No De Olho Nos Ruralistas– Secretário de Assuntos Fundiários é genro de Alcides Parzianello, que comprou 67 mil hectares de terras indígenas na região de Tangará da Serra (MT); ele articulou medida responsável por excluir 237 territórios que ainda passam por processo de demarcação
Por Mariana Franco Ramos
O secretário de Assuntos Fundiários da Presidência, Luiz Antonio Nabhan Garcia, afirmou que o Executivo aprova o Projeto de Lei 510/2021, conhecido como PL da Grilagem, inclusive para latifúndios, e defendeu que o texto seja discutido apenas entre parlamentares. Nabhan participou nesta quinta-feira (29) de audiência pública da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado.
— Temos que nos beneficiar do que a tecnologia moderna pode nos oferecer. Em nome do governo federal, estamos parabenizando esse projeto de lei, que vai ao encontro da vontade de todos.
Como forma de defender os grandes proprietários, ele disse que, por parte do governo, não há pretensão de “discriminar” ninguém. “Temos que regularizar a todos: os pequenos, os médios e os grandes, infelizmente”, argumentou. “Pela própria Constituição, muitos ficarão de fora, porque o limite que se estabelece é de 2.500 hectares”.
RURALISTA ARTICULOU MEDIDA QUE DIMINUI PROTEÇÃO A TERRAS INDÍGENAS
Homem de confiança de Jair Bolsonaro e autodeclarado inimigo da reforma agrária, o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) é ligado a milícias rurais que levaram terror à região do Pontal do Paranapanema (SP) entre os anos 1990 e 2000. Ele teve participação direta na Instrução Normativa nº 9/2020, da Fundação Nacional do Índio (Funai), que promove uma reviravolta na política indigenista.
A medida altera o procedimento de análise e emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites, documento utilizado para certificar que imóveis rurais não incidam sobre áreas com presença indígena cadastradas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), plataforma gerida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Ela é responsável por excluir 237 territórios que ainda passam por processo de demarcação, tornando possível sua ocupação, venda e loteamento. A alteração foi tema de reportagem do De Olho nos Ruralistas: “Medida que reduz proteção a terras indígenas foi articulada por Nabhan Garcia“.
SOGRO ADQUIRIU ÁREA DO TAMANHO DO BAHREIN
O secretário é ainda genro do fazendeiro Alcides Juraci Parzianello, falecido em 2014, que foi acusado de invasão de propriedade, má-fé e calote. Nos anos 80, Parzianello comprou 67 mil hectares de terras indígenas em Diamantino e Tangará da Serra (MT). A relação também foi retratada em reportagem do observatório: “Sogro de Nabhan Garcia comprou 67 mil hectares de terras indígenas no Mato Grosso nos anos 80“.
A propriedade com o nome de uma freira carmelita foi o pivô de uma saga jurídica que durou mais de trinta anos. O processo tramitou no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, onde mora a família Parzianello, e foi iniciado pelos herdeiros de Waldemar Zwicker Filho, responsável pela venda das terras. Alcides morreu ao longo do processo e seu espólio passou a responder à ação.
Nabhan é casado com a médica Maria Angela Parzianello Nabhan Garcia, sócia dele em uma consultoria de Presidente Prudente (SP). Ela é filha de Alcides Parzianello. Somente a área da fazenda incidente em terras indígenas abrange um território do tamanho de Bahrein, ou de Singapura.
SENADOR IRAJÁ, AUTOR DA PROPOSTA, É FILHO DE KÁTIA ABREU
O projeto que ficou conhecido como PL da Grilagem é de iniciativa do senador Irajá Abreu (PSD-TO), filho da senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO), e trata, entre outros pontos, da prorrogação da data limite para que invasões de terras públicas ocorridas até 2014 sejam regularizadas. A proposta permite que áreas de até 2,5 mil hectares sejam repassadas para os ocupantes do terreno sem a necessidade de vistoria.
Irajá foi o relator da Medida Provisória (MP) Nº 910/2019, conhecida como MP da Grilagem, um dos símbolos do avanço de latifundiários sobre terras públicas. A MP caducou, por não ter sido apreciada no prazo legal. Desde então, os ruralistas passaram a apostar em projetos de lei que, com pequenas variações, repetem as mesmas proposições.
O relator do PL 510, por sua vez, é Carlos Fávaro(PSD), ex-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja) e vice-governador entre 2015 e 2018. Em 2018, ele foi denunciado pelo Ministério Público do Mato Grosso (MP-MT) por ter agido para impedir a fiscalização do Parque Estadual Serra Ricardo Franco.
À época, Fávaro negou as acusações e alegou que outros inquéritos sobre o mesmo tema já tinham sido arquivados após a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o estado de Mato Grosso e a Promotoria de Justiça de Vila Bela da Santíssima Trindade.
“Não medirei esforços para tirar do papel esse sonho antigo, que é a nossa carta de alforria”, escreveu o sojicultor, em sua conta no Twitter, sobre o PL da Grilagem. Na audiência, ele rebateu o que chamou de críticas antecipadas à matéria: “Nós não precisamos ter esse tipo de preconceito, nós temos que vir para dentro do debate”.
PLATAFORMA MOSTRA QUE ÁREAS PRIVADAS SÃO AS MAIS DESMATADAS
Durante o encontro, a pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), explicou que a atual legislação já atende a demanda pela titularidade da terra e, com o projeto, há o risco de estimular mais desmatamento. As informações são da Agência Senado.
Segundo o MapBiomas — plataforma on-line que mapeia o uso da terra no Brasil — as áreas mais desmatadas nos últimos 35 anos são justamente as privadas, enquanto as mais conservadas são as áreas públicas protegidas. A pesquisadora salientou que o desmatamento que ocorre nas florestas públicas está acontecendo justamente para forçar a privatização dessas áreas.
— É um ciclo histórico que se repete aqui na Amazônia. Começa com a ocupação, com a invasão de uma terra pública; seguido de desmatamento para demonstrar o uso dessa área. Na sequência, o imóvel é loteado, é inscrito em cadastros, como o Cadastro Ambiental Rural. Quem ocupou pede um título de terra para esse imóvel, muitas vezes acaba vendendo essa ocupação para terceiros que acabam comprando muitas vezes de boa-fé, sem saber de que se trata de uma área ilegalmente ocupada.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |