RECUSA DE BOLSONARO PARA COMPRAR VACINAS NA HORA CERTA VAI MATAR 90 MIL BRASILEIROS

RECUSA DE BOLSONARO PARA COMPRAR VACINAS NA HORA CERTA VAI MATAR 90 MIL BRASILEIROS

BRASILIA, BRAZIL - JUNE 23: Brazilian President Jair Bolsonaro stands during ceremony to inaugurate the Main Spacial Operations Center (COPE-P) amidst the coronavirus (COVID-19) pandemic at the Comando de Operações Aeroespaciais on June 23, 2020 in Brasilia. Brazil has over 1.145,000 confirmed positive cases of Coronavirus and 52,645 deaths. (Photo by Andressa Anholete/Getty Images)

The Intercept – Pesquisadores calcularam quantas vidas poderiam ter sido salvas se o governo tivesse aceitado antes as ofertas do Butantan e da Pfizer.

NO ANO PASSADO, quando a pandemia dava sinais de arrefecimento, o presidente Jair Bolsonaro recusou uma série de ofertas para comprar vacinas. Da Pfizer, negou 70 milhões de doses, que teriam sido entregues até dezembro. Disse não várias vezes às 100 milhões de doses da Coronavac que o Butantan prometia para dezembro de 2020. Agora, o preço das irresponsáveis recusas começa a ficar claro: pelo menos 90 mil mortes poderiam ter sido evitadas se o presidente tivesse comprado as vacinas na hora certa. 

O cálculo de vidas perdidas foi feito com um modelo matemático criado por pesquisadores da USP, do Instituto Butantan e da FGV que leva em consideração variáveis como eficácia, cobertura e velocidade de vacinação, além de número de casos e óbitos já registrados. A fórmula está em um artigo, ainda inédito, que foi submetido à revista científica “Theoretical Biology and Medical Modelling” e está em revisão. 

No cálculo, feito no final do ano passado – portanto, antes da segunda onda e do surgimento das novas variantes do coronavírus –, eles estimaram em mais de 40 mil as vidas perdidas pelo primeiro mês de atraso na vacinação por causa da recusa do governo. Agora, pedimos a um dos autores, Eduardo Massad, médico e professor da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas, a FGV, que atualizasse a conta, levando em consideração o cenário atual. E o resultado é ainda pior: “pelo menos 90 mil óbitos poderiam ter sido evitados até o final de 2021 se as ofertas da Pfizer e do Butantan tivessem sido aceitas”, ele me falou. 

No segundo semestre do ano passado, o presidente da Pfizer, Albert Bourla, enviou uma carta a Bolsonaro em que quase implora para que o presidente aceite a oferta de 70 milhões de doses. “Quero fazer todos os esforços possíveis para garantir que doses de nossa futura vacina sejam reservadas para a população brasileira, porém celeridade é crucial devido à alta demanda de outros países e ao número limitado de doses em 2020″, ele escreveu. 

Bourla afirma no documento que sua equipe havia se reunido com representantes dos Ministérios da Saúde e da Economia e da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos para apresentar a proposta. “Sabendo que o tempo é essencial, minha equipe está interessada em acelerar as discussões sobre uma possível aquisição e pronta para se reunir com Vossa Excelência ou representantes do Governo Brasileiro o mais rapidamente possível”, disse o executivo. Mas não recebeu sequer uma resposta.

Na época, Bolsonaro negou qualquer acordo, criticando as cláusulas do contrato com o laboratório. “Lá na Pfizer, está bem claro lá no contrato: ‘nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré, é problema seu, se você virar super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso”. 

Já o Instituto Butantan fez diferentes ofertas. A última delas prometia o fornecimento de 100 milhões de doses da Coronavac a partir de dezembro.

Em outubro, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em uma reunião com governadores, chegou a anunciar o investimento na Coronavac. Mas foi desautorizado na sequência pelo presidente Jair Bolsonaro, que tomou a decisão de não comprar a “vacina chinesa”.

O contrato com o Butantan só foi assinado no dia 7 de janeiro. Já as negociações para a compra da vacina da Pfizer só foram iniciadas no começo de março. O acordo para a compra de 100 milhões de doses, anunciado no dia 19 daquele mês, previa a entrega de 13,5 milhões de doses entre abril e junho e, das 86,5 milhões de doses restantes, entre julho e setembro. Os termos do acordo eram os mesmos que a Pfizer tinha imposto antes – ou seja, com a recusa, Bolsonaro sequer conseguiu melhores condições. Só atrasou a chegada das doses. Depois, ainda quebrou o contrato ao divulgar o acordo, que tinha uma cláusula de confidencialidade – o que pode vir a nos custar a perda das doses.

Em 14 de abril, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga prometeu uma entrega escalonada de 15,5 milhões de doses da vacina da Pfizer entre abril e junho, antecipando a entrega de 2 milhões do total de doses contratadas para o primeiro semestre. O bolsonarismo alardeou que conseguiu “antecipar” a entrega das vacinas para o final de abril – quando, na verdade, elas poderiam estar imunizando brasileiros desde dezembro.

Uma semana depois, o ministro anunciou que a vacinação dos grupos prioritários só terminará de acontecer em setembro – e não mais em maio. Jogou a culpa no atraso da entrega das doses previstas no consórcio Covax Facility. Não mencionou as recusas do chefe.

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