Presença do ator transexual provocou ameaças de boicote à marca, mas, segundo analistas do mercado, também reforçou a imagem inclusiva da empresa de cosméticos
Ana Luiza de Carvalho e Talita Nascimento, O Estado de S.Paulo
A grande repercussão da campanha de Dia dos Pais da Natura nas redes sociais, incluindo muitas críticas, não atrapalhou o entusiasmo do mercado em relação à companhia. Sem fato relevante divulgado pela empresa ao mercado ou notícias relacionadas diretamente a dados operacionais da companhia, analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast apontam que os papéis foram impulsionados pela avaliação positiva do mercado em relação à nova estratégia de marketing da companhia, que incluiu um homem transexual em sua campanha de Dia dos Pais.
As ações ordinárias da fabricante de cosméticos operaram em alta durante toda a quarta-feira, 29, e terminaram o pregão com avanço de 6,73%, o maior do Ibovespa, enquanto o principal índice do mercado brasileiro subiu 1,44%.
O ator Thammy Miranda, que é pai do bebêBento Ferreira de Miranda, de seis meses, foi convidado para participar da campanha com outras personalidades midiáticas, como o ex-BBB Babu Santana, o chef de cozinha Henrique Fogaça e o músico Lucas Silveira.
Em nota enviada ao Estadão/Broadcast, a Natura afirma que a campanha de Dia dos Pais “mergulha na rotina desafiadora que todos estão vivendo durante a quarentena” e que a presença paterna é o maior presente. “A Natura celebra todas as maneiras de ser homem, livre de estereótipos e preconceitos, e acredita que essa masculinidade, quando encontra a paternidade, transforma relações”, afirmou a companhia. A empresa disse ainda que “valoriza a diversidade” em sua trajetória de mais devinte anos.
O analista da Ativa Investimentos Ilan Arbetman aponta que o mercado recebeu bem a movimentação da Natura, pois a contratação de um homem transexual está em linha com suas práticas de ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês). “A campanha dialoga muito com a força da marca e mostra que ela pode ampliar sua base de consumidores, pois o nome tem um foco muito grande em governança”, afirmou ao Estadão/Broadcast.
Essa também é a visão de Jorge Junqueira, sócio da Gauss Capital. O economista observa que há uma tendência de que o mercado invista em companhias que atuam de maneira mais forte junto à defesa de minorias.”Esse comportamento pró-sociedade está sendo cada dia mais bem-visto e o investidor tem interiorizado isso de pagar mais por empresas que têm esse comportamento”, observa.
Diversidade como geração de valor
Fábio Mariano Borges, professor do programa de Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor na ESPM, afirma que, para que as campanhas de marketing gerem impacto, é necessário que estejam alinhadas à missão e aos valores da empresa. Ele lembra que a Natura já encabeçou várias campanhas que incluem cenas como beijo lésbico, mesmo sendo ameaçada de boicote. “Essa é uma campanha que tem o DNA da Natura. Ações inclusivas geram valor, quando ligadas à biografia da empresa, não é tática ocasional”, aponta.
O acadêmico afirma ainda que, além de todo o debate gerado na sociedade e a repercussão nas redes sociais, as campanhas ecoam no próprio futuro das empresas. “Políticas inclusivas têm impacto financeiro, principalmente quando falamos de investimentos estrangeiros. É uma característica que os investidores estão atentos, e uma empresa que se valoriza de forma pertinente ao século 21, vai atravessá-lo bem”, afirma.
O analista de renda variável da Warren Igor Cavaca afirma que a busca por empresas com práticas sustentáveis vem especialmente de investidores mais jovens. “Essa geração mais nova tem essa preocupação. Eles têm menos acesso à renda variável, mas estão chegando, e cada vez mais prezam por identidade cultural”, afirmou ao Estadão/Broadcast.
Cavaca lembra que a B3 possui o Índice de Sustentabilidade e que a questão também está no radar das corretoras de investimentos. A Warren, por exemplo, criou em março o fundo Equals, com empresas que se destacam por políticas de equidade de gênero. Já o fundo Green, criado em outubro de 2019, é voltado à sustentabilidade e meio ambiente.
O analista explica que não se trata apenas de discurso e que, quando as companhias trabalham além de impactos diretos como lucratividade, dão sinais positivos ao mercado. “Empresas com boa governança têm menos exposição ao risco”, afirma.