A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

No Amazônia Real – Amazônia: 80 anos antes

Em outubro de 1940, 80 anos atrás, Getúlio Vargas proferiu, em Manaus, o “Discurso do Rio Amazonas”. O presidente da república foi a uma cidade distante quase três mil quilômetros em linha reta do Rio de Janeiro, que era a capital federal, para anunciar a incorporação da Amazônia ao território nacional, sob o comando do seu governo.

A Amazônia voltava a ser Brasil, desta vez para não se manter mais apartada, ignorada, maltratada. A palavra de ordem passava a ser: “Conquistar a terra, dominar as água, sujeitar a floresta”. A ênfase era própria do Estado Novo, uma ditadura iniciada três anos antes, com um golpe de Estado desfechado por Vargas, um caudilho autoritário, populista e modernizador, que ainda se manteria no poder por mais cinco anos.

O famoso discurso também poria fim à Idade Média amazônica, iniciada em 1912, quando a queda dos preços e da produção de borracha na região a colocara num limbo nacional e internacional. Até a população iria diminuir nas duas décadas seguintes, com o refluxo dos imigrantes para seus pontos de origem – sobretudo nordestinos – que buscaram os altos rios à caça dos melhores seringais, nos 40 anos de maior incremento da economia local em toda a história amazônica.

Para a elite da terra parecia que a Amazônia conquistara grandeza mundial, graças ao monopólio da produção que lhe conferia, por “direito natural”, uma árvore nativa, a seringueira (Hevea Brasiliensis). Um capricho da natureza, no entanto, fazia uma praga (o mal das folhas) se propagar sempre que o adensamento de árvores tentava incrementar sua produtividade, à custa da sua biodiversidade, homogeneizada à força da intromissão humana. A Amazônia não podia competir com os seringais plantados da Ásia. Sequer garantia a autossuficiência nacional.

Dois anos depois do discurso do Amazonas, que lançou as sementes da integração nacional, a ação do governo foi incrementada pela decisão de Vargas de se unir aos países aliados, que combatiam o nazifascismo, na Segunda Guerra Mundial. A Amazônia seria mobilizada a partir daí a fornecer borracha às forças militares que foram privadas do suprimento de borracha.

Os mitos e lendas que havia desde a sua revelação para a cultura ocidental, com as imaginárias guerreiras amazonas, que lhe emprestaram a denominação, continuavam ainda a predominar na visão nacional, presa ao exotismo. Era esse o fundamento da palavra de ordem de Getúlio Vargas em 1940.

A terra teria que ser “conquistada”, pressupondo a hostilidade natural que nela encontraria o colonizador. As águas precisavam ser dominadas para servir ao transporte ou gerar energia. A floresta, tida por hostil, exigia ser sujeitada, posta à mercê do agente da sua transformação em bens de valor econômico no comércio de mercadorias.

Nenhuma novidade em relação aos fatos marcantes na história regional das duas décadas seguintes: a inauguração da primeira grande ligação terrestre entre a Amazônia e o restante do território brasileiro, em 1960, a rodovia Belém-Brasília (cujo fluxo dominante seria de Brasília a Belém), que modificou completamente a organização econômica regional. E o início do sistema de estradas troncais na direção das áreas isoladas na terra-firme com a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém, em 1970, na empreitada geopolítica de “integrar para não entregar”.

A geração de produtos de grande aceitação no mercado internacional, sobretudo os eletrointensivos (o maior deles, o minério de ferro, é o 2º mais importante na pauta de exportações do brasil, ocupando – com maior expressão e já por mais tempo – a posição que foi da borracha entre os séculos XIX e XX), exibiu a face vitoriosa desse projeto estatal ancorado na supremacia do capital sobre o trabalho. Mas sua face negra é o desmatamento absurdo, a destruição da natureza e a violência humana, que fazem sangrar as estatísticas de crescimento material.

O projeto do ditador Getúlio, que difere da concepção dos ditadores militares, no poder por mais um golpe uma década depois que ele se suicidou, foi interrompido pelo fim do Estado Novo, em 1945. O governo eleito democraticamente pelo povo descumpriu, em seu mandato, o compromisso constitucional de dedicar 3% da receita líquida da União para o desenvolvimento amazônico. O vento da democracia nacional sempre chegou rarefeito à Amazônia.

O órgão encarregado de cumprir esse dispositivo, a SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), ainda era letra morta quando o marechal Eurico Gaspar Dutra encerrou a sua gestão, em 1951. Dois anos depois, de volta ao poder pelo voto direto, Getúlio instalou finalmente a SPVEA.

No comando do órgão colocou um dos maiores intelectuais da região, o historiador Arthur Cezar Ferreira Reis. Decisão coerente com o desejo do presidente de prestigiar a elite local e favorecer o conhecimento científico da ainda desconhecida Amazônia. A “exploração empírica” deveria ser substituída pela “exploração racional”, dando prioridade nos benefícios ao habitante nativo.

Oitenta anos depois, a meta permanece utópica – e distante cada vez mais. A data redonda do discurso do rio Amazonas, antes inscrita no calendário dos grandes acontecimentos, virou poeira de arquivo.

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