Oito estados do país já contabilizam, de janeiro a março, metade dos óbitos ocorridos em 2020
O Globo – Evelin Azevedo e Rafael Garcia
RIO e SÃO PAULO — A força da epidemia da Covid-19 em 2021 é tamanha que, em 22% dos municípios do Brasil, o número de mortos registrados pela doença já é igual ou maior que o total de 2020, ano em que a epidemia transcorreu por quatro vezes mais tempo. Em 8 das 27 unidades da Federação, o número absoluto de óbitos neste ano já ultrapassou a metade do ano passado.
Amazonas, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Roraima, Rondônia e Santa Catarina já registraram este ano pelo menos 50% do total das mortes contabilizadas em todo 2020.
O agravamento da epidemia entre um ano e outro se reflete principalmente nas regiões Sul e Norte. No entanto, por todo o país, há cidades que pouco sofreram, mas que, agora, lutam contra um inimigo muito maior.
A Covid-19, além disso, está causando óbitos em locais que haviam sido poupados no ano passado. Um total de 276 municípios (5%) que não tiveram nenhuma morte por Covid-19 em 2020 passaram a registrar óbitos em 2021 (todos pequenos). Restam 268 cidades (5%) que ainda não têm mortes de Covid-19 registradas (todos muito pequenas, só 14 delas com mais de 10 mil habitantes).
Mas a disparidade de força da epidemia em 2021 em relação a 2020 não é exclusividade de vilarejos. Em pelo menos 16 cidades com mais de 100 mil habitantes, a epidemia de Covid-19 no ano de 2021 já é mais mortal que em 2020.
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Estão na lista Santa Cruz do Sul (RS), Chapecó (SC), Santarém (PA), Ji-Paraná (RO), Catalão (GO) e Passos (MG). Quatro cidades paulistas entraram para este ranking: Jaú, Araraquara, Marília e Pindamonhangaba.
Manaus é, por enquanto, a única capital e cidade com mais de 1 milhão de habitantes nessa condição.
A observação da mortalidade por município tem limitações no Brasil, porque muitas cidades com menos de 10 mil habitantes apresentam dados sujeitos a ruído. Há vários, por exemplo, em que só foi registrada uma morte em um ano ou no outro. Mesmo assim o número assusta, dado que a comparação é feita entre um período de pouco mais de dois meses em 2021 com outro com o quádruplo da duração (9 meses no ano passado).
Situação deve se agravar
Os especialistas apontam que a grande mobilidade das pessoas em plena pandemia é o principal motivo para o aumento de casos, que geram um colapso nos sistema de saúde e, consequentemente, fazem o número de óbitos aumentar.
— Essa doença já mostrou que não há rede de saúde, seja pública ou privada, no mundo que aguente sua progressão. Se você deixa o surto rolar, é esperado um colapso nos hospitais de qualquer lugar que seja. Vimos isso em Portugal, Alemanha, Itália. A diferença é a velocidade em que isso acontece. Locais com uma rede de saúde mais enfraquecida apresentam um aumento de mortalidade mais cedo — afirma Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19.
O pesquisador destaca que, com a mudança de perfil dos infectados pela Covid-19 nessa nova onda (internados são cada vez mais jovens), a pressão nos sistemas de saúde deve ser ainda mais agravada.
— Os jovens acabam ficando mais tempo internados porque eles batalham mais pela vida. Isso faz com que eles ocupem o leito por mais tempo e esgotem o sistema ainda mais cedo.
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia está fazendo projeções para entender como a epidemia deve evoluir nos próximos dias e já tem dados para algumas cidades maiores, incluindo Manaus e Curitiba.
Para projetar os números, os pesquisadores usam um método clássico chamado SEIR, que computa os números de pessoas suscetíveis, expostas, infectadas e recuperadas.
Segundo o pesquisador Luiz Duczmal, professor da UFMG, esse é o modelo que foi capaz de prever a entrada de uma segunda onda da Covid-19 em Manaus quando outros cientistas já acreditavam que a cidade tinha um estado avançado de imunidade coletiva.
— Nós sabíamos que essa imunidade de rebanho não fazia sentido, e nós concluímos isso usando um modelo SEIR, que é o “arroz-com-feijão” da epidemiologia — conta Duczmal. — Nós avisamos em agosto que viria a segunda onda, e ela chegou.
Agora Manaus já está com número de óbitos em queda, mas a reabertura recente do comércio e das escola preocupa Duczmal.
— O Brasil nunca teve um grau de isolamento bom depois de julho do ano passado, e em cima disso, agora há volta das aulas presenciais em Manaus e outros municípios — diz. — Houve muito pouco esforço para barrar as comemorações de fim de ano e as aberturas de bares.