Bolsonaro, o Judas brasileiro

Bolsonaro, o Judas brasileiro

Marcos Nogueira, Cozinha Bruta na FSP – E o bacalhau de ontem, estava bom? Melhor pegar leve hoje, porque amanhã é dia de comer chocolate até explodir.

A Semana Santa, que na tradição católica representa a crucificação de Jesus e a milagrosa ressurreição, virou sinônimo de comilança sem limites.

A rigor, só o Domingo de Páscoa deveria permitir a gula desenfreada –ele celebra do fim dos 40 dias de penitência da Quaresma. A Sexta-Feira Santa é o pináculo do luto cristão e, em tese, reservada para a oração e o jejum.

Mas sabemos o quanto dois mil anos de história podem avacalhar um ritual. O jejum passou a admitir refeições leves; depois, tudo menos carne.

Peixe é carne? Vegetarianos responderiam “sim”. Na cartilha católica, porém, ele é parente da batata, da cebola e do azeite. Nasceu assim a bacalhoada sagrada do pré-Páscoa, que o brasileiro come às toneladas. Com litros de vinho, para ajudar a descer.

O Sábado de Aleluia é um ser estranho no feriadão pascal. Sanduichado entre o bacalhau e o ovo de chocolate, ele não tem especialidade culinária alguma.

Em vez de cozinhar e comer, as pessoas aproveitam o sábado para malhar o Judas. Descer o sarrafo no apóstolo que traiu Jesus e, por extensão, a humanidade inteira.

No Cambuci, onde cresci, a malhação do boneco na rua dos Lavapés sempre descambava em murro, pontapé e dedo no olho. Pauta fixa no calendário dos telejornais da hora do almoço, com a polícia dispersando o tumulto na base do jato d’água.

A cada ano, os moradores escolhiam uma figura pública para ser o Judas estraçalhado no asfalto. Um político, geralmente. Catarse em estado bruto.

Que ninguém se aglomere para espancar bonecos de pano hoje; na pandemia, malhemos mentalmente o Judas.

E a corrida eleitoral para o Judas 2021 tem candidato único.

Ele traiu aliados de primeira e de última hora. Traiu o pastor cantor que achava que seria ministro. Traiu o Marreco de Maringá.

Aprontou trairagem da grossa com os fiscais de ânus alheios, que compraram retidão e rigor conservadores –e levaram rachadinhas purulentas.

Traiu a banca de apostas da Faria Lima com promessas de autonomia para a farra liberal. Traiu até os lunáticos da Terra Plana: abandonou-os na porta da igreja para se casar com a amante, que o sustentou por 28 anos na Câmara.

Traiu os milicos que o tomaram por fantoche. Traiu quase 58 milhões de eleitores.

Piedade zero dessa gente traída. Todos conheciam a natureza de judas do Judas. Decidiram, assim mesmo, dar-lhe o voto de confiança.

Também foram traídos os 61% dos brasileiros que optaram por não votar no Judas em segundo turno. Eles esperavam que o Judas tentaria salvá-los na maior epidemia do século –é o mínimo que se pode esperar.

Mas Judas tratou de encaminhá-los para o sacrifício, assim como o Judas bíblico fez com Jesus. Diz o livro que Jesus ressuscitou na Páscoa. Não é uma opção para as vítimas do Coronavírus.

O mesmo livro narra a fortuna de Judas depois da traição: 30 moedas de prata ao pé da fo rca.

Bom chocolate!

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