Crusoé – Diante da proibição de doações empresariais a campanhas políticas, o Congresso buscou, em 2017, uma opção para custear santinhos, a instalação de comitês, carros de som e o que mais os candidatos considerassem necessário para conquistar votos. A solução foi a criação de um fundo abastecido pelo dinheiro do contribuinte. À época, deputados e senadores fixaram regras capazes de direcionar aos caixas de campanha 1,8 bilhão de reais no pleito do ano seguinte. Nas duas casas, porém, a chancela não deixou digitais: as votações aconteceram de forma simbólica, formato em que não há registro individual de votos dos parlamentares.
Quatro anos depois, a história se repetiu — só que com escárnio ainda maior. Apesar da delicada situação das contas públicas e de o país ainda vivenciar números alarmantes de infecções e mortes decorrentes do vírus da Covid-19, agravados pela falta de vacinas, o Parlamento abriu espaço para a elevação da verba do fundo eleitoral de 2 bilhões de reais para 5,7 bilhões de reais, por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 — a bolada vai irrigar as campanhas políticas do ano que vem. Mais uma vez, o placar eletrônico do Congresso omitiu os nomes dos congressistas favoráveis ao golpe. Agora, cabe ao presidente Jair Bolsonaro sancionar ou vetar o texto.
Pelas regras de distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, quem mais irá faturar são os partidos com as maiores representações na Câmara e no Senado. PT e PSL, portanto, foram os principais beneficiados pela mudança. Consultores legislativos estimam que as legendas contarão com quase 600 milhões de reais, cada uma, para investir em candidaturas na próxima corrida eleitoral. De acordo com os técnicos, o partido que elegeu Jair Bolsonaro será agraciado com 595,9 milhões de reais, num crescimento de 199% em relação aos 199,4 milhões de reais recebidos em 2020 para o pleito municipal. No caso da sigla petista, o valor subirá 196%, passando de 201,3 milhões de reais para 595 milhões de reais.
A articulação para o aumento da verba para campanhas eleitorais partiu do relator da LDO, o deputado Juscelino Filho, do DEM do Maranhão. Pelas regras atuais, o fundo é composto por, ao menos, 30% das emendas de bancadas de deputados e senadores e pela renúncia fiscal economizada com o fim da propaganda partidária nas emissoras de rádio e de TV. Na proposta submetida ao Parlamento nesta quinta-feira, 15, Juscelino fez um acréscimo, assegurando ao caixa mais 25% dos recursos repassados ao Tribunal Superior Eleitoral em 2021 e 2022. “Todos sabemos que ano que vem é ano eleitoral e o Fundo de Financiamento de Campanha tem papel no exercício da democracia dos partidos”, tentou justificar o deputado, durante a avaliação da proposta na Comissão Mista de Orçamento.
Patrocinada pelo Centrão e pelo PT, a manobra provocou protestos de partidos de menor representação. No plenário da Câmara, o Novo propôs um destaque — sugestão pontual de mudança ao texto — para retirar da LDO somente o trecho relativo ao aumento das verbas do financiamento eleitoral e pediu a votação nominal. Filiada ao partido, a deputada Adriana Ventura declarou que a majoração do fundão demonstra uma deturpação de prioridades. “Estamos em um País onde há 39 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da extrema pobreza, 15 milhões de desempregados, 100 milhões de pessoas que não têm acesso a esgoto, 5 milhões de crianças e adolescentes que estão fora da escola”, argumentou.
A despeito dos pedidos por uma votação aberta, o responsável pelo comando da sessão, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, do PL do Amazonas, manteve a deliberação simbólica. Como manda o regimento, falou aos parlamentares favoráveis à matéria que permanecessem como se encontravam, cabendo aos contrários manifestarem-se. Além do Novo, apenas Cidadania, PSOL e Podemos se posicionaram publicamente contra a aprovação do aumento.
O deputado Rubens Bueno, do Cidadania, observou que a manobra, na prática, anula medidas de contenção de gastos avalizadas pela Câmara, como a aprovação do projeto que barra os supersalários no serviço público. “Imaginávamos que íamos economizar de 3 a 8 bilhões de reais. Hoje, vimos a aprovação do aumento do ‘fundão’, do fundo eleitoral. Isto é muito triste, porque anula por completo todo aquele trabalho de 4 anos para economizar dinheiro público para outras atividades, outras políticas públicas”, afirmou.
Depois do aval da Câmara, o texto seguiu para o Senado, onde havia um destaque do Podemos, similar ao apresentado pelo Novo na Câmara, para derrubar o aumento do fundo eleitoral. Marcelo Ramos, no entanto, explicou que, uma vez rejeitada a proposta pelos deputados, ela não poderia ser retomada no Salão Azul. O senador Lasier Martins, do Podemos, classificou o golpe como “vergonhoso”. “Neste Brasil empobrecido, neste Brasil doente, que não tem recurso para nada? Isso aí é chamar o eleitorado brasileiro de idiota. Nós não temos condições de enfrentar a crítica popular, que será pesadíssima, e com toda razão”, disparou. Alessandro Vieira, do Cidadania, lhe fez eco: “É desnecessário, é equivocado e é desrespeitoso com as centenas de milhares de vidas que já perdemos e com o tamanho dos investimentos que serão necessários para a recuperação da nossa economia”.
Bolsonaristas favoráveis à versão final da LDO acabaram sendo duramente cobrados nas redes sociais. A deputada Carla Zambelli entrou nos assuntos mais comentados do Twitter depois de criticar o aumento do fundão e votar favoravelmente à LDO.
A bola está, agora, com Jair Bolsonaro, que pode vetar o texto. Nas redes sociais, o filho 03 do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, fez questão de divulgar um documento em que atestou seu voto contrário à ampliação do fundão. “A matéria vai agora para a Presidência da República, que pode vetar esse dispositivo. Mas, ainda que ele prospere, de qualquer maneira, no final do ano, o relator do Orçamento poderá acatar ou não essa questão. O meu repúdio, aqui, a mais dinheiro para político gastar em campanha”, disse, em um vídeo. Bolsonaro, no entanto, está diante de mais uma encruzilhada. Mais uma vez terá de decidir entre atender às conveniências do Centrão ou se curvar aos clamores de parte de sua base eleitoral. Nos últimos tempos, o bloco fisiológico que sustenta o governo no Congresso tem levado a melhor.