Folha de São Paulo – Pesquisa Datafolha inédita sobre o perfil e as opiniões da advocacia brasileira mostra que a maioria de advogadas e advogados considera o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ruim ou péssimo.
A reprovação entre os integrantes da classe é de 54% e supera o índice verificado entre a população em geral, que é de 45%, conforme apurado recentemente pelo instituto.
O levantamento também revela que mais de dois terços da advocacia —69% do total— declaram ter posicionamento político de centro, incluindo as orientações de centro, centro-esquerda e centro-direita.
Esse dado indica que a categoria profissional está mais ao centro no espectro político do que os cidadãos brasileiros em geral, de acordo com pesquisas do Datafolha.
A pesquisa também contemplou a opinião da advocacia em pautas de costumes e de segurança pública. A classe apresentou posições mais liberais em relação ao aborto e à criminalização das drogas e também se mostrou mais favorável à posse de armas, na comparação com levantamentos mais amplos.
Ainda assim, os resultados apontam que a categoria está bastante dividida sobre essas questões. O Datafolha indica também que a maioria da advocacia (60%) entende que a principal causa da criminalidade é a falta de oportunidades iguais para todos.
Realizado por telefone entre os dias 26 de fevereiro e 8 de março, o levantamento ouviu 303 advogados, das cinco regiões do país. Os resultados foram ponderados por sexo, idade e região, conforme os dados do quadro da advocacia da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Essa é a quarta de uma série de reportagens da Folha para apresentar e discutir os dados da pesquisa. O trabalho do Datafolha foi encomendado no âmbito da FolhaJus, iniciativa do jornal voltada para os assuntos do mundo jurídico. A margem de erro da pesquisa é de seis pontos percentuais, para mais ou para menos.
A pesquisa teve apoio da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), que ajudou a Folha a fazer parceria com a empresa Digesto para a extração das informações públicas que integram o Cadastro Nacional dos Advogados, mantido pela OAB. A Digesto organizou os dados públicos em arquivos que serviram de base para o Datafolha.
Segundo a pesquisa, enquanto a parcela dos que avaliam a gestão Bolsonaro como ruim ou péssima é quase 10 pontos maior na advocacia, na comparação com a população em geral, os percentuais daqueles que aprovam o governo estão mais próximos nos levantamentos do Datafolha, e a diferença está dentro das margens de erro das pesquisas.
A apuração no âmbito da advocacia indica que 28% da categoria considera a administração do presidente ótima ou boa, enquanto entre a população em geral o índice é de 24%, a pior taxa desde o início do mandato.
Entre a classe profissional, o percentual daqueles que julgam o governo regular é de 18%. Já o levantamento mais amplo mostrou que 30% dos brasileiros têm essa posição.
A pesquisa que ouviu as advogadas e advogados brasileiros foi realizada anteriormente à abertura da CPI da Covidno Senado, em que o governo vem sendo duramente criticado, mas ainda assim a gestão recebeu uma avaliação pior da categoria jurídica.
Os percentuais tiveram variação significativa para alguns segmentos. Entre os advogados católicos, 59% avaliam o governo como ruim ou péssimo, e 24% como ótimo ou bom. Já em relação ao contingente de evangélicos, o quadro praticamente se inverte: 52% consideram o governo ótimo ou bom, e 33% ruim ou péssimo.
Indagados sobre em qual posição política se colocavam, as advogadas e advogados brasileiros se classificaram majoritariamente ao centro do cenário político. Entre os entrevistados, 26% se autodeclaram de centro, 24% de centro-direita e 19% de centro-esquerda.
Nos extremos do espectro político, 9% se posicionam como de esquerda e 14% como de direita. Disseram não saber 7%.
Comparativamente, em pesquisa Datafoha realizada em dezembro de 2019, 45% da população brasileira se posicionaram como de centro. Na subdivisão desse total, 24% das pessoas se classificaram como de centro, 12% como de centro-direita e 9% como de centro-esquerda, ou seja, em índices inferiores aos apurados entre a advocacia.
Ainda no levantamento de 2019, 28% se posicionaram como de direita e 17% como de esquerda.
Entre a advocacia, quase metade dos entrevistados (46%) avalia que a lei sobre o aborto deve continuar como está, e 5% dos advogados defendem que o aborto deve ser proibido em qualquer situação.
Já o percentual favorável a flexibilizações soma 48%, sendo que desse total 32% acreditam que o aborto deve ser permitido em mais situações e 16% em qualquer situação.
Hoje a lei permite o aborto em casos de estupro e quando a vida da gestante está em risco, e o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou lícita uma terceira situação para permitir o ato, a de diagnóstico de feto anencéfalo.
Os resultados do levantamento variam significativamente para alguns segmentos. Entre quem se posiciona como de direita, por exemplo, 61% defendem que a lei deve permanecer como está. Já entre aqueles que afirmam ser de esquerda, essa mesma ideia é apoiada por apenas 9% dos entrevistados.
Enquanto 45% dos entrevistados de esquerda entendem que o aborto deve ser permitido em mais situações, essa medida é apoiada por apenas 22% dos advogados de direita.
Já o índice de mulheres na advocacia que defende que o aborto seja permitido em qualquer situação (20%) é quase o dobro do de homens (11%).
No âmbito da direita, 15% defendem que o aborto deve ser proibido em qualquer situação. O percentual daqueles que concordam com a vedação total do procedimento chega a 7% entre católicos e a 5% entre evangélicos.
A posição da advocacia quanto a este tema é menos restritiva do que a da população em geral, na comparação com pesquisa Datafolha de dezembro de 2018.
Esse levantamento mostrou que à época 41% da população defendiam que o aborto deveria ser proibido em qualquer situação. Já a pesquisa deste ano entre a advocacia revelou que apenas 5% da classe profissional têm essa posição.
Quanto ao tema da união civil de pessoas do mesmo sexo, o Datafolha mostra que a maioria (80%) da advocacia é favorável a esse instituto jurídico, enquanto 13% se manifestaram como contrários e 6% como indiferentes.
Assim como nos posicionamentos sobre o aborto, há diferença expressiva considerando os segmentos religiosos. Entre os católicos, o percentual de entrevistados favoráveis ao direito atingiu 85%, quase o dobro do percentual entre os evangélicos, que foi de 44%.
Ainda que em menor grau, houve variação a depender da faixa etária dos entrevistados. No grupo dos que têm entre 18 e 34 anos, 88% dos advogados manifestaram concordância em relação à união civil, enquanto entre os advogados com 45 anos ou mais, o percentual foi de 67%.
A advocacia se mostrou dividida quanto à posse de armas: 51% dos entrevistados declararam contrariedade, e 47% defendem que ela seja um direito do cidadão. Outros 2% afirmaram não saber.
Os advogados foram questionados se “a posse de armas deve ser proibida, pois representa ameaça à vida de outras pessoas” ou se “possuir uma arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender”.
Enquanto 61% das mulheres responderam que a posse de armas deve ser proibida, um percentual menor de homens (41%) teve esse mesmo entendimento.
Pesquisa Datafolha de julho de 2019 com a população em geral teve resultados bem diferentes. Dois terços —66%— dos entrevistados defenderam a proibição, enquanto 31% a legalização.
Criminalização das drogas
Em relação à criminalização das drogas, um pouco mais de dois terços da advocacia manifestou apoio a essa medida.
Enquanto 68% dos entrevistados concordam com a frase “o uso de drogas deve ser proibido porque toda a sociedade sofre com as consequências”, outros 26% preferiram aderir à ideia de que “o uso de drogas não deve ser proibido, porque é o usuário que sofre com as consequências”.
Houve diferença significativa a depender do posicionamento político. Entre quem se posicionou como de direita e de centro, o percentual dos que consideram que o uso deve ser proibido é de 90% e 70%, respectivamente. Já entre os que se autodeclararam como de esquerda, o índice é de 56%.
Em pesquisa Datafolha com a população brasileira feita em junho de 2017, 80% dos entrevistados defenderam que o uso de drogas deveria ser criminalizado e 17% manifestaram contrariedade à medida.
O levantamento do instituto no âmbito dos profissionais do direito também abordou o tema da criminalidade. A maioria (60%) da advocacia concorda com a ideia de que a falta de oportunidades é a maior causa do fenômeno. Outros 34% acreditam que a principal causa da criminalidade é maldade das pessoas.
Assim como nos demais temas relacionados à segurança pública, neste também houve diferença significativa de acordo com o posicionamento político dos entrevistados.
Enquanto entre os de esquerda é de 75% o percentual dos que acreditam que a falta de oportunidades é a maior causa da criminalidade, entre os de direita o índice cai para 31%.
Também por religião houve variação relevante, já que 58% dos evangélicos concordam com a afirmação de que a maldade das pessoas é a maior causa da criminalidade, e cerca de um terço (34%) dos católicos corrobora essa ideia.
Já pesquisa Datafolha de junho de 2017 mostrou, na população brasileira, percentual majoritário de pessoas que entendia que a maior causa de criminalidade é a maldade das pessoas (56%), enquanto 41% disseram acreditar que o principal motivo era a falta de oportunidade iguais.