Alguns países estão usando a pandemia como uma desculpa para reprimir o jornalismo.
Leia o artigo do Nieman Lab, Por Jenna Hand
No Poder 360
O excesso de desinformação on-line durante a pandemia levou alguns governos a implementarem medidas extraordinárias na tentativa de estabelecer o controle em meio ao caos. Criminalizar a disseminação de “notícias falsas”, expandir as penalidades existentes pelo compartilhamento de desinformação e aumentar a vigilância estão entre as ações que algumas autoridades tomaram.
Os observadores dos direitos humanos e da mídia advertem que tais remediações são piores do que o problema que procuram aliviar, e que a liberdade de expressão, a privacidade e o direito de protesto estão se desintegrando sob o pretexto de proteção da saúde pública.
Mas as preocupações dos governos não são sem razão. Nos últimos 6 meses, teorias conspiratórias, curas falsas e apontamentos partidários on-line se espalham pelo mundo real: mais de 700 mortos por envenenamento por álcool no Irã, muçulmanos atacados na Índia, infraestrutura de telecomunicações vandalizada no Reino Unido e 1 número incalculável de pessoas doentes ou mortas por 1 vírus que eles pensavam não ser grave. Isso somado a mais de 700.000 mortes por covid-19 e a destruição das economias do mundo inteiro.
Hungria, Romênia, Argélia, Tailândia e Filipinas estão entre os países que instituíram novas leis ou invocaram decretos de emergência dando às autoridades o poder de bloquear sites, emitir multas ou prender pessoas por produzirem ou divulgarem informações falsas durante a pandemia.
No Camboja e na Indonésia, usuários de mídia social foram presos depois de terem supostamente publicado notícias falsas sobre o coronavírus. No Egito, 1 jornalista que tinha sido crítico em relação à resposta do governo à pandemia e foi detido por “espalhar notícias falsas” contraiu o vírus em custódia e morreu antes de poder ser julgado.
Até mesmo na África do Sul, onde a liberdade de expressão é 1 direito constitucional, políticos criminalizaram a publicação de qualquer declaração feita “com a intenção de enganar qualquer outra pessoa” sobre a covid-19, medidas governamentais para enfrentar a doença ou -em sinal da experiência sombria do país com o HIV/AIDS- o status de infecção de uma pessoa.
Em uma declaração de março de 2020, especialistas em direitos humanos das Nações Unidas apelaram aos governos para que “evitem o alcance excessivo de medidas de segurança” na resposta à pandemia, e disseram que os poderes de emergência devem ser “proporcionais, necessários e não discriminatórios”, e não devem ser usados para anular a dissidência. É uma advertência de que muitos não estão dando ouvidos.
Julie Posetti, diretora global de pesquisa do International Center for Journalists, disse que a legislação está sendo mal utilizada para justificar a repressão ao discurso legítimo em vários países.
“Há circunstâncias em que os jornalistas foram detidos e multados, por exemplo, em referência a reportagens que foram críticas ao governo e que são consideradas ‘notícias falsas’ porque não se harmonizam com o governo“, disse Posetti.
Mas ela disse que até mesmo leis bem intencionadas poderiam “inadvertidamente apreender a comunicação legítima na rede”, criminalizando efetivamente o jornalismo e minando os direitos fundamentais.
Denunciantes também foram atacados, notavelmente o oftalmologista chinês Li Wenliang, que foi repreendido por “espalhar rumores” sobre o surto em Wuhan antes de morrer de covid-19, recebendo apenas 1 pedido de desculpas póstumo.
“Se você não pode ter médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde falando publicamente sobre falhas do sistema, onde é do interesse público fazê-lo, porque eles têm medo de serem presos por causa das chamadas leis de ‘notícias falsas’, porque o governo equipara a crítica à falsificação, você tem 1 problema realmente sério“, disse Posetti.
Nani Jansen Reventlow, advogada de direitos humanos e diretora fundadora do Digital Freedom Fund, disse que as leis que regulamentam a desinformação afetam tanto indivíduos privados quanto jornalistas. Assim como o aumento da vigilância, como o software de rastreamento de contatos.
“Usar aplicativos para rastrear o movimento das pessoas tem 1 efeito inibidor sobre as pessoas que podem compartilhar informações, porque todos sabem onde elas estiveram“, disse ela.
Ela citou o aplicativo da Coreia do Sul como exemplo de 1 rastreador de coronavírus com 1 impacto particularmente prejudicial à privacidade das pessoas, com indivíduos capazes de monitorar uns aos outrosatravés da tecnologia que se descobriu ter sérias falhas de segurança.
Além de afetar os denunciantes e a confidencialidade da fonte para os jornalistas, o aumento da vigilância também poderia afetar a disposição das pessoas para exercerem seu direito de reunião.
“Você irá realmente a 1 protesto se souber que vai ser monitorado? Isso se aplica particularmente àqueles de nós que estão em uma posição mais vulnerável quando se trata da aplicação da lei“, disse Jansen Reventlow. “Você nunca sabe como isso vai sair pela culatra”.
Os bloqueios de internet que precederam a pandemia –como os da região de Caxemira administrada pela Índia e os campos de refugiados Rohingya em Cox’s Bazar, Bangladesh– também impediram o acesso a informações essenciais sobre o vírus e a resposta.
Jansen Reventlow teme que medidas de emergência que asfixiam a sociedade civil e a liberdade de imprensa, como as implementadas na Hungria, sobreviverão à pandemia. “Há o perigo de que esses poderes de emergência não voltem atrás em breve“, disse ela.
Há ainda a questão de saber se as leis contra a desinformação atingem seu objetivo declarado.
Posetti afirmou que há uma falta de provas empíricas se tais leis impediam a distribuição de informações falsas e enganosas. “Mas o que podemos dizer de pesquisas anteriores é que este tipo de leis, na verdade, arrefece uma ampla escala de comunicação pública, e é aí que se encontra o problema“.
É uma preocupação que Jansen Revenuetlow compartilha. “A única coisa que vai fazer é facilitar para as autoridades públicas a repressão a coisas que elas não gostam“.
Em vez disso, ela disse, os governos devem fornecer informações precisas e atualizadas sobre a situação e a base para as decisões políticas de forma consistente e proativa, para que as pessoas não fiquem especulando no vácuo.
“É sobre encontrar o equilíbrio certo. Mas 1 debate aprofundado sobre onde esse equilíbrio deve ser encontrado está bastante ausente no momento“, disse ela.
*Jenna Hand é bolsista da Google News Initiative na First Draft.
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O texto foi traduzido por Beatriz Roscoe. Leia o texto original em inglês.