Por Claudinei dos Santos – Neste dia 05 de outubro, comemoramos 32 anos da promulgação da nossa atual Constituição Federativa do Brasil.
Leia-se atual, porque até chegarmos nesta, tivemos (a) Constituição de 1824 (Brasil Império), (b) Constituiçãode 1891 (Brasil República), (c) Constituição de 1934 (Segunda República), (d) Constituição de 1937 (Estado Novo), (e) Constituição de 1946, (f) Constituição de 1967 (Regime Militar) e (g) a nossa homenageada a Constituição de 1988 (Constituição Cidadã).
Período este que será embalado por diversas referencias positivas sobre a carta magna, no tocante ao seu espirito cidadã, como promessa de ser esta o caminho para a paz dado o sofrimento coletivo dos anos de ditadura, de construção de uma sociedade justa e igualitária por meio do combate às desigualdades socias e da preservação da dignidade da pessoa humana com a efetivação de direitos sociais muito bem sistematizados pelo Papa Francisco anos depois, como “3 Ts: Terra, Teto, Trabalho”. No entanto, é preciso também aproveitarmos este momento de reverencia e confraternização cívica, para fazermos um balanço político crítico do prometido e do efetivado do ponto de vista dos direitos sociais, dos direitos difusos, da nossa soberania nacional, da preservação das instituições do Estado Democrático de Direito.
Nas comemorações das bodas de prata da constituição federal, o ministro Gilmar Mendes (2003) escreveu na ocasião, linha fina “Hoje, não mais nos sobressalta qualquer temor sobre a estabilidade de nossas instituições, e a democracia consolidou-se como um valor em si mesmo”. De lá para cá, se passaram apenas 7 anos e as contradições da nossa sociedade, produziu atual governo que vem de forma permanentes provendo ataques aos valores destacados pelo o então ministro, colocando em risco a possibilidades de celebrarmos a idade de cristo por meio da nossa homenageada. Nossa chave de leitura, está hospedada nas premissas do constitucionalismo da efetividade frente a norma compactuada escrita, buscando auferir os resultados das políticas sociais, econômicos e ambientais do nosso processo histórico vivido. É preciso ainda termos claro, que nossa constituição é produto de uma agenda social utópica que foi compactuada no atual texto constitucional a qual hoje celebramos seus 32 anos.
Este modelo é chamado por Peter Häberle (2001) de “desejos de utopia”, daí a necessidade e a validade de organizações sociais como o MST, que se proponha a desenvolver ações que busquem a concretude dos valores proclamados solenemente no texto constitucional, militando para a verdadeira obtenção destas esperanças utópicas normatizada, ao mesmo tempo que é precisa denunciar qualquer ameaça de retrocesso que hoje está representado nos processos que vai do golpe jurídico parlamentar contra o governo Dilma, que reverberou no impedimento da candidatura do ex-presidente Lula chegando a eleição do atual governo Jair Bolsonaro dos quais passamos a dar os seguintes destaques.
Em 2003 Mendes não previa assim como nós, que a nossa tão jovem democracia poderia estar correndo perigo conforme artigo já citado, e nem sabia o mesmo ministro, que teria que se posicionar agindo como um poder moderador, frente a escalada militar rumo ao que foi em 1964. Com o não aceite dos resultados da eleição de 2015, o então candidato derrotado Aécio Neves, resolve questionar o processo eleitoral que reelegeu a então presidenta Dilma Rousseff.
A estratégia para a derrubada da presidenta ganha força e aliados, tendo como principal os meios de comunicação, hegemonizada pela a rede globo, produzindo na sociedade o senário para um golpe que se avizinhava, mas que para isto precisaria ter uma roupagem de legalidade. Nesta altura as forças democráticas não tinham a dimensão da gravidade do cenário futuro, e este processo teve como desfecho o impeachment de uma presidenta eleita com 54% dos votos, que se convencionou a chamar de golpe jurídico-político, abrindo caminho para se chegar ao ponto mais alto desta escolado golpista, o impedimento da candidatura do ex-presidente Lula nas eleições de 2018.
Entre o golpe de 2015 e as eleições de 2018, tivemos ainda o início do desmonte do Estado de Bem-Estar Social, protagonizado por uma teoria Constitucional Social, dentre as quais podem ser citadas as Constituições Mexicana (1917), e de Weimar (1919), por meio da reforma trabalhista. Seguindo o rito do Golpe, mas agora com uma alteração, o processo eleitoral de 2018 foi tomando pelos interesses do capital financeiro internacional, que em fina cooperação entre o american police department, ministério público federal e polícia federal se constituiu o que se convencionou a chamar de República Federativa de Curitiba, tendo como principal objetivo, o impedimento da participação do ex presidente Lula nas eleições daquele ano, caracterizado técnica do lawfare.
Esta escalada de ataques a constituição brasileira, vai tendo cada vez mais a conivência das instituições do estado de direito ao mesmo tempo que demonstra um baixo poder de reação da sociedade civil organizada frente ao oque estava ocorrendo no submundo da política, produzindo assim, uma junção perigosíssima e uma intrínseca relação entre política, religião e forças armadas.
Este tripé de aliança mais a produção de um discurso de ódio semeado na sociedade e avesso a tudo que cheire democracia e contraditório, vai desembocar na eleição de Jair Bolsonaro, inaugurando uma terceira alteração no nosso sistema constitucional, que é a introdução do estado de exceção. É com base nesta concepção filosófica que a forma de gestão do Brasil como Estado Nação, vai se pautar por meio daquilo que Achille Mbembe vai chamar de necropolítica.
Esta necropolítica = política da morte, vai se materializar durante a pandemia da covid-19 por meio de uma política deliberada do governo em apostar na chamada contaminação de rebanho e seleção natural de espécie e na estimulada dicotomia e prevalência do econômico frente a saúde pública, que já produziu 145 mil mortes pela a covid. Feito esta retrospectiva constitucional, podemos afirmar que a democracia associada ao estado de Bem-Estar Social, poutado pelas conquistas dos direitos comodireito à vida, à liberdade de expressão, direito à alimentação digna, direito a terra, trabalho e moradia está na berlinda, e cabe as representações da sociedade civil organizada lutar e zelar para que o tempo presente não retroaja à um passado recente.
Referencias
Gilmar Mendes: Celebramos os 25 anos da constituição federal! Consultor Jurídico. 5 de outubro de 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-out-05/observatorio-constitucional-celebremos-25-anos-constituicao-federal >. Acesso em: 04 de outubro de 2020.
HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Trad. Hector Fix-Fierro, México D.F: Universidad Autônoma de México; 2001, p. 7.