Devastação da floresta atingiu maior valor desde 2008; Pará responde sozinho por quase metade do desmatamento observado entre agosto do ano passado e julho deste ano.
Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – O desmatamento da Amazônia teve uma alta de 9,5% no último ano e voltou a atingir a maior taxa desde 2008 – o que já tinha ocorrido no ano passado. Entre agosto de 2019 e julho deste ano, a devastação da floresta alcançou 11.088 km², ante os 10.129 km² registrados nos 12 meses anteriores. A área devastada nesse último ano equivale a 7,2 vezes a da cidade de São Paulo.
Essa é a estimativa do Prodes – o sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que fornece a taxa oficial do desmatamento da Amazônia no período de um ano – divulgada nesta segunda-feira, 30, durante visita do vice-presidente, Hamilton Mourão, e do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes,ao Inpe. Os dados consolidados serão apresentados no primeiro semestre do ano que vem.
A elevação do Prodes observada entre agosto de 2018 e julho de 2019, ante os 12 meses anteriores, já tinha sido de 34,4%. O avanço do corte raso registrado na Amazônia Legal desde o início da gestão Bolsonaro interrompe uma sequência de dez anos em que o desmatamento ficou abaixo de 10 mil km².
Com essa taxa, o País também deixa oficialmente de cumprir a principal meta da Política Nacional de Mudanças Climáticas, de 2010, que estabelecia que o desmatamento neste ano seria de, no máximo, 3,9 mil km². Até meados da década passada, parecia que a meta do PNMC seria cumprida. Em 2012, o desmatamento da Amazônia chegou ao menor valor do registro histórico – de 4.571 km² –, após a implementação de uma política nacional de combate ao desmatamento que derrubou a taxa em 83% ao longo de 8 anos (em 2004 havia chegado a 27.772 km²).
Nos anos seguintes, ela passou a flutuar para cima, mas teve os piores aumentos a partir do ano passado. Com o dado de agora, o País chega a um desmatamento 184% superior à meta. A taxa atual é a primeira registrada totalmente sob a gestão Bolsonaro. A do ano passado ainda abarcava cinco meses da gestão Temer. As altas seguidas também colocam em xeque outra meta do Brasil, assumida no Acordo de Paris, de 2015, de zerar o desmatamento ilegal até 2030.
Considerando a média de desmatamento dos dez anos anteriores à posse de Jair Bolsonaro, o desmatamento cresceu 70%. Entre 2009 e 2018, a média contabilizada pelo Inpe foi de 6.500 km² por ano.
A aceleração da motosserra e dos correntões ocorreu mesmo diante da presença de militares na Amazônia. Em agosto do ano passado, foi decretada uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na região após o aumento expressivo das queimadas. O fogo diminuiu, mas o desmatamento não. Em maio deste ano, as Forças Armadas voltaram para floresta com a operação Verde Brasil 2, coordenada por Mourão (à frente do Conselho da Amazônia), e estão lá desde então, mas a devastação deu poucos sinais de arrefecimento.
Outro sistema do Inpe, o Deter, que traz alertas de desmatamento em tempo real a fim de orientar a fiscalização em campo e indica de quanto está sendo a perda mês a mês, revela que, entre maio e outubro deste ano, houve redução nas perdas somente em julho, agosto e setembro (na comparação com os mesmos meses do ano passado), mas elas ainda foram significativamente altas. Nesses seis meses, a perda acumulada foi a segunda pior desde 2015, só perdendo para este mesmo período de 2019.
Em breve entrevista coletiva, Mourão, que criticou o monitoramento do Inpe em outras ocasiões, não negou os dados. “Não fugimos do que é nossa realidade, do que são os números reais. Não podemos fugir disso aí e temos de melhorar isso aí”, afirmou. E voltou a dizer que entrou “atrasado” no combate ao problema.
“Desde o momento em que o Conselho da Amazônia começou suas atividades, deixei muito claro que tínhamos começado atrasado, em nenhum momento disse que já estávamos no caminho certo”, afirmou. Questionado sobre se com isso ele queria dizer que antes de ele assumir o conselho não estava havendo combate ao desmatamento, ele desconversou.
Mourão concedeu a coletiva ao lado de Pontes. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não participou do evento. Apesar de sua pasta ser historicamente responsável pelo controle do desmatamento, desde o início do ano foi perdendo espaço com a reativação do Conselho da Amazônia. O vice-presidente, que se estranhou publicamente com Salles no mês passado, não fez comentários sobre a política ambiental conduzida pelo colega, mas, ao fim de sua resposta, disse: “A responsabilidade é minha”
Segundo ele, o “status desejado” pelo governo é que o “desmamento se restrinja ao que a legislação (Código Florestal) permite, em 20% (da área) das propriedades, e que não ocorra em terra indígena, em unidade de conservação e área pública não destinada”. Mourão não indicou qual seria o valor desejado, mas rejeitou a meta do PNMC não cumprida de 2020. “Quem disse que os 3.900 km² é o que a legislação prevê que pode desmatar?”
Ele mesmo não deu uma resposta à sua pergunta, mas documentos do Conselho da Amazônia indicam uma intenção de manter a taxa perto da média obsrvada no período 2016-2019, o que daria cerca de 8 mil km² de desmatamento.
O engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do projeto MapBiomas, que também monitora o desmatamento, lembra que a meta de 2020 foi estabelecida dentro de um compromisso internacional do Brasil, assumido em 2009, por ocasião da Conferência do Clima de Copenhague, de voluntariamente reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global. Na ocasião, Azevedo participava do governo federal e ajudou a elaborar os cálculos para definir a meta.
“Não reconhecer essa meta é uma falta de conhecimento ou de compromisso com o que está no regramento brasileiro”, diz Azevedo. Ele ressalta também que estima-se que cerca de 95% do desmatamento que ocorre na Amazônia é ilegal. “Seja porque ocorre em áreas protegidas (teas indígenas, unidades de conservação) ou em áreas de preservação permanente (app) e de Reserva Legal, ou em terras públicas ou em áreas não autorizadas, então o desmatamento que Mourão está falando deveria estar próximo de zero”, afirma.
Historicamente, a principal fonte de emissões no Brasil é a devastação da Amazônia, por isso é importante deixá-lo nos menores valores. Com as altas recentes, o Brasil voltou a aumentar as suas emissões. Além disso, pesa o fato de que a floresta em pé funciona como um importante sumidouro de carbono, uma vez que retira o gás da atmosfera, e assim ajuda a reduzir o aquecimento do planeta.
Desmonte ambiental
Para especialistas, as duas altas consecutivas no Prodes são reflexo de medidas adotadas pelo governo Bolsonaro que minaram a fiscalização dos crimes ambientais na Amazônia. Desde o início da gestão, o presidente se manifestou contrariamente ao que chamava de “indústria da multa”, defendeu garimpeiros e desacreditou dados de desmatamento e de queimadas. Também foram paralisadas as cobranças de multas desde o fim do ano passado.
Em 2019, no auge das críticas aos dados do próprio Inpe que indicavam que a curva passava a ser ascendente, ele acusou o então diretor do instituto, Ricardo Galvão, de estar “a serviço de alguma ONG”, e disse que os dados eram mentirosos. Acabou exonerando o cientista. Depois, chegou a acusar ONGs de botarem fogo na floresta. Medidas do Ibama facilitaram a exportação de madeira do País, novos gastos com o Fundo Amazônia foram paralisados. Neste ano, Salles deu uma declaração que foi interpretada como um resumo da política ambiental do Brasil. Ele defendeu que se aproveitasse a pandemia para ir “passando a boiada.”
“Nada disso é uma surpresa para quem acompanha o desmonte das políticas ambientais no Brasil desde janeiro de 2019. Os números do Prodes simplesmente mostram que o plano de Jair Bolsonaro deu certo. Eles refletem o resultado de um projeto bem-sucedido de aniquilação da capacidade do Estado Brasileiro e dos órgãos de fiscalização de cuidar de nossas florestas e combater o crime na Amazônia. É o preço da ‘passagem da boiada'”, comentou em nota a coalização de ONGs Observatório do Clima.
“Entre as regiões de destaque no desmatamento, estão a região da BR-163 e terra do meio no Pará, onde há avanço nítido sobre áreas de florestas públicas não destinadas e invasão de áreas protegidas. No Pará, os alertas já apontavam áreas protegidas sendo muito desmatadas, como a APA (Área de Proteção Ambiental) Triunfo do Xingu, APA do Jamanxim, Flona de Altamira e terras indígenas Cachoeira Seca, Ituna Itatá e Apyterewa. Todas essas regiões, inclusive, não constavam no roteiro da viagem de campo organizada no início do mês com embaixadores, que centralizou o roteiro no estado do Amazonas, mas não visitou o sul do Estado, onde o desmatamento está completamente fora de controle”, comentou o Greenpeace em nota.
Aprimoramento do Deter
O número do Prodes surpreendeu especialistas, que esperavam uma taxa em torno de 13 mil km². Havia uma estimativa de alta de mais de 30% em relação ao ano passado, porque esse valor havia sido indicado pelo Deter. O sistema apontava uma alta de 34% no consolidado de 12 meses, em relação aos alertas dos 12 meses anteriores.
Conforme o Estadão apurou, não se trata, porém, de um erro, mas de um aprimoramento do Deter. O sistema, que é muito ágil, costumava “perder”, em anos anteriores, uma parcela do que foi, de fato, desmatado. Ao passar por uma área que tinha muitas nuvens, o satélite poderia não ver, num mês, um certo desmatamento e só captá-lo depois.
Por isso, quando o Prodes (um sistema mais detalhista) era divulgado, ela vinha, em geral, com um valor cerca de 25% a 30% maior. Com a melhoria do monitoramento neste ano, ele começa a se aproximar mais do valor real desmatado, daí sua alta não se refletir na mesma proporção no Prodes.
No ano passado, por exemplo, o consolidado do Deter para 12 meses deu 6.844 km², e o Prodes confirmou 10.129 km². Já neste ano, o Deter apontou 9.205 km², mais próximo do valor estimado do Prodes. Este número, no entanto, pode mudar até o primeiro semestre do ano que vem, quando sai a taxa consolidada.