Imunizantes contra a Covid-19 seriam enviados a indígenas; governo diz que entregou mais que o previsto.
Fabiano Maisonnave, na Folha de São Paulo
O Ministério da Saúde está questionando o governo de Rondônia sobre o desvio de 8.805 doses de vacina contra Covid-19 enviadas ao estado e que deveriam ter sido disponibilizadas aos indígenas.
Via ofício enviado neste sábado (23), o secretário especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Robson Silva, cobra explicações sobre por que a Agência Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa) repassou apenas 2.315 das 11.120 doses de vacinas previstas para o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Porto Velho.
No ofício, Silva afirma que o não repasse contraria o Plano Nacional de Imunização e uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que preveem a inclusão das populações indígenas como grupos prioritários para vacinação.
Ao final do documento, a Sesai “requer imediatamente a plena disponibilização das doses pertencentes ao Dsei de Porto Velho para imunização da população indígena que está sob a responsabilidade do Dsei”.
De acordo com a planilha do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, há 6.113 indígenas acima de 17 anos morando em terras indígenas de Rondônia —o número inclui parte do sul do Amazonas, também atendido pelo Dsei de Porto Velho. O questionamento do Ministério da Saúde leva em conta as duas doses necessárias para a imunização de uma pessoa.
A falta de vacinas causou frustração e revolta. Na Terra Indígena Igarapé Lourdes, do povo arara karo, só foram vacinadas pessoas acima de 45 anos, e profissionais de saúde ficaram de fora, relatou a liderança Shirlei Arara, 33.
“Não tem data prevista nem informaram o motivo”, diz a liderança, não vacinada. “É um desespero muito grande, há muita tristeza e decepção.”
Segundo ela, houve uma morte confirmada e outra suspeita por Covid-19, em uma população de 800 pessoas. Ela afirmou que há um crescimento recente de casos, incluindo três crianças.
OUTRO LADO
O estado de Rondônia é governado pelo coronel da PM Marcos Rocha (PSL), um aliado fiel de Bolsonaro.
Procurado pela Folha, o diretor geral em exercício da Agevisa, Edilson Silva, afirmou que a distribuição das vacinas atende apenas à primeira dose do imunizante e que seguiu o previsto pelo Ministério da Saúde. Segundo ele, a distribuição da segunda dose está assegurada e houve uma falha de comunicação entre os governos federal e estadual.
De acordo com a Agevisa, o Dsei recebeu 3.060 doses e receberá outras 3.060 doses, somando 6.120 doses. “Estamos entregando sete doses a mais”, afirma Silva, ao comparar as doses com a população de 6.113 indígenas.
Tudo indica que a conta do governo de Rondônia considerou uma dose por indígena, e não duas. A reportagem voltou a ligar para Silva, mas não obteve nova resposta.