Prevenir uma pandemia custa cerca de 2% do valor total gasto para combatê-la. Essa foi a conclusão dos integrantes de diversos centros acadêmicos e de pesquisa, entre eles as universidades americanas Harvard e Duke e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo foi publicado na renomada revista científica Science.
Juliane Isler, no GrenMe
Segundo os especialistas, com 2% do dinheiro que o mundo está gastando com a pandemia da Covid-19, seria possível criar um programa de prevenção, ao longo de dez anos, para que outros vírus de perigo semelhante ao Sars-CoV-2 não tenham a chance de passar de seus hospedeiros originais para humanos.
Mariana Vale, professora-adjunta no Departamento de Ecologia da UFRJ e coautora do estudo publicado na Science, disse à BBC Brasil que o valor aproximado do gasto pelo mundo no combate à pandemia – isso dimensionando perdas de vida e econômicas – pode chegar a US$ 20 trilhões. Considerando somente o PIB mundial, estima-se uma perda na ordem de pelo menos US $ 5 trilhões no ano de 2020.
No estudo, os pesquisadores chegaram a um valor aproximado de US$ 22 bilhões a US$ 31 bilhões para executar uma série de estratégias que limitem ou diminuam essas cadeias de transmissão do vírus. Esse valor é estimado para um período de 10 anos e representa uma fração mínima dos gastos trilionários que já foram dispendidos na tentativa de conter a Covid-19.
Esse dinheiro serviria para
“monitorar e policiar o comércio de animais selvagens, impedir o desmatamento das florestas e promover estudos na pecuária”.
Preservar a vida custa menos que combater o vírus
O objetivo do estudo “foi avaliar o custo do monitoramento e prevenção do contágio de doenças causadas pela perda e fragmentação sem precedentes das florestas tropicais e pelo crescente comércio de animais selvagens”.
Prevenir o desequilíbrio ambiental provocado pela destruição do ecossistema, prevenção do desmatamento, da caça, do tráfico de animais, do contato de humanos com animais silvestres e exóticos, são ações que diminuem consideravelmente a chance de surgimento de epidemias e são relativamente baratas, ao menos se comparado ao custo econômico, social e de saúde de uma pandemia global, apontam os cientistas.
Já alertamos aqui que a próxima grande pandemia pode surgir no Brasil, mais precisamente na floresta amazônica, justamente por causa da destruição desenfreada do bioma.
Próxima pandemia pode surgir na Amazônia: desmatamento contribui para zoonoses
A floresta amazônica possui milhares de micro-organismos, incluindo vírus, fungos e bactérias, que vivem em perfeito equilíbrio com os animais selvagens e seus habitats e havendo intervenção, seja populacional ou ambiental, promoverá alteração na cadeia, o que pode causar esse “salto” do vírus dos animais para os humanos.
Os pesquisadores usam como exemplo o HIV, ebola e dengue, para explicar como grandes desequilíbrios ambientais podem disseminar doenças.
No estudo científico eles apontam que
“a cada ano do último século, ao menos dois vírus foram transmitidos de animais que eram seus hospedeiros originais para populações humanas, exatamente como aconteceu com o coronavírus”.
Os pesquisadores apontam também que há pouco investimento nas ações de prevenção do desmatamento e regulamentação do comércio de animais selvagens, sugerindo que os custos associados a esses esforços preventivos seriam substancialmente menores do que os custos econômicos e de mortalidade de responder as consequências do surgimento de pandemias.
Plano de prevenção
Como plano de prevenção, os pesquisadores modelaram algumas ações essenciais que podem ajudar a prevenir futuras pandemiaszoonóticas antes que comecem:
Redução do desmatamento
O estudo aponta que o desmatamento é a principal causa de desequilíbrio do ecossistema e o principal meio de colocar em contato humanos e animais domésticos com animais exóticos porque a construção de estradas, garimpos, agricultura, exploração de madeira, pecuária e outros, são ações que provocam fixação de pessoas e comunidades ao redor da mata derrubada.
Várias estimativas da eficácia e custo das ações para reduzir o desmatamento estão disponíveis e já foram modeladas por diversos estudiosos e pesquisadores e apontam algumas soluções como:
- Remoção de subsídios para empresas que promovem desmatamento (mineradora, agrícola e pecuária),
- Restrição de desmatamento privado (uso de terra particular),
- Demarcação de terra e apoio dos direitos territoriais dos povos indígenas e,
- Fortalecimento dos mecanismos de combate e fiscalização da floresta.
Os pesquisadores apontam que o custo anual estimado para proteger a floresta é de US $ 9,6 bilhões, sendo que esses valores poderiam ser reduzidos para US $ 1,5 bilhão se as ações apontadas acima fossem cumpridas.
Mas todas essas medidas requerem motivação nacional e vontade política.
Contenção do comércio ilegal de animais selvagens e exóticos
O tráfico de animais exóticos financiado pelo grande e recorrente interesse nesse tipo de “mercadoria”, porque é assim que os bichos são tratados, faz com que as pessoas entrem nas florestas, mantenham contato com espécies selvagens, retirando-as do seu habitat, transportando-as muitas vezes para regiões ou países onde não são nativas e o enorme preço que a sociedade paga por tais encontros é o surgimento de pandemias.
Para os pesquisadores, principalmente primatas, morcegos, pangolins, civetas e roedores deveriam ficar totalmente de fora de qualquer mercado que comercializa animais vivos, mortos ou seus subprodutos.
Para além do tráfico de animais, nos casos de consumo de carnes exóticas por comunidades ou culturas tradicionais, a orientação é incluir educação e conscientização sobre manejo de animais, saneamento e transmissão de doenças, bem como manejo sustentável da vida selvagem e apoio para desenvolver alimentos alternativos em prol de um bem maior, que é a prevenção de doenças que podem ter afetação global.
Detecção e controle precoce
Para reduzir o risco de propagação e determinar a quantidade de organismos infecciosos existentes, precisa encontrar o vírus na vida selvagem e estudar o seu comportamento dentro e fora do seu habitat. Antecipar o comportamento do vírus é uma boa forma de prevenir uma possível transmissão.
Testes regulares em humanos e em animais da pecuária (gado, aves, porcos e caprinos) em regiões de alto risco de emergência de doenças, também é uma boa forma de evitar contágios e identificar padrões sazonais dos vírus.
Programas de educação comunitária para aumentar a conscientização sobre o risco zoonótico e reduzir o contato com a vida selvagem também fazem parte de modelos de prevenção.
Pecuária ou animais criados em fazenda
O estudo aponta que “a pecuária é um reservatório e elo crítico em doenças emergentes”.
Muitos surtos relacionados à pecuária atingiram nível de emergência de uma pandemia, como o vírus Nipah (morcego → porco → humano), influenza H5N1, (ave → aves → humano) e a influenza H1N1 (ave → porco → humano).
Os cientistas apontaram que com custos relativamente baixos, se comparado ao valor gasto para conter um surto viral, é possível tirar do papel várias propostas já existentes sobre as formas de diminuir os efeitos da pecuária no papel das pandemias.
Agropecuária é apontada por especialistas como uma das causas do surgimento de pandemias
A melhor solução
De todas as formas e de qualquer ângulo que se analise a questão, seja financeira, ambiental ou socialmente falando, a melhor opção sempre é investir na preservação do meio ambiente e na conscientização da população, para encararmos o problema de frente.
A forma como estamos vivendo, sugando os recursos naturais de forma totalmente inconsequente e destruidora, só pode ter como resposta catástrofes, inundações, terremotos, maremotos, tornados, furacões, grandes ondas de calor, frio, secas, estiagem, doenças e muitos outros.
Como diz o mestre Raul Seixas, “o planeta como um cachorro eu vejo, quando ele não aguenta mais as pulgas, se livra delas num sacolejo”.