População do Brasil recuará a menos de 165 milhões até 2100, e a China será superada por Índia e Nigéria, segundo um estudo publicado na ‘The Lancet’
El País, Juan Arias
“Há 10.000 anos éramos apenas um milhão. Em 1800, faz pouco mais de 200 anos, já éramos um bilhão. Há 50, por volta de 1960, chegamos a 3,5 bilhões. Atualmente, superamos 7,5 bilhões. Em 2050, nossos filhos e os filhos dos nossos filhos viverão em um planeta habitado por no mínimo nove bilhões de pessoas. Antes do final do século atual, seremos pelo menos dez bilhões. Talvez mais.” Em seu livro Dez Bilhões, o professor Stephen Emmott, de Oxford, tentava nos advertir da realidade apocalíptica que aguardará a humanidade se alcançarmos essa formidável cifra de pessoas sobre a Terra. Mas cabe a possibilidade de que o ritmo de crescimento se freie muito antes e que nunca cheguemos a esse perigoso número.
É o que propõe um estudo publicado na revista médica The Lancet, segundo o qual o pico de população ocorrerá na década de 2060, com 9,7 bilhões. E a partir daí a humanidade irá se reduzindo lentamente, até chegar a 8,8 bilhões em 2100. A chave: a educação da mulher, que será mais generalizada e precoce, segundo os cientistas que propõem estas cifras, do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington (IHME, na sigla em inglês). “Nossas conclusões sugerem que as tendências contínuas no nível educativo feminino e o acesso à anticoncepção acelerarão a redução da fertilidade e o crescimento demográfico lento”, afirma o estudo. Mesmo países como Níger, atualmente com uma taxa de sete filhos por mulher, chegariam a um índice de natalidade semelhante ao França atual (1,8 por mulher, insuficiente para ampliar a população).
O prognóstico das Nações Unidas é de que haverá 11 bilhões de pessoas em 2100, ou mais dois bilhões a mais do que sugere o novo cálculo. “Uma redução da população mundial total na segunda metade do século é uma boa notícia para o meio ambiente mundial”, diz o artigo, e “significaria menos emissão de carbono, menos estresse para os sistemas alimentares mundiais e menos probabilidades de ultrapassar os limites do planeta”.
Esse encolhimento se deverá essencialmente a uma drástica redução da taxa de fertilidade na África Subsaariana e à rápida redução populacional prevista para a Ásia e Europa Central e Oriental. Especificamente, esses demógrafos calculam que as populações minguarão pela metade em 23 países e territórios, incluindo Espanha, Japão, Tailândia, Itália, Portugal e Coreia do Sul. Além disso, outros 34 países terão uma grande redução de habitantes, incluída a China, que passaria de 1,4 bilhão para 732 milhões de habitantes. O Brasil, hoje com aproximadamente 210 milhões de habitantes, chegaria a um pico de 235 em 2043, para então cair a 164,75 milhões no final deste século.
A África, segundo esse estudo, freará seu crescimento mais rapidamente do que a ONU previa, mas mesmo assim triplicará sua população. Isso provoca, entre outras coisas, que a Nigéria se transforme numa potência global em 2100, com quase 800 milhões de habitantes, atrás apenas da Índia (um bilhão) e à frente da China no pódio da população mundial. Entre os 10 países mais populosos do mundo no final do século haverá cinco africanos (Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia, Egito e Tanzânia), enquanto Brasil, Bangladesh, Rússia e Japão deixariam essa lista. Permanecem Indonésia e EUA, embora o caso norte-americano dependerá muito de resgatar a sua política imigratória do último século, e não a da gestão Trump. “As políticas liberais de imigração nos Estados Unidos sofreram um revés político nos últimos anos, o que ameaça seu potencial para manter o crescimento econômico e populacional”, afirma o estudo.
Essa é a chave e a principal moral da história: os países que apostarem de forma decidida na imigração como política de longo prazo sairão fortalecidos. França, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia mantêm e reforçam sua população, sua influência e seu posto na economia global nas próximas décadas, graças, em grande medida, a esse investimento em população de origem estrangeira. “Alguns países manterão suas populações através de políticas de imigração liberais e políticas sociais que amparem mais as mulheres que trabalham e alcançam o tamanho de família desejado. É provável que estes países tenham um PIB maior que outros países, com os diversos benefícios econômicos, sociais e geopolíticos de uma população ativa estável”, explica o estudo.
Segundo o artigo, os países têm quatro opções para enfrentar os problemas de natalidade: podem tentar aumentar a taxa de fertilidade criando um ambiente propício para que as mulheres tenham filhos e sigam suas carreiras; podem restringir o acesso das mulheres aos serviços de saúde reprodutiva; podem aumentar a participação na força de trabalho em idades mais avançadas; e podem promover a imigração. Os autores da pesquisa estão convictos de que haverá uma mudança de políticas em países como Japão e Hungria, que até agora se deixaram levar pelo “desejo de manter uma sociedade linguística e culturalmente homogênea”, apesar “dos riscos econômicos, fiscais e geopolíticos das populações em declínio”.
“Estes estudos servem para advertir sobre determinadas tendências, e por enquanto as políticas pró-natalidade adotadas por alguns países, como a Hungria, não resolvem em longo prazo”, explica a demógrafa Teresa Castro, do CSIC (agência pública espanhola de pesquisa científica). E observa que “para melhorar a natalidade, o que é realmente útil não são cheques de ajuda, e sim substituir o modelo de sociedade para obter políticas de emprego estável”.
“Para os países de alta renda com uma fecundidade inferior à taxa de substituição, as melhores soluções para manter os níveis populacionais atuais, o crescimento econômico e a segurança geopolítica são políticas de imigração abertas e políticas sociais que apoiem as famílias para que tenham o número desejado de filhos”, explica Christopher Murray, diretor do IHME. “Entretanto, existe um perigo muito real de que, diante da diminuição da população, alguns países possam considerar políticas que restrinjam o acesso aos serviços de saúde reprodutiva, com consequências potencialmente devastadoras. É imperativo que a liberdade e os direitos das mulheres estejam no topo da agenda de desenvolvimento de cada governo”, adverte Murray.
Castro considera “absurda” a possibilidade de que a população do seu país, a Espanha, caia pela metade, de 46 para 23 milhões de habitantes (ou 33 milhões, segundo a estimativa da ONU para o fim do milênio), e também acha “irreal” prever uma redução de fecundidade tão expressiva para países como Afeganistão, Níger e Paquistão, chegando a níveis inferiores inclusive aos observados atualmente no norte da Europa. “É provável que baixe, mas para que caia dessa forma depende do acesso das mulheres a uma verdadeira educação de qualidade e a sistemas modernos de planejamento familiar e anticoncepção”, acrescenta Castro, que também trabalhou na divisão das Nações Unidas encarregada de projetar as populações do futuro. A demógrafa aponta que talvez os autores do estudo, financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, “suponham que acontecerão as coisas que eles querem que aconteçam”. Os autores desta nova análise reconhecem uma margem de incerteza considerável para prognosticar evoluções num prazo de 80 anos, mas acreditam que é melhor que o que tínhamos até agora, porque desenvolveram novos modelos de séries temporais com maior quantidade de dados sociodemográficos, que inclusive incorporam a probabilidade de conflitos, desastres naturais e o crescimento econômico.
O futuro que esse estudo propõe é o de um planeta extraordinariamente idoso em 2100, onde os maiores de 65 anos beiram os 2,3 bilhões, em comparação com apenas 1,7 bilhão de indivíduos menores de 20 anos. Haverá o dobro de pessoas maiores de 80 anos que menores de 5 (800 milhões frente a 400). Essa mudança brutal na pirâmide demográfica afetará as relações de poder entre os países e a sua capacidade de manter a solidez de sua economia com uma força de trabalho minguante e envelhecida (à margem do que a robótica possa oferecer, algo que os autores do estudo não se atrevem a prognosticar). Por exemplo, a força de trabalho da China passará de 950 milhões para 350 milhões, e seu poderio militar será seriamente minguado ao perder 65% dos jovens entre 20 e 24 anos em comparação à sua demografia atual.
“A atual narrativa populista sobre o valor da coesão étnica para justificar os limites da migração será desafiada pela deterioração dos níveis de vida”, escreve Ibrahim Abubakar, do University College, de Londres, num artigo que acompanha o estudo. E aponta que “em última instância, se as previsões de Murray e seus colegas forem apenas meio precisas, a migração se transformará em uma necessidade para todas as nações, e não em uma opção”.
No estudo, os demógrafos também se atrevem a medir a influência da população no peso político e econômico dos países, prevendo que nações como a China e os EUA permanecerão como as maiores economias do planeta por seu PIB, acompanhados da Índia. Mas a grande perda de habitantes afetará o tamanho da economia de países como Brasil (hoje 8ª economia do mundo, que passará a ser a 13ª no final do século), Itália (de 9ª para 25ª maior economia), Espanha (de 13ª para 28ª) e Coreia do Sul (de 14ª para 20ª).
Richard Horton, diretor da The Lancet, escreveu que “esta importante pesquisa traça um futuro que devemos planejar com urgência […], oferece uma visão de mudanças radicais no poder geopolítico, desafia os mitos sobre a imigração e salienta a importância de proteger e fortalecer os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. O século XXI verá uma revolução na história de nossa civilização humana. A África e o mundo árabe darão forma ao nosso futuro, enquanto a Europa e a Ásia retrocederão em sua influência. No final do século, o mundo será multipolar, com a Índia, Nigéria, China e EUA como potências dominantes. Este será realmente um mundo novo, para o qual deveríamos estar nos preparando hoje”, diz Horton.