A essência do amor, pelo menos do amor romântico, é revelada em sua própria gramática. É comum dizer que estamos “perdidamente” apaixonados por alguém — o que pode acontecer, muitas vezes, ”à primeira vista”. Nos apaixonamos “loucamente, cegamente” pelo outro, sem qualquer avaliação cuidadosa ou racional de suas virtudes.
Na BBC
O amor romântico é avassalador, irresistível, arrebatador. Ele controla a gente, muito mais do que temos controle sobre ele. Por um lado, é um mistério; por outro, pura simplicidade — seu curso, uma vez estabelecido, previsível e inevitável; sendo sua expressão cultural praticamente homogênea ao longo do tempo e do espaço.
O impulso de atribuir suas causas precede a ciência. Basta lembrar da flecha do Cupido, das poções mágicas — o amor parece elementar.
No entanto, o amor não é facilmente dominado pela ciência. Vamos entender a razão. Os feromônios sexuais, substâncias químicas liberadas para “comunicar” a disponibilidade para o acasalamento, são frequentemente citados como os principais instrumentos de atração.
É uma ideia atraente. Mas enquanto os feromônios desempenham um papel importante na comunicação dos insetos, há muito pouca evidência de que eles sequer existam nos seres humanos.
Mas se uma substância química é capaz de enviar sinais de atração para fora do corpo, por que não dentro dele? O neuropeptídeo ocitocina, descrito de forma imprecisa como “hormônio do amor” e conhecido por seu papel na amamentação e no trabalho de parto, é o principal candidato neste quesito.
Esse hormônio foi amplamente estudado, principalmente em ratazanas da pradaria, roedores adeptos à monogamia e a demonstrações públicas de afeto, o que faz deles a cobaia ideal.
Ao se bloquear a ocitocina, o vínculo entre os casais de roedores se quebra, e as ratazanas se tornam mais contidas para expressar emoções. De modo inverso, a indução de ocitocina em espécies não-monogâmicas de ratazana diminui seu apetite por aventuras sexuais.
Nos seres humanos, porém, os efeitos são muito menos dramáticos — há apenas uma mudança sutil na preferência romântica por manter o que é familiar, em vez de buscar novidade. Portanto, a ocitocina está longe de ser essencial para amar.
É claro que, mesmo que conseguíssemos identificar tal substância, qualquer mensagem — seja química ou não — precisa de um destinatário. Onde está então a caixa de correio do amor no cérebro? E como identificamos “a pessoa certa” para nós, considerando que nenhuma molécula no cérebro é capaz de codificá-la?
Quando o amor romântico é analisado com base em imagens do cérebro, as áreas que se “iluminam” se sobrepõem àquelas que dão suporte a comportamentos de busca e recompensa e orientados por resultado.
Mas o fato de que essas partes do cérebro se “acedem” por alguma razão não nos indica se estão igualmente entusiasmadas por outra coisa completamente diferente.
E os padrões observados de amor romântico não são tão diferentes daqueles do amor materno, tampouco da paixão por um time de futebol. Sendo assim, só podemos concluir que a neurociência ainda está longe de explicar essa emoção “arrebatadora” em termos neurais.
Precisamos simplesmente de mais experimentos? Sim, geralmente essa é a resposta dos cientistas, mas isso pressupõe que o amor seja simples o suficiente para ser decifrado por uma descrição mecanicista. Cada decisão reprodutiva não pode ser simples tampouco uniforme, pois não podemos ser guiados por uma única característica, que dirá pela mesma.
Por mais que pessoas altas sejam consideradas universalmente atraentes, se a biologia nos permitisse selecionar o parceiro apenas pela altura, todos nós teríamos gigantismo a esse ponto. E se as decisões são complexas, o aparato neural que as torna possíveis também precisa ser.
Embora isso explique por que a atração romântica deve ser complexa, não explica por que se apaixonar parece ser tão instintivo e espontâneo — ao contrário do modo deliberativo que reservamos para nossas decisões mais importantes. Será que a racionalidade fria e imparcial não seria melhor?
Para entender por que não, vamos analisar o raciocínio. Desenvolvida depois dos nossos instintos, a racionalidade é necessária apenas para nos distanciar dos motivos que levam a uma decisão, para que outras pessoas possam registrá-la, entendê-la e aplicá-la independentemente de nós.
Mas não há necessidade de mais ninguém entender por que amamos alguém; na verdade, a última coisa que queremos é compartilhar com os outros a receita para alcançar nosso objeto de desejo. Da mesma forma, ao ceder o controle às práticas culturais, a evolução depositaria muita “confiança” em uma capacidade – a racionalidade coletiva – que é, em termos evolutivos, muito nova.
Também é um equívoco pensar no instinto como algo simples e inferior à racionalidade. O fato de ser tácito torna-o potencialmente mais sofisticado do que a análise racional, ativando uma variedade tão ampla de fatores que jamais seriamos capazes de manter simultaneamente em nossas mentes conscientes.
A verdade está diante dos nossos olhos: pense em como temos mais facilidade em reconhecer uma fisionomia do que em descrevê-la. Por que a identificação do amor seria diferente?
Em última instância, se os mecanismos neurais do amor fossem simples, você poderia induzi-lo com uma injeção, extirpa-lo com um bisturi. A lógica fria e dura da biologia evolutiva torna isso impossível. Se o amor não fosse complicado, nunca teríamos, de início, evoluído.
Dito isto, o amor — assim como todos os nossos pensamentos, emoções e comportamentos — depende de processos físicos no cérebro, com interações muito complexas. Mas dizer que o amor é “apenas” uma reação química do cérebro é como falar que o romance Romeu e Julieta é “apenas” uma coleção de palavras, o que não é verdade. Assim como a arte, o amor é mais do que a soma de suas partes.
Portanto, quem teve a sorte de experimentar seu caos, deve se deixar levar pelas ondas do amor. E se acabar naufragando nessa jornada, serve de consolo saber que a razão não te levaria mais longe.
*Parashkev Nachev é professor de neurologia na Universidade College London (UCL), no Reino Unido