“O primeiro anjo tocou a sua trombeta, e granizo e fogo misturado com sangue foram lançados sobre a terra. Foi queimado um terço da terra, um terço das árvores e toda a relva verde” (Apocalipse 8:7).
Por Marcelo Lucian Ferronato, Biólogo; Mestre em Ciências Ambientais; Doutor em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente; Ação Ecológica Guaporé – Ecoporé; Laboratório de Heurística de Sistemas Agroalimentares da Amazônia – LaHorta
“Enquanto a lei não for inconstitucional, cumpra-se”! É o que diz o deputado estadual Jair Montes em vídeo divulgado no último domingo (27/06/21) ao cobrar o secretário do órgão ambiental estadual, Sedam, Marcílio Dias, que cancelasse operações de fiscalização contra o desmatamento ilegal, queimadas e grilagem, que ocorrem na região do Parque de Guajará- Mirim.
No vídeo, exige que o órgão ambiental se abstenha de cumprir seu papel de enfrentamento ao crime ambiental. Para falar a verdade, penso que logo vai surgir um sabido pedindo para acabar com a Sedam, afinal a impressão é de que o órgão não passa de um estorvo às sandices e devaneios “anti-floresta”. Não há um que reconheça o papel estratégico do órgão que carrega o desenvolvimento em seu nome.
O discurso que vemos no vídeo é a consequência desastrosa da lei aprovada, pela Assembleia Legislativa de Rondônia e sancionada pelo governador em maio de 2021, que extirpou a Resex Jaci-Paraná e estuprou o Parque Estadual de Guajará-Mirim. Foi o maior prêmio já oferecido a grilagem de terras associado ao crime ambiental organizado. Nunca na história do Brasil, tantos hectares de áreas de conservação foram riscados do mapa de uma só vez em benefício de usurpadores de terras públicas.
Essa lei repercutiu imediatamente, de maneira tão negativa, que já causa outros conflitos e invasões que pipocam em outras reservas ambientais, estado afora. Logo isso tomará uma dimensão que será incapaz de ser contida, ainda mais com a massiva mobilização “anti-natureza” dos parlamentares. É um convite a grileiros, cada vez mais empoderados, para realizar novas invasões e abrir novas frentes de desmatamento. Na prática, o efeito pedagógico é de que crime ambiental compensa. É como dizer: vai lá, cria uma associação, inventa o sonho da terra prometida, faz tudo errado que depois damos um “jeitinho” de regularizar. Não faremos resistência, apenas apoiaremos.
É importante lembrar que em maio de 2021, o desmatamento em Rondônia foi (300%) maior do que em maio de 2020. Esses números subiram sistematicamente nos últimos 5 anos. Claramente os discursos políticos pró-destruição e “contra-conservação” das riquezas naturais vem dando certo. É como se 1,5 milhões de habitantes de Rondônia, jogassem toda riqueza natural do estado no colo de meia dúzia de invasores de terras públicas.
Os deputados rondonienses fazem e acontecem sem nenhuma oposição ou resistência. Estão provocando o primeiro Anjo do Apocalipse a soar sua trombeta e lançar fogo misturado com sangue sobre à terra, queimando um terço da terra, um terço das árvores e toda a relva verde (Apocalipse 8:7). Sim queridos leitores, está em curso é a maior destruição de florestas pelo fogo, e do sangue dos conflitos agrários deste século.
E isso ocorre com o apoio público de quem deveria zelar pelo bem-estar coletivo e equilíbrio ambiental e acatar o artigo 225 da constituição. Afinal, “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Sinceramente, não sei qual a dificuldade de entender que equilíbrio ecológico é essencial para vida saudável e próspera. Esse artigo não é mero enfeite, foi escrito porque existe um propósito em existir. Porém, nas entrelinhas do discurso de Montes, nota-se que é preciso consolidar rapidamente as invasões, antes de qualquer reversão judicial, pois, ele mesmo afirma que a lei aprovada poderá ser revista pelo tribunal de justiça no caso de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), e pode sim ser declarada inconstitucional. “Enquanto a lei não for inconstitucional”, ou seja, até lá corram, a porteira está aberta para tocar a boiada, mas pode fechar.
Pode até ser ilusão de um rondoniense que ainda crê na justiça social. Porém, eu ainda tenho fé e acredito que um dia haverão por aqui legisladores que pensem no equilíbrio da relação homem-natureza e campo-floresta. Que sejam preocupados em proporcionar investimentos tecnológicos para alcançarmos melhor produtividade! Não parece racional desmatar uma rica floresta para produzir menos de 2 cabeças de gado por hectare, é vergonhoso. Tampouco parece ser racional, parlamentares que defendem desmatadores de florestas públicas, e no dia seguinte se dizem preocupados a conservação das águas e que é necessário recuperar as matas das “beiras dos rios”. Parece insano sei, mas é frequente ouvir isso.
Ainda sonho que talvez um dia, possa haver a redistribuição de terras outrora desmatadas e surrupiadas dos agricultores familiares, que se tornaram latifúndios, a quem de fato precisa delas para produzir comida e viver com suas famílias. Tem gente que acha isso coisa de comunista, chamo de justiça social e econômica. Os que tem coragem de fazer uma análise razoável e ampla sobre os conflitos agrários, sabe que isso ocorre pela concentração de terra. É matemática, pouca gente com muita terra e muita gente com pouca terra.
O que acho mais estranho é que nenhum parlamentar oferece uma migalha de apoio à Sedam para o combate ao crime ambiental. Ocorrem aos montes, retaliações, ameaças ao corte de orçamento para operações de fiscalização, convocações constantes de secretários para esclarecimentos, pressão por alterações nos regimentos para que se passe a boiada, etc. Isso ocorre na mesma frequência para os demais secretários do governo?
Quem sabe um dia, nossa sociedade entenderá que as políticas estimuladoras da destruição da natureza são contrárias ao bem-estar coletivo e a similaridade social (prefiro o termo similaridade a igualdade, afinal somos diferentes, mas temos as mesmas necessidades para viver minimamente bem).
A política “anti-ambiental” rondoniense é versão moderna dos quatro cavaleiros do apocalipse. Aliás, esse livro bíblico é uma sugestão excelente de pregação a “pseudo-pastores” associados as invasões das unidades de conservação por essas bandas. Fica a dica!
Para ouvir:
https://open.spotify.com/episode/6GSlqN731qs4Ub5sf9JXvE?si=iTppcwbhQmyFa3vmQ- jqQg&dl_branch=1