A pandemia de Covid-19 expôs o quanto vai mal a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do estado comandada por Luana Nunes de Oliveira Santos, esposa do governador Marcos Rocha.
A sociedade civil organizada e o Conselho Estadual de Assistência Social cobram do governo o comprometimento da gestão e a participação popular, dois pilares das políticas públicas para promover os direitos socioassistenciais de vulneráveis por meio do Sistema Único de Assistência Social, o SUAS.
Com a Constituição Federal formou-se o tripé saúde, assistência social e previdência. Está em seu artigo 203 o dever de proteção à família, da maternidade à velhice.
A assistência social virou um direito a todos e todas, tendo ou não contribuído à seguridade social.
São conquistas históricas a proteção à família, maternidade, infância, adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não poder se sustentar.
No artigo 204, o legislador incluiu a participação popular como meio essencial à formulação das políticas e controle das ações em todas as esferas de governo.
A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) regulamentou o disposto nesses dois artigos da Constituição Federal, estabelecendo princípios, diretrizes, organização e gestão, prestações e financiamento da Assistência Social.
Com a LOAS sobrevieram o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) e os parâmetros de atuação dos Conselhos, colegiados com representantes do poder público e da sociedade civil.
O estado precisa ter Plano, Conselho e Fundo para receber e utilizar recursos de programas sociais.
Para que toda essa rede de proteção aos vulneráveis se integre e se mostre eficaz, pressupostos jurídicos não podem relativizados e muito menos violados.
É de corromper dispositivos legais com Lei Complementar e Decreto que comprometem o bom funcionamento da rede que entidades não governamentais e conselheiros acusam o governo do estado.
CEAS menor e mais fraco
Em dezembro de 2019 o governador Marcos Rocha sancionou a Lei Complementar nº 1.052 que altera e acrescenta artigos à Lei 145/95 que criou o Conselho Estadual de Assistência Social. Um retrocesso que compromete o caráter descentralizado e participativo na articulação das políticas públicas.
O golpe fatal veio em março de 2020 com a regulamentação do Conselho a partir do Decreto 24.903.
A junção da lei com o decreto reduz a importância dos Conselhos, pois altera forma e finalidade.
Em denúncia encaminhada ao Ministério Público do Estado, a quem cabe zelar pelo efetivo respeito aos direitos estabelecidos na Lei 145/95, o CEAS pede a revogação dos artigos 21 § 2º, 35 e 36 da Lei 1.052 aprovada em dezembro de 2019 e que não foi apreciada e aprovada pelos conselheiros.
De acordo com as denúncias as mudanças e acréscimos ferem princípio constitucional, a LOAS e o Fundo de Assistência Social.
Na Lei 1.052, o Art. 21 § 2, desvincula as deliberações do Conselho das decisões do Órgão Gestor da Política Estadual de Assistência Social e o Art. 35 foi modificado para que o governador indique todos os membros.
Art. 35. O artigo 4°; o parágrafo único do artigo 5°; e o artigo 7° da Lei Complementar n° 145, de 27 de dezembro de 1995, que “Cria o Conselho Estadual de Assistência Social, o Fundo Estadual de Assistência Social, e dá outras providências”, passam a vigorar conforme segue: “Art. 4º O Conselho Estadual de Assistência Social – CEAS, será composto por 6 (seis) membros titulares e respectivos suplentes, sem filiação partidária, indicados por ato próprio do Governador do Estado, com representação paritária de Órgãos Governamentais e Organizações não Governamentais, para mandato de 2 (dois) anos, permitida 1 (uma) recondução.
Confira as Leis:
Lei 14595 https://sapl.al.ro.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/1995/278/278_texto_integral.pdf
Lei Complementar 1052/19
http://ditel.casacivil.ro.gov.br/COTEL/Livros/Files/LC1052.pdf
No Decreto, o Art. 2º reduz o Conselho de 18 membros titulares para 6 e nenhum pode ter filiação partidária.
O Art. 3º § 2º proíbe a indicação de representantes que já componham conselhos, comitês públicos ou de interesse público, com exceção dos conselhos profissionais. Na prática desarticula pessoas em rede de proteção.
O Art. 12 reforça a mudança na Lei 1.052 para que o Conselho só dê conselho e que possa ser ignorado pelo gestor da política de Assistência Social.
O Art. 35 § 6º, deixa explícito o limite da competência dos conselheiros ao mero auxílio.
A perda de voz e poder de interferência nas decisões da SEAS, não resultará em outra coisa senão em perda de direitos à coletividade.
Confira Decreto: file:///C:/Users/tecni/Downloads/Decreto_24.903_que_dispoe_sobre_o_regulamento_do_CEAS%20(1).pdf
Têm assento no atual Conselho, representantes da SEAS, SEDUC, SESAU, SESDEC, SEPOG, SEJUS, CMAS, EMATER, INSS, CRESS, CRP, OAB, PESTALOZZI, JOCUM, AABB, FEDER, SAM e FEUSUAS.
O esvaziamento vai prejudicar ainda mais a gestão da Política de Assistência Social e seu controle com a participação popular.
O edital para eleição do novo Conselho sairá após o mês de junho, data limite prevista no decreto do governo. Será menor e mais fraco em representação popular.
O mandato dos atuais membros que se estenderia até 2021 será interrompido.
Para a vice-presidente do CEAS, Marinilde Helena da Silva Santos, o momento reflete total desrespeito do governo com a política de assistência, pois a Lei o Decreto sequer foram aprovados pelo colegiado que une as vozes do poder público e da sociedade.
“O dever do estado é fortalecer o Conselho com uma postura democrática, ampliando, não restringindo a participação popular. O que teremos na prática é uma espécie de grupo técnico sem poder para interferir verdadeiramente nas ações governamentais. O governo local translada a postura do governo federal de desprezar o controle social feito por muitos para muitos, pelo bem da coletividade”, disse Marinilde que é representante do INSS no CEAS.
Secretaria utilizada como cabide de empregos
“Fazendo uma limpeza para que a nossa secretaria possa trabalhar enxuta, porque a máquina precisa trabalhar, mas ela não precisa estar inchada. Essa vai ser nossa primeira providência”.
Foi o que prometeu a esposa do governador ao tomar posse no comando da secretaria.
O que aconteceu após 18 meses foi justamente o contrário.
Uma denúncia contra Luana foi protocolada no Tribunal de Contas do Estado por excesso de cargos comissionados e com pessoas sem a qualificação técnica necessária.
O documento é assinado pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Maria dos Anjos, Arquidiocese de Porto Velho, Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, por três assistentes sociais, quatro sociólogos e um representante do Conselho de Direitos Humanos.
Dos 168 servidores na SEAS, 133 seriam comissionados, o equivalente a 79% de todo o quadro de pessoal.
Segundo a denúncia há múltiplas irregularidades na contratação por violações à norma constitucional e a precedentes do Tribunal de Contas e jurisprudências do Supremo Tribunal Federal.
O que está em jogo é o princípio da eficiência com a nomeação de pessoas sem qualificação, em detrimento de assistentes sociais e sociólogos.
A realização de um concurso público para preencher quadro da secretaria é medida que pedem em caráter de urgência.
E também:
a) A proibição de nomeação de qualquer ocupante de cargo em comissão, salvo aqueles previstos em leis próprias (como a Lei do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura) pela Secretária de Estado ou quem a substituir, sob pena de multa por cada nova contratação;
b) A determinação de célere deflagração de contratação, por concurso público, de servidores públicos, incluindo assistentes sociais e sociólogos, para a SEAS/RO, sob pena de multa pelo descumprimento;
c) substituição de todos os comissionados sem vínculo que estejam desempenhando funções discrepantes das determinadas pela Constituição Federal no seu inciso V do art. 37 por servidores/pessoas autorizados legalmente para desempenhar as atividades precípuas, com habilitação nos termos da Leis retrocitadas, devendo viabilizar tal substituição da melhor forma jurídica que se amolde às necessidades e possibilidades do órgão por realização de concurso público;
Em médio e longo prazo, pedem:
d) Regulamentação das atribuições dos cargos comissionados no âmbito da SEAS/RO, a partir de estudos e diagnósticos técnicos, incluindo com audiências públicas, observando os preceitos legais de atribuições de assistentes sociais e/ou sociólogos;
e) Provimento de cargos por concurso público na ordem de, ao menos, 50% do total de cargos da secretaria, nos termos dos precedentes da Corte de Contas;
f) Determinação de regulamentação legislativa ou administrativa acerca do percentual mínimo daqueles cargos de confiança a serem titularizados por servidores de carreira, que deverá ser, no mínimo, de 50% do número de cargos em comissão da SEAS;
Na denúncia pedem ainda o reconhecimento das irregularidades e aplicação de penalidades à Luana Rocha.
g) A responsabilização da Secretária, por eventual ato de improbidade administrativa, por nomear, manter e/ou deixar de exonerar, em desconformidade com a regra constitucional do concurso público, 133 servidores comissionados, com aplicação de multa sancionatória e reconhecimento de ato grave, nos termos do Regimento Interno do TCE/RO;
h) A responsabilização da Secretária, por eventual ato de improbidade administrativa, em decorrência do descumprimento das Leis 8.662 (Lei do Assistente Social) e 6.888 (Lei do Sociólogo), não tendo contratado profissionais com habilitação prevista em lei para as atividades-fim da SEAS/RO;
Até que as denúncias sejam analisadas só aumenta o temor de que piore o socorro do estado aos vulneráveis, aprofundando desigualdades por causa da pandemia.
O pedido de socorro do CEAS no Ministério Público completou quatro meses de espera.
O das entidades não governamentais é recente, mas não menos urgente.
“A expectativa é a de que os órgãos de fiscalização possam agir o mais rápido para garantir a plenitude da gestão e controle social da política de assistência social. Contamos com o apoio de toda a sociedade para que os direitos socioassistenciais não sejam prejudicados por inoperância e perda de participação social na formulação das políticas públicas”, disse o representante do CEAS, Carlos Henrique.
O BLO tentou ouvir a secretária Luana Rocha, mas não conseguiu até a publicação desta reportagem.