Correio Braziliense – Colégios eleitorais importantes como São Paulo e Rio de Janeiro têm número recorde de não votantes. Para Barroso, contudo, 70,5% de votantes significam, em meio à pandemia, que “o copo está meio cheio”
O número de abstenções no 2º turno das eleições municipais foi de 29,47%. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, considerou a cifra alta, mas destacou que, em meio à pandemia do novo coronavírus, 70,5% dos brasileiros foram às urnas nas 57 cidades brasileiras que restavam para escolher um prefeito. Diante da conjuntura, Barroso considerou que “o copo está meio cheio”. O número de brasileiros que optaram por não ir às urnas nas maiores cidades do país, porém, é maior do que a cifra geral. O Rio de Janeiro teve 35,45% de abstenções, a maior de sua história, superando o número de votos do vencedor, o prefeito eleito Eduardo Paes: 1,7 milhão de cariocas deixaram de ir às urnas, enquanto Paes recebeu 1,6 milhão de votos. Já em São Paulo (SP), o número de não votantes foi de 30,8%. Especialistas apontam que os números vêm crescendo a cada pleito.
Questionado sobre o quadro geral, Barroso foi pragmático. Disse que não se deve “virar as costas para a realidade”, e que o aumento é “inegável”. “Porém, é um aumento em meio a uma pandemia. Talvez, a maior crise de saúde pública da nossa geração. Desde a gripe espanhola não aparece nada parecido, em que muitas pessoas estão compreensivelmente atemorizadas, em que há grupos de risco bem definidos. E, portanto, se considerarmos que, se conseguimos realizar uma eleição em uma pandemia, com mais de 70% de comparecimento, eu olharia para o copo meio cheio, e não para o meio vazio”, avaliou.
Enquanto o país acumula 172,8 mil mortos por covid-19 e mais de 6,3 milhões de casos confirmados, o doutor em ciência política e professor do departamento de ciências sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Ricardo Ismael acredita que o cenário pandêmico pode ter influenciado os eleitores. Principalmente, considerando o risco para quem tem mais de 60 anos e a não obrigatoriedade do voto para os acima de 70. Ainda assim, o estudioso alerta, o número é muito alto para ser justificado unicamente com a pandemia. “Eu acho que quando você olha para algumas cidades como Rio e São Paulo, antes da pandemia, já havia um crescimento do chamado não voto”, apontou.
Representatividade
O especialista destaca que, somados as abstenções e votos brancos e nulos, tanto no Rio quanto em São Paulo, a porcentagem de candidatos aptos a votar que decidiram não escolher nenhum dos candidatos passa dos 40%. “Isso não é generalizado. Ocorre em algumas cidades, mas são as principais: Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre”, elencou. “Isso mostra que o candidato vencedor vai começar a gestão com um grupo que votou no adversário; e outro, que é muito grande, que não votou nele e está desencantado com a política, e terá de ser conquistado”, apontou.
O risco maior é que a legitimidade democrática depende do comparecimento às urnas por parte da população. “Nossa democracia está sendo questionada quando uma quantidade tão grande não vota, não comparece, ou vota branco e nulo. E os prefeitos eleitos terão que se dirigir a esse público. No Rio de Janeiro, 47% não votaram em nenhum dos candidatos. Tinha muita gente que não gostava do Eduardo Paes ou do (Marcelo) Crivella. É um grupo que simplesmente se afastou do processo (…) E não é pouca gente. É uma expressão grande do eleitorado. Tem muita gente que simplesmente se alienou”, destacou o especialista.
“Nossa democracia está sendo questionada quando uma quantidade tão grande não vota, não comparece, ou vota branco e nulo. E os prefeitos eleitos terão que se dirigir a esse público”
Ricardo Ismael, cientista político