Greenpeace – Sob intenso monitoramento da sociedade civil organizada, em 2020, a Terra Indígena Karipuna apresentou redução de 62% em relação à taxa de desmatamento de 2018
Dos ruralistas aos economistas, o rompimento de contratos causa indignação e ranger de dentes. Entretanto, a onda de invasão a que estão submetidas as terras indígenas não é alvo de estrondosa indignação e reprimenda dos atores econômicos que tanto bradam por segurança jurídica; especialmente por se tratar de ato de extrema covardia com aqueles que, em regra, pagaram com a vida a ousadia de não aceitar a destruição de seus territórios e suas culturas.
Situada na Amazônia Ocidental, no norte do estado de Rondônia, a Terra Indígena (TI) Karipuna percorreu nada menos que todas as etapas estabelecidas para o reconhecimento oficial previsto na legislação brasileira, tendo sido homologada em 1998. A demarcação garantiu pouco mais de 153 mil hectares à sobrevivência física e cultural do povo Karipuna, que no final da década de 1970 quase foi exterminado, ficando com uma população reduzida a oito pessoas, das quais cinco adultos e três crianças.
Apesar das violações pontuais ocorridas ao longo do processo de reconhecimento até a homologação, é a partir de 2015 que a TI Karipuna experimenta um ciclo organizado de invasões que leva ao crescimento exponencial da taxa de desmatamento do território. Não por acaso, este ciclo encontra seu auge no ano de 2018, em meio à retórica antiambiental e anti-indígena do então candidato à Presidência Jair Messias Bolsonaro, quando o desmatamento do território superou os 1.500 hectares.
Uma análise mais criteriosa do caso Karipuna nos permite compreender que para além da retórica de estímulo à invasão das terras indígenas na Amazônia, a ação de organizações criminosas está na raiz de todo o contexto transgressor dos direitos indígenas. Trata-se de um cenário que requer do Estado uma prática diferente, que vá além dos clássicos instrumentos de comando e controle, e seja capaz de identificar, processar e punir aqueles que, por má fé, exercem a grilagem e a extração dos recursos naturais das terras indígenas.
Conscientes do incentivo de figuras públicas e da existência de uma rede criminosa amplamente articulada, os Karipuna fizeram um movimento ousado: se mobilizaram para demonstrar ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF) que eram reféns no seu próprio território, demandando o desmonte da rede criminosa que havia se estabelecido no interior da Terra Karipuna.
Em face das denúncias apresentadas e após uma série de operações deflagradas para inibir e identificar grupos criminosos que atuavam e atuam no interior da sua terra tradicional, em 2020, análises de sensoriamento remoto realizadas pelo Greenpeace Brasil apontam nada menos que 62% de queda no desmatamento em relação a 2018; demonstrando que, se quisermos garantir a proteção dos direitos indígenas, é imperioso que o combate ao crime organizado que atua no interior e no entorno das terras indígenas da Amazônia seja a prioridade zero do Estado brasileiro.
Diante dos 580 hectares desmatados no interior da TI Karipuna em 2020, e da curva de desmatamento da Amazônia neste mesmo ano, a repressão ao crime organizado que se estabeleceu nesta Terra Indígena deve ser aprofundada e servir de referência para conter a onda de invasão e destruição dos territórios dos povos originários do país. Cabe ao governo Bolsonaro nada mais do que cumprir seu dever de demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas, sob pena de também comprometer o desenvolvimento do país.
Se é verdade que o respeito aos contratos é essencial para agregar riqueza ao país, também é verdade que não se pode mais ignorar a importância das florestas para o equilíbrio do clima e da economia; tão pouco a necessidade de racionalizarmos o uso de nossos recursos naturais, a fim de garantir a infinita fonte de serviços ambientais presentes no território nacional, sem nunca perder de vista o respeito aos direitos humanos.