O grupo de idosas carregando cartazes e distribuindo panfletos na movimentada Alexanderplatz, no coração de Berlim, chama a atenção de quem passa por ali.
Clarissa Neher
De Berlim para a BBC News Brasil
Muitos param para conversar com elas, outros sorriem e agradecem, e ainda alguns poucos gritam insultos e saem correndo. As simpáticas senhoras que atraem olhares fazem parte de uma iniciativa que tem irritado neonazistas na Alemanha: as Vovós contra a Extrema Direita.
Formado em meados de 2018 e inspirado numa iniciativa que surgiu na Áustria, o grupo de Berlim tem marcado presença em protestos em defesa da democracia e direitos humanos, assim como em atos de repúdio a manifestações organizadas por extremistas de direita. Nos últimos meses, essa avós passaram a atrair cada vez mais a atenção da opinião pública.
Basicamente, o que as move é a preocupação com a guinada à direita e o crescimento do utradireitismo que vem ocorrendo não somente na Alemanha, mas em diversos países nos últimos anos. Soma-se a isso a vontade de defender a democracia e o Estado de Direito.
“Esse problema ocorre em muitos países e, na Alemanha, temos uma história. Temos que cuidar para evitar uma repetição de 1933 [ano em que o regime nazista ascendeu ao poder] com os movimentos extremistas de direita aqui ficando cada vez mais visíveis, e também sendo alimentados pela situação internacional, por exemplo, com Donald Trump e Jair Bolsonaro no poder”, afirma Karin*, de 65 anos.
Atualmente, há mais de 50 avós registradas no grupo de Berlim. Além da capital alemã, a iniciativa Vovós contra a Extrema Direita está presente em mais de 70 cidades do país. Esses grupos independente são organizados localmente.
Em Berlim, suas atividades incluem a organização de protestos, uma reunião mensal para coordenar as próximas ações e avaliar os atos realizados, grupos de discussão sobre diversos temas e uma vigília mensal. Algumas das avós também marcam presença regularmente nas ações do movimento ambientalista Friday for Future. Todo esse ativismo, porém, tem incomodado extremistas de direita.
Desde a primeira atividade do grupo há pouco mais de dois anos — um protesto contra uma marcha neonazista —, as avós perceberam um aumento da violência verbal contra elas.
Os frequentes xingamentos ouvidos nos atos estão cada vez mais agressivos, e incluem agora ameaças veladas. “Os insultos usados para nos humilhar têm ficado cada vez pior”, conta Cordelia*, de 74 anos.
Nomes das ativistas também apareceram em “listas negras” organizadas por neonazistas que expõem supostos “inimigos”. Muitos dos que estão nessas listas têm suas casas pichadas e recebem constantes ameaças.
Numa dessas listas estava também o nome do político alemão Walter Lübcke, filiado à União Democrata Cristã (CDU) — o partido da chanceler federal Angela Merkel —, que foi assassinado em junho 2019. Cometido por um extremista de direita, o crime teria sido motivado pela posição pró-refugiados de Lübcke.
Em dezembro do ano passado, um episódio de agressão verbal contra uma avó ativista em Halle virou notícia. Durante um ato de extrema direita, um neonazista conhecido das autoridades subiu ao palco para sugerir que as avós deveriam ser estupradas por requerentes de asilo. Uma das integrantes do grupo resolveu então fazer um boletim de ocorrência contra o agressor. Depois disso, ela acabou tendo o nome divulgado e passou a receber ameaças de extremistas, afirmando que sabiam onde ela morava e que iriam atacá-la em casa.
“Somos hostilizadas em atos organizados contra protestos extremistas de direita. Por isso, tomamos muito cuidado quando estamos em espaços públicos, evitando usar qualquer coisa que nos identifiquem como integrantes do grupo quando estamos sozinhas”, diz Karin.
Renate*, de 75 anos, conta que após o assassinato de Lübcke também passou a ter mais cautela. “Por outro lado, recebemos muita simpatia e aprovação, principalmente durante nossas vigilas. Isso é muito gratificante”, acrescenta Susan*, de 70 anos.
Manipulação da insatisfação
Para as avós, a expansão da extrema direita no mundo está associada a uma crise do capitalismo, que gerou muitas desigualdades e alimentou problemas sociais.
Diante disso, houve uma crescente insatisfação por parte da população em relação a governos, que não estariam enfrentando questões socioeconômicas e ecológicas — por exemplo, a explosão dos preços dos aluguéis em Berlim, a pobreza na velhice ou as crises migratória e climática — de forma convincente.
Essa insatisfação foi então canalizada por ultradireitistas, como o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), para atrair eleitores e adeptos, que se sentem abandonados por legendas políticas tradicionais. Além de oferecer soluções simples e pouco factíveis para problemas complexos, a extrema direita aprendeu como usar esse sentimento para manipular parte da população, segundo as avós.
“Quando uma política é feita para atacar esses problemas, os extremistas estão imediatamente lá para instrumentalizar o incômodo da população e distorcer a solução apresentada”, acrescenta Cordelia.
O outro ponto apontado por elas é o movimento de difamação da imprensa tradicional, que tem levado muitos a buscar informações em “meios alternativos”, que não têm nenhum compromisso com a verdade. “Essa idiotice de fake news tem sido promovida internacionalmente e é usada principalmente por aqueles que não têm o menor interesse de notícias objetivas. Isso tornar o debate muito difícil”, destaca Karin.
As avós percebem ainda paralelos entre o momento atual e a Alemanha de 1933. “Esse modelo que está sendo utilizado pela extrema direita em vários países foi o mesmo usado por Adolf Hitler”, afirma Renate.
Esse paralelo histórico foi um dos motivos que levaram muitas destas avós a se unir ao movimento.
Renate conta que em sua juventude foi constantemente confrontada com o passado e sempre questionou os pais o porquê deles terem ficado calados diante das atrocidades cometidas pelo regime nazista. “Tivemos anos de discussões sobre isso na minha família”, lembra.
“Para mim, é importante que no futuro as gerações mais jovens não questionem os mais velhos por não terem feito nada”, acrescenta Verena*, 68 anos, que foi professora de história.
Apesar de terem seguidos caminhos diferentes em suas trajetórias de vida, a maioria das avós ativistas tem um passado de engajamento político, mas que em algum momento se esvaziou e agora, com o movimento, elas viram surgir novamente a oportunidade de resgatar esse ativismo.
“Ser ativa nos ajuda a se opor a essa situação temorosa, além de ser uma válvula de escape para medos que enfrentamos, por exemplo, o medo da reeleição de Trump, o medo de que a Floresta Amazônica seja destruída ou ainda do aumento de casos na pandemia”, conta Susan.
Nem todas são avós de verdade, mas todas se sentem e se veem como avós.
“Não tenho netos, mas percebo isso mais como uma atitude de ter experiência de vida, sabedoria e vontade ser ativa”, analisa Verena.
Para além dos temores pessoais, o maior medo que as ativistas da terceira idade têm é de o que pode acontecer com o mundo e, por isso, reforçam a importância de movimentos sociais na busca por soluções para os problemas enfrentados pela sociedade.
“As instituições do Estado de Direito, a democracia, assim como a liberdade de imprensa e de expressão, estão em risco se ninguém fizer nada. A sociedade precisa fazer mais contra essa guinada à direita senão nosso trabalho será em vão”, diz Renate.
“Além disso, a pressão de iniciativas civis é muito mais efetiva para a conscientização da sociedade do que os partidos políticos”, acrescenta Susan.
*Por motivos de segurança, as entrevistadas pediram para não terem os seus nomes completos divulgados na reportagem.