Desde que foi para as ruas pela primeira vez, em 1978, bandeira colorida se tornou símbolo universalmente conhecido
Edison Veiga DW
Ao longo de junho, quando comemora-se mundo afora o Mês do Orgulho LGBT, as cores do arco-íris estão em toda parte – de perfis de redes sociais a logotipos temporários de empresas que posam como inclusivas. Ao longo das últimas décadas, a bandeira colorida se tornou uma marca conhecida universalmente.
“Arrisco dizer que seja, excetuando as de países fortes como os Estados Unidos, a bandeira mais conhecida do mundo. É reconhecida do sertão do Cariri, região pobre do Nordeste do Brasil, a Bangladesh”, afirma o jornalista e ativista Welton Trindade, coordenador do coletivo Brasília Orgulho. “Que outra bandeira tem esse poder?”
Criada pelo designer Gilbert Baker (1951-2017), por encomenda do político e ativista gay Harvey Milk (1930-1978), a bandeira arco-íris foi para as ruas pela primeira vez em São Francisco, nos Estados Unidos, em 1978. E de lá ganhou o mundo.
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Em sua primeira versão, eram oito faixas. Às sete cores tradicionais do arco-íris — vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta — somava-se o rosa. A primeira alteração reduziu a representação de oito para seis cores: e foi assim, com apenas seis faixas, que a bandeira LGBT se tornou um ícone mundial.
Professor na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e autor do livro A Cor Como Informação, o jornalista Luciano Guimarães conta que essa alteração teve explicação “exclusivamente econômica e fabril”. “Era bem mais fácil encontrar os tecidos nas cores que permaneceram, consequentemente, a valores mais baixos”, contextualiza.
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“Depois, por um certo tempo, a bandeira teve uma faixa em preto em referência às vítimas da aids, como luto. As faixas nas cores vermelho, laranja, amarelo, verde, anil e violeta formam a bandeira que hoje é universalmente reconhecida como símbolo do orgulho LGBT+ e, fora uma ou outra tentativa comercial de definir com precisão os matizes como correlacioná-los a cores de alguma escola de padronização, como a Pantone, as pequenas variações não enfraquecem o símbolo”, prossegue. “A ordem das cores na sequência das faixas é determinante, a precisão do matiz, não.”
Afirmação positiva
Antes do arco-íris, houve uma ideia dentro do movimento de se apropriar do triângulo rosa que os nazistas utilizavam para marcar os prisioneiros classificados como homossexuais nos campos de concentração. Com a inversão do triângulo, colocando o vértice para cima e, assim, dando ao sentido original, negativo, uma “afirmação positiva”.
A referência ao passado de perseguição, porém, pesou contrariamente. “Alguns veem como equívoco esse resgate do triângulo rosa, mas eu acho que não. A cruz na qual Cristo foi martirizado até hoje é símbolo [do cristianismo], de modo que eu acho que o triângulo rosa pode ser mantido como ícone, lembrando de um episódio dramático na história LGBT”, afirma o sociólogo e antropólogo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia e fundador da organização não governamental Grupo Gay da Bahia.
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Quando criou a bandeira, Baker atribuiu um significado positivo a cada uma das faixas — sexualidade, vida, cura, luz do sol, natureza, magia e arte, harmonia, espírito humano. Guimarães analisa que, incorporado como símbolo, o sentido produzido é o do conjunto das faixas coloridas.
“Com cores de matizes básicos, intensos e vivos, cada uma carregada de simbologia e expressão próprias, essa bandeira consegue passar tanto uma mensagem de intensidade e alegria quanto de lugar de todos, mais como lugar de direito do que busca pela inclusão, no sentido de reconhecimento da diversidade em si”, comenta.
“A sexualidade é um oceano, e não adianta queremos fazer dela um aquário. Somos 8 bilhões de pessoas, 8 bilhões de orientações sexuais, 8 bilhões de identidades e expressões de gênero. O arco-íris mostra isso: você pode ser verde, pode ser amarelo — temos de estar juntos, todos somos humanos”, reflete o pedagogo e ativista Toni Reis, diretor-presidente da organização Aliança Nacional LGBTI+. “É a diferença na diversidade. E o arco-íris passa essa harmonia: cada um com seu jeito, sua forma, todos se respeitando.”
Antes dos LGBT, os hippies já haviam utilizado essa paleta de cores do arco-íris, em “oposição à sobriedade monocrática que regia a ordem moral vigente”, lembra Guimarães. Enquanto os primeiros queriam romper o status quo, os ativistas LGBT passaram a buscar reconhecimento, respeito e direitos.
A simbologia do arco-íris
O arco-íris, como fenômeno da natureza que sempre fascinou o homem, faz parte de mitologias ancestrais. No folclore irlandês, um leprechaun pode levar a um pote de ouro no final do arco-íris. Depois do dilúvio, segundo a Bíblia, Noé viu um arco-íris.
“O arco-íris pode tanto ser apenas o próprio arco-íris, independente do número de cores, como na bandeira do estado de Pernambuco, como pode representar algum conceito, como paz ou nova era, como na bandeira verde do Greenpeace e na bandeira PACE, surgida em 1961 na Itália, provavelmente inspirada na bandeira da paz mundial desenhada em 1913 pelo pacifista americano James William van Kirk, na qual as sete faixas de cores do arco-íris aparecem conectadas a um globo”, diz Guimarães.
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Na heráldica, o arco-íris costuma ser tratado como aquele que agrega em vez de separar. “A ideia de paz não é a religiosa, mas a política”, afirma o professor. “O simbolismo também pode ter origem em uma cultura material rica em pigmentos, como a bandeira Wiphala e a bandeira da cidade de Cuzco, ambas inspiradas na artesania de povos originários indígenas.”
A criação de Baker para o movimento LGBT, por sua vez, tem o significado semelhante ao da primeira bandeira criada pelo movimento cooperativista, nos anos 1920: convivência, compartilhamento, harmonia.
Novas versões
Ao mesmo tempo que o movimento LGBT passou a incorporar sistematicamente novas letras em sua sigla, com o objetivo de abranger o máximo de minorias — já foi chamado de GLS, hoje, além da consolidada LGBT, há LGBTI, LGBTI+ ou LGBTQIA+ — há quem defenda a inclusão de cores representativas desses grupos na bandeira.
“Surgem com alguma frequência propostas para o redesenho da bandeira original do orgulho gay”, comenta Guimarães. Ele cita duas como sendo as de maior destaque: a formulada pelo ativista Michael Page, uma bandeira LGBTQIAP+ Racial, com uma faixa preta e uma marrom antes da vermelha; e a obra do designer Daniel Quasar, em que faixas em branco, rosa, azul, marrom e preto formam um grafismo em “v”, como se fosse uma seta da esquerda para a direita.
“As novas cores nessas bandeiras, no entanto, seguem outra lógica de simbolização: não designam mais valores naturais e espirituais da humanidade, como na versão original de Baker, mas apontam diretamente para representações raciais e de gênero: branco para pessoas não binárias; rosa, que na bandeira original representava sexualidade, nesta representa a mulher; azul para os homens; marrom para pessoas não brancas; e preto para pessoas pretas”, explica o professor.
De acordo com levantamento realizado por Trindade, analisando imagens de cerca de 300 eventos de orgulho LGBT de todo o Brasil, o uso de variações da bandeira não chega nem a 1%.
Entre os ativistas, a discussão está aberta. Mott, por exemplo, considera que a clássica de seis faixas, “pelo significado histórico e simbólico, abarca todo mundo” e que “todas as letras dessa sopa de letrinhas deveriam se sentir contempladas”.
Trindade é radicalmente contra o redesenho da bandeira, afirmando que representações diferentes enfraquecem o movimento, “tanto do ponto de vista simbólico quanto de valores”.
“Tem sido causa de rachas internos e desagregação”, comenta. “Defender a bandeira arco-íris não é apego a uma questão estética. Trata-se de valores. Somos um movimento plural, que abarca muitas identidades. A bandeira arco-íris está nesse espírito porque não representa só uma parte dessa diversidade.”
Para Reis, por sua vez, mudanças são bem-vindas. “A única questão permanente na nossa vida é a mudança. Tem mudanças que ficam, outras que não ficam. Pessoalmente, eu uso a bandeira arco-íris original, mas se querem mudar, que mudem. Se pegar, pegou”, diz ele.
“Ainda acho a bandeira de seis faixas o mais forte símbolo para todas as inclusões e variações nas lutas da comunidade LGBT porque, desde o início, a representação não está no que cada cor simboliza, mas no uso da bandeira em si”, comenta Guimarães.
“Apesar disso, as faixas que apontam para a pauta racial podem ser interpretadas como uma camada a mais na defesa dos direitos LGBT, particularmente em países como o Brasil, em que pretas e pretos gays, lésbicas, transgêneros e não binários sofrem mais violência física e moral.”