“Esse poder que destrói a floresta ainda não aprendeu que o futuro está dentro de uma floresta em pé. É ela que traz equilíbrio climático, ambiental e econômico ao nosso planeta”. diz Almir Narayamoga Suruí, liderança do povo Paiter Suruí.
O alerta é sobre o último levantamento da Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (SEDAM) com dados do Instituto de Pesquisa Espacial (INPE) que mostra pouca alteração nos registros de focos de queimadas entre os meses de janeiro a agosto de 2019 e 2020 nas terras indígenas do estado.
Almir é liderança em relevo no debate global sobre meio ambiente. Já participou de muitas conferências e tratou da questão indígena com líderes de várias nações. Ele vive na aldeia Lapetanha, uma de mais de 20 dentro da Terra Indígena Sete de Setembro, próxima ao município de Cacoal.
Com apenas meio século do primeiro contato, eles possuem moderna organização social e produzem de forma sustentável um café premiado dentro e fora do país.
“Com equilíbrio climático a terra terá condições de produzir alimentos em grande quantidade e com qualidade. Os desmatamentos e queimadas estão destruindo o potencial que nosso país, nosso estado, possuem. Os órgãos de fiscalização precisam cumprir seu papel de proteção. Precisamos avançar nos critérios de vigilância nos territórios indígenas”, cobra Almir.
Os desmatamentos e queimadas são ameaças constantes nas terras indígenas e a Covid-19 aumentou o perigo. Os Surui pedem socorro porque a Covid se alastrou rapidamente atingindo mais de 40 indígenas, alguns gravemente.
Em carta à sociedade pedem testes em massa, a contratação de profissionais de saúde e a instalação de um hospital de campanha para atender os povos indígenas.
“Essa pandemia vai acabar, mas virão outras porque a atitude do homem com a natureza é muito perigosa e triste”, diz Almir.
O estado tem grande diversidade de povos. São mais de 20 terras indígenas segundo relatório do Ministério Público Federal.
Fogo dentro e perto de terras indígenas
Em 2019, dos 42 focos de calor no semestre, 27 atingiram mais intensamente a TI Pacaas Novos com 14 registros, Lajes com 7 e Lourdes com 6.
Este ano foram 45 focos, sendo novamente 14 na TI Pacaas Novos, 7 na TI Rio Negro Ocaia e 5 na TI Karitiana.
O que mudou consideravelmente foi o tempo da ocorrência dos focos.
Em 2019 o mês com mais registros foi junho com 20 focos e em 2020 foi abril, com 21.
Para o coordenador estadual de Unidades de Conservação da Sedam, Denison Trindade, foi a redução da fiscalização ambiental em função da pandemia que fez as ocorrências aumentarem no último mês de abril.
Ele atribui a queda de focos no mês de junho ao esforço conjunto dos órgãos de fiscalização e à a prorrogação da Operação Verde Brasil 2.
“Há uma união para que se possa abranger mais localidades e intensificar a fiscalização, o que não ocorria antes”, disse.
Perigo a 3 km dos indígenas
Um fiscal do ICMbio informou que o raio de três quilômetros no entorno de uma Unidade de Conservação ou Terra Indígena é considerado zona de amortecimento e serve para avaliar os impactos negativos de atividades que ocorrem fora do território protegido. O avanço da ocupação humana é constante ameaça, por isso o monitoramento é permanente e o licenciamento ambiental para atividades rigorosamente regulado.
O levantamento da Sedam aponta que o número de focos de calor nessas Zonas próximas de Terras Indígenas pouco se alterou.
Dos 56 focos de calor no semestre de 2019 com maior incidência em junho, 32 se concentram na TI Rio Branco e 6 na TI Uru Eu Wau Wau.
Este ano foram 41 focos, sendo 10 na TI Aripuanã, 9 na TI Uru Eu Wau Wau e 7 na TI Sete de Setembro.
A reportagem pediu, mas a Sedam não tem atualização de dados, segundo Denisson Trindade.
O Greenpeace Brasil que monitora os focos de calor na Amazônia tem e forneceu o levantamento paralelo, segundo o qual este ano as terras indígenas de Rondônia tiveram 37 ocorrências em julho e 46 em agosto.
Os focos foram detectados mais em terras onde vivem povos isolados, 37 no período.
Os Uru Eu Wau Wau aparecem com 11 focos de calor e os Karipuna com 14.
No início deste mês, o porta-voz da ONG Rômulo Batista fez um alerta ao UOL sobre a preocupação com as queimadas e a Covid-19 nas TIs.
“Estamos observando uma tendência de alta nas queimadas neste ano. Além da ameaça do coronavírus, com a temporada de fogo, os povos indígenas estarão ainda mais vulneráveis, pois a fumaça e a fuligem das queimadas prejudicam ainda mais sua saúde”.
O BLO tentou contato com a FUNAI em Rondônia, mas ninguém fala sobre o assunto desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. A orientação local é para que pedidos de informações ou declarações sobre ameaças a povos e territórios indígenas sejam feitos por e-mail à Brasília, o que condiciona a resposta à demora de 10 a 20 dias.
Uma ambientalista que também não quer a identidade revelada por medo de perseguição, disse que “As invasões, desmatamentos e queimadas a três quilômetros das terras indígenas vão gerar consequências graves não só aos povos indígenas, mas ao meio ambiente de um modo geral. Esses dados só demonstram a falta de ação em proteger. Um governo que vê uma área de floresta ser desmatada, queimada, destruída e não faz nada é um governo muito irresponsável.
O território Uru Eu Wau Wua é invadido desde sempre, conforme relato dos indígenas.
Eles criaram sua equipe de monitoramento e têm conseguido flagrantes como esse muito próximo à terra indígena.
Com a ajuda de drones doados por uma ONG, os indígenas conseguem visualizar a presença de invasores e também de fogo dentro ou próximo de suas terras.
“A terra indígena vem sofrendo uma pressão forte de invasores e estamos fazendo esse monitoramento para pressionar a atuação das autoridades ambientais. O que existe não é eficaz para impedir o avanço da grilagem, do desmatamento e das queimadas”, disse Bitaté Uru Eu Wau Wau, jovem liderança que atua na equipe de vigilância indígena.