Dados do Greenpeace e do Conselho Missionário Indigenista apontam que invasões de grileiros ameaçam aldeias em ao menos cinco estados.
O Globo, por Cleide Carvalho
SÃO PAULO – As invasões de terras indígenas mudaram de patamar. Pelo menos 20 áreas indígenas da Amazônia, situadas em cinco estados, enfrentam problemas com loteamentos ilegais dentro de seus territórios, alguns deles já homologados. Levantamentos feitos pelo Greenpeace e pelo Conselho Missionário Indigenista (Cimi) mostram que os loteamentos se alastram principalmente pelos estados do Pará, Amazonas, Acre, Rondônia e Maranhão.
As invasões surgem no rastro do desmatamento. Se antes as quadrilhas entravam para cortar árvores, explorar garimpos ou caças, e depois saíam, agora grileiros tentam se estabelecer dentro dos territórios indígenas, ameaçando aldeias. E chegam a vender áreas com a promessa de que as terras serão transferidas para proprietários privados.
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Segundo dados do Inpe, entre agosto de 2018 e julho de 2020, foram desmatados 878,8 km2 dentro de terras indígenas. A área destruída é maior do que tudo que foi desmatado nessas áreas nos cinco anos anteriores — de agosto de 2013 a julho de 2018 — quando foram abaixo 732,7 km² em florestas nativas.
Das dez terras indígenas mais desmatadas da Amazônia este ano, quatro registram denúncias de loteamentos ilegais: Cachoeira Seca, Apyterewa, Ituna-Itatá e Trincheira Bacajá, todas no Pará. Em setembro de 2019, na Operação Verde Brasil, contra queimadas na Amazônia, a Polícia Federal identificou cerca de 15 mil hectares em processo de grilagem na terra indígena Ituna-Itatá, em Altamira (PA).
Incrementos de desmatamento em áreas indígenas Foto: Editoria de Arte
Incrementos de desmatamento em áreas indígenas Foto: Editoria de Arte
O território Ituna-Itatá é interditado em razão da presença de índios isolados, e tem sofrido pressão de políticos locais, que defendem a redução da área, hoje de 142 mil hectares. Um levantamento do Greenpeace identificou que 94% da TI está registrada em nome de proprietários privados por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que não legaliza a posse da terra, mas serve para que eles se declarem donos e geram conflitos de posse.
Na Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé denuncia a existência de ação orquestrada para reduzir o território que, segundo a entidade, já está bastante degradado.
— Eles transformam as áreas desmatadas em cultivos de milho e soja, ou pasto para gado, com apoio e financiamento de fazendeiros e políticos locais — diz Ivaneide Bandeira, fundadora da entidade.
No fim de novembro, três indígenas foram feitos reféns por cerca de 12 horas e foram roubados. Uma roçadeira e um drone doado para ajudar a monitorar as terras foram levados.
A estratégia dos grileiros na Amazônia, segundo Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretário executivo do Cimi, é ocupar a terra com pessoas de baixo poder aquisitivo, com roças pequenas, e construir barracos de madeira, cobertos de amianto, forçando a criação de vilas. Consolidada a ocupação, a área é transferida para grandes empresários, para criação de gado.
Ação conjunta
Segundo Danicley Aguiar, da campanha do Greenpeace na Amazônia, as operações pontuais, feitas contra desmatamento ou queimadas, já não são mais suficientes para conter o avanço do crime organizado na região.
Em Rondônia, numa ação conjunta com outros órgãos federais iniciada em junho de 2019, a Polícia Federal prendeu até agora 23 pessoas, em quatro operações destinadas a impedir a ação de grileiros na TI Karipuna, homologada desde 1998 e localizada em Porto Velho. A última delas ocorreu esta semana, com a prisão preventiva de um dos líderes da quadrilha.
Luiz Carlos Tempestini, delegado regional da PF em Rondônia, afirma que uma associação de produtores rurais promovia reuniões para vendas de lotes dentro da terra dos índios karipunas, com a participação de políticos, que prometiam futura regularização.
— Por se tratar de terra indígena homologada, isso é impossível — diz Tempestini.
Para o delegado, não se tratava de ações isoladas, mas de um grupo criminoso que dividia tarefas, desde o desmatamento até a demarcação e comercialização de lotes dos mais variados tamanhos.
A investigação ganhou corpo depois que um dos líderes dos indígenas, Adriano Karipuna, descobriu no YouTube um vídeo de uma reunião de venda de lotes, quando pesquisava novos materiais para fazer uma oca. Ele conta que os cerca de 60 integrantes da aldeia são constantemente ameaçados e, agora, temem caminhar mais do que um quilômetro dentro da mata para colher castanha, principal fonte de subsistência:
— A gente fica com receio de ir longe, onde colhemos as frutas. Quando a gente sai da aldeia é ameaçado. Dizem que vão nos matar e que vão conseguir ficar com as terras.
O Greenpeace, em parceira com o Cimi, tem ajudado a mapear o deslocamento dos grileiros dentro da TI Karipuna e comemora a redução do desmatamento. Desde que as operações da PF começaram, segundo a organização, a destruição diminuiu pela metade. Este ano foram 8 km².