Sustainable Forests, uma iniciativa PRI6 [Principles for Responsible Investment] operada em cooperação com a Ceres, que engaja companhias expostas ao desmatamento na produção de soja e gado e ao mesmo tempo trata de outras questões ambientais, sociais e de governança [ESG, na sigla em inglês]. Como instituições financeiras, vemos o desmatamento e os impactos associados sobre a biodiversidade e mudança do clima como risco sistêmico para os nossos portfólios.

A maioria dos signatários desta carta também aderiu a um apelo por ação empresarial contra o desmatamento, diante dos incêndios devastadores na Amazônia no ano passado, representando 251 instituições financeiras com mais de US$ 17 trilhões sob administração.Embora apelemos às empresas que ajam, consideramos igualmente importante que o ambiente regulatório encoraje práticas empresariais sustentáveis. Políticas robustas para a redução do desmatamento e a proteção aos direitos humanos são soluções essenciais para administrar esses riscos e contribuir para mercados financeiros mais eficientes e mais sustentáveis em longo prazo.

Dada a seriedade do assunto, gostaríamos de solicitar uma conversa em vídeo com o senhor ou um representante designado pelo senhor, e contataremos a embaixada para marcar um horário.
Com protestos de nossa mais elevada consideração,

1. Storebrand Asset Management
2. KLP
3. Gjensidige
4. Sparebank 1 Forsikring
5. MP Pension
6. Nordea Asset Management
7. AP Pension
8. SEB Investment Management
9. AP2 Second Swedish National Pension Fund
10. AP4 Fourth Swedish National Pension Fund
11. Handelsbanken Asset Management
12. Robeco
13. ACTIAM
14. NN Investment Partners
15. A.s.r.
16. Church Commissioners for England
17. LGPS Central
18. Legal and General Investment Management
19. Brunel Pension Partnership
20. Border to Coast Pensions Partnership
21. BlueBay Asset Management
22. Surrey Pension Fund
23. Northern LGPS
24. Comgest
25. Indep’AM
26. Domini Impact Investment
27. Pax World Funds
28. Sumitomo Mitsui Trust Asset Management
29. Fram Capital

Tradução Paulo Migliacci

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