No momento em que os países tentam acertar o passo para garantir o futuro climático do planeta, a Assembleia Legislativa de Rondônia prefere usar a contramão da história para premiar grileiros de terras públicas e desmatadores ilegais, em prejuízo do conjunto da população.
Por decisão dos deputados na noite de terça-feira (20 de abril), a reserva extrativista de Jaci-Paraná ficará praticamente extinta. Dos 193 mil hectares existentes, sobrarão apenas 22 mil, pouco mais de 10% da área original. O parque estadual de Guajará-Mirim perderá 55 mil hectares, num corte que atingirá inclusive a sede da unidade de conservação, que ficará de fora da área preservada. Os números ainda são estimados. Não houve transparência nessas informações e ainda não estão claros os novos limites propostos.
As terras retiradas das unidades de conservação serão dadas como prêmio a invasores ilegais, que ocuparam a floresta com base na violência. Grileiros que expulsaram as comunidades tradicionais para colocar, em seu lugar, 120 mil cabeças de gado, destinadas inclusive à exportação.
Com essa decisão, a Assembleia Legislativa expulsa indígenas, seringueiros e extrativistas para dar lugar à pastagem e ao boi, que enriquecem alguns poucos poderosos, deixando para a população a conta do prejuízo ambiental. Condena à miséria na periferia das cidades centenas de famílias impedidas de continuar vivendo de maneira sustentável na floresta em pé – que agora cai oficialmente em nome do rebanho de gado.
Essa apropriação ilegal de terras públicas terá impactos diretos e irreversíveis nas terras indígenas Uru-eu-wau-wau, Karipuna, Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão, Karitiana e comunidades em isolamento voluntário na região. Esses povos, que nunca foram consultados sobre as alterações nas unidades de conservação, têm agora ameaçadas sua integridade física, cultural e territorial, ficando expostos à expulsão, à doença e à morte.
Os parlamentares e o governo do estado tentam vender a falsa ideia de que os grileiros são pessoas pobres, que trabalham a terra com as mãos para sustentar suas famílias. Tentam esconder a realidade. Os grandes responsáveis pelas invasões são gente poderosa e influente, que usa posseiros como laranjas. Gente que contrata jagunços armados para expulsar a força, famílias tradicionais que tiram seu sustento da floresta. Pessoas humildes têm dez, vinte ou até cem cabeças de gado, nunca o maior rebanho bovino do estado, comercializado com grandes frigoríficos.
A drástica redução das unidades de conservação é o coroamento de ataques sistemáticos à lei e à ordem, numa história de mais de 20 anos de agressões. Contraria diversas decisões judiciais e dos ministérios públicos Estadual e Federal. Descumpre a legislação vigente e acordos internacionais assinados pelo Brasil. O projeto foi apresentado pelo governador Marcos Rocha e aprovado pelos deputados sem que nenhum estudo técnico fosse apresentado para justificar os cortes.
Na noite de terça-feira, quando as invasões foram legalizadas, parlamentares passaram mais tempo negociando a portas fechadas do que deliberando publicamente. A sessão foi interrompida duas vezes, por mais de três horas no total, numa época em que a população está impedida de acompanhar as sessões presencialmente, em função das restrições impostas pela pandemia.
As negociações sem transparência, ocultas à população, são um retrocesso democrático que torna ilegítimas as decisões da Assembleia. O que aconteceu nessas reuniões secretas? O que foi negociado? Quem participou? São algumas das respostas que os deputados devem à sociedade e à Democracia.
O governador Marcos Rocha tem agora a oportunidade de escolher como quer entrar para a história. Se vetar os projetos criminosos, enviará ao Brasil e ao mundo a mensagem de alguém que cuida das pessoas e da natureza. Se sancionar, mostrará que se alia à devastação, à violência, à grilagem e aos desmatamentos que destroem a Amazônia. Além disso, corre o risco de ser desautorizado pela Justiça, que tem, repetidamente, barrado agressões à floresta e à população.
De nossa parte, não permitiremos a consolidação dessas ameaças. Vamos denunciá-las e lutar de todas as formas, inclusive fora do país se necessário, para defender nossas populações, nossas florestas, nosso clima e nossa Democracia.
Assinam:
Movimento Sos Cerrado
Associação Alternativa Terrazul
FBOMS – Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
GEEMA- Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
SOS Amazônia
Daniel Luis Dalberto – Procurador da República
Aparecida Vilaça – antropóloga/museu nacional UFRJ OPAN – Operação Amazônia Nativa
Ramires Andrade – Advogado
Associação do Povo Indígena Uru Eu Wau Wau – JUPAÚ Associação dos povos karipuna indígenas( APOIKA) Movimento Amazônia na Rua – Recife
Idesam – Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
Instituto Socioambiental – ISA
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
REBEA – Rede Brasileira de Educação Ambiental Almir Narayamoga Suruí
Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí
Rede de Educação Ambiental de Rondônia – REARO
WWF – Brasil