Governo anunciou novas medidas para atender demandas, enquanto aumenta campanha internacional por intervenção militar
Michele de Mello – Brasil de Fato | Caracas (Venezuela)
Cuba continua sendo destaque na imprensa internacional por conta das manifestações da semana passada. Na manhã de sábado (17), no entanto, os protestos organizados em apoio à Revolução Cubana não ganharam o mesmo espaço na mídia internacional.
Mesmo com as novas medidas adotadas pelo governo cubano e o fim dos atos opositores, organizações internacionais e meios de comunicação destacam uma suposta “repressão continuada”, indicando que existem 250 presos e desaparecidos.
O Ministério do Interior confirmou que há pessoas detidas, mas não informou o número total, apenas destacou que quatro já possuíam antecedentes penais por desordem pública, posse de armas e desacato.
Também divulgou que um residente de Havana morreu durante os atos: Diubis Laurencio Tejeda, de 36 anos, teria falecido durante um ataque a uma estação policial na região de Guinera, na capital cubana.
“Algo que causou estranhamento, inclusive da população que tem exigido melhorias das condições de vida, foi ver uma ação de ódio. Violência extrema, vandalismo, violência contra quem saía às ruas com os emblemas da revolução. As pessoas ficaram assustadas, porque o povo cubano não é assim”, explica Nívia Regina da Silva, militante da Brigada do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais sem Terra (MST) em Cuba.
Cuba, desse modo, acaba sendo alvo de uma operação de Guerra Híbrida que, neste caso, começa com a asfixia da economia através do bloqueio econômico, que gerou um prejuízo de US$ 147,8 bilhões em quase seis décadas.
Em seguida, há uma dinâmica de promoção de conceitos difusos através de ONGs e movimentos culturais, que resulta na promoção de distúrbios violentos, acompanhados de perto pelos meios de comunicação alternativos de dentro da ilha e agências internacionais em todo o globo.
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“Desbloqueiam um novo nível de antipolítica. São discursos que são definitivos, impositivos, de que não há volta atrás e não propõem uma reivindicação concreta. Buscam um estado de exceção que se não é imposto por eles mesmos, então buscam provocar que o próprio Estado, que está sendo agredido, tome medidas extremas”, analisa o pesquisador Éder Peña.
Relatos e fotografias mostram os distúrbios e atos de violência durante as manifestações do dia 11 de julho em Cuba / Cuba Debate
A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba-TCP) reuniu-se, na última sexta-feira (16), e anunciou estar em sessão permanente para avaliar o avanço dos acontecimentos em Cuba. Em nota, afirmam que “as agressões comunicadas são dirigidas a gerar o caos em Cuba”.
O secretário executivo, Sacha Llorenti informou que a Alba-TCP formou uma frente única contra a desinformação para contrapor a campanha midiática contra Cuba. “Uma das formas do imperialismo agredir os nossos povos é através dos meios de comunicação e redes sociais”, afirmou.
O papel dos Estados Unidos
Entre as principais organizações que animaram a manifestação de oposição estão Article 19, ADN Cuba, Cubalex, Fundação para a Democracia Panamericana, Rede de Jovens pela Democracia, Prisioners Defenders e Cuba Decide. De maneira direta ou indireta, essas entidades recebem apoio financeiro de agências de cooperação internacional dos Estados Unidos, como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e o Fundo Nacional para a Democracia (NED na sigla em inglês).
“Todos os anos os Estados Unidos dispõem cerca de US$ 20 milhões (cerca de R$ 100 milhões) para uma mudança de regime em Cuba” detalha o correspondente de Belly of the Beast em Havana, Daniel Montero, ressaltando que tudo é feito supostamente em nome da democracia.
“Quanto à distribuição desse financiamento, ele se dá através de organizações que atuam no território norte-americano ou em outros países, e uma parte chega à ilha”, completa.
Embora houvesse uma expectativa de que o governo do presidente estadunidense Joe Biden retomasse as negociações diplomáticas, que haviam sido iniciadas em 2015, durante a gestão Obama-Biden, o presidente pediu ao Congresso mais verbas para “defender a liberdade em Cuba”, o que pode significar interferências na política do país caribenho, segundo especialistas.
:: O bloqueio a Cuba, e a Assembleia da ONU ::
A funcionária do Departamento de Estado dos EUA Julie Chung, por exemplo, pediu pela libertação dos detidos e reiterou que organizações internacionais têm usado como lema sobre o movimento “a noite não será eterna”, em postagens em redes sociais.
A frase é constantemente repetida por figuras da oposição e pelos próprios manifestantes, junto a outras palavras de ordem como “SOS Cuba”, “Pátria e Vida” e “Liberdade”.
Jovens foram protagonistas das manifestações do último domingo (11) em Cuba / Cuba Debate
No final de maio, Biden solicitou a aprovação de um novo orçamento de US$ 58,5 bilhões para o Departamento de Estado e a Usaid, que inclui US$ 20 milhões para apoiar a “democracia” em Cuba.
Para 2022 também se mantém o orçamento de US$ 810,396 milhões para a Agência dos Estados Unidos para Mídia Global, que supervisiona o Office of Cuba Broadcasting, responsável pela TV Marti, considerada o “canal dos EUA para os cubanos”.
O meio de comunicação é acusado de, desde 1985, promover abertamente uma campanha contra o governo socialista da ilha.
No dia 3 de julho, a Usaid anunciou que iria dispor US$ 2 milhões e um bônus de até US$ 1 milhão em três anos ao que denomina de programas de promoção à democracia em Cuba.
O objetivo da ação é “promover a eficácia dos grupos independentes da sociedade civil” que estão pressionando por “maiores direitos humanos e liberdades, e para desenvolver coalizões mais amplas para expandir o impacto da sociedade civil.”
A agência estadunidense ainda sugere enviar pessoas para atuar na ilha que falem espanhol fluente e já tenham visitado o país. A recomendação, a princípio, é que eles não utilizem nada que identifique a Usaid em materiais produzidos com tal financiamento.
Desde os protestos de 11 de julho, os parlamentares republicanos cubano-estadunidenses iniciaram uma campanha em redes sociais, meios de comunicação e no Congresso para pedir por intervenção dos EUA em Cuba.
O representante republicano Mario Diaz-Balart e outros dez congressistas enviaram uma carta a Biden pedindo mais sanções contra cubanos e venezuelanos, e que “coordenasse um esforço global pela liberdade de Cuba”.
O senador republicano Marco Rubio, um dos assinantes da carta, também propôs utilizar a base militar de Guantánamo para levar internet à ilha e que a Casa Branca convoque a ONU e a OEA para atuar no país.
Enquanto isso, a congressista estadunidense María Elvia Salazar incentiva um levantamento popular em apoio a intervenção da Casa Branca em Cuba. Em suas redes sociais, ela chegou a publicar que “o fim está muito próximo e depende de vocês. Nós estamos atrás de vocês, apoiando-os”.
Assim como os parlamentares, a diretora da Fundação para a Democracia Panamericana e da ONG Cuba Decide, Rosa María Payá, viaja pela Europa e pelos Estados Unidos pedindo apoio contra o “regime” cubano.
Ela chegou a premiar figuras conhecidas da extrema-direita europeia, estadunidense e latino-americana nos eventos da Cuba Decide.
Luis Almagro, secretário geral da OEA, Jeanine Áñez, ex-presidenta da Bolívia, Leopoldo López Gil, eurodeputado do Partido Popular da Espanha e pai do opositor Leopoldo López são alguns dos personagens premiados por Rosa María Payá como defensores da democracia e da liberdade de expressão.
Payá, Salazar e Rubio são descendentes das oligarquias cubanas que deixaram a ilha logo após o triunfo da Revolução Cubana em 1959.
“Essa condição de capataz das burguesias da América Latina, no caso dessa elite cubana foi reforçada de uma maneira bárbara, porque foram derrotados”, defende o pesquisador do Instituto Samuel Robinson, Éder Peña.
Os movimentos da direita cubana
O Movimento San Isidro que se autodenomina como”anticomunista” originou-se em 2020 com um grupo de artistas que protestavam com o decreto 349, que restringia ações de trabalhadores da cultura.
A partir de novembro se conformou o chamado “G30” com representantes de distintas áreas do setor artístico cubano para reunir-se com o vice-ministro de Cultura e apresentar suas demandas.
Apesar de o governo ter voltado atrás com a medida, o Movimento intensificou suas ações e posicionamentos contrários ao sistema socialista.
Segundo investigação do Instituto Samuel Robinson, O MSI recebe apoio financeiro da Fundação Atlas, da Fundação Panamericana para o Desenvolvimento, Usaid e da NED.
“A ofensiva cultural dos EUA passa por Miami, desde as agências de notícias até os programas de entretenimento. Através da ideia da meritocracia vão construindo uma nova base ideológica que é o que fratura o processo cubano”, analisa Peña.
Movimento San Isidro reúne artistas cubanos desde novembro de 2020 em torno de lemas amplos como a ‘liberdade’ / MSI
Um dos líderes do MSI, Maykel “Osorbo” Castillo, gravou vídeos pedindo aos Estados Unidos que mandassem cercar a ilha para um “bloqueio total” e uma intervenção militar.
“Isso me deixa em choque. Acredito que alguém que quer o bem do seu país não pode apoiar isso. A menos que esteja completamente cego, enganado sobre o que significa uma intervenção militar”, comenta o jornalista cubano, Daniel Montero.
Maykel Osorbo é um dos cantores da música “Pátria e Vida”, lançada em fevereiro por artistas famosos de Cuba que residem em Miami, como Descemer Bueno, a dupla Gente de Zona e Yotuel Romero, ex-membro do grupo Orishas.
A canção que se tornou uma palavra de ordem para os atos, faz uma oposição aos revolucionários cubanos que gritam “Pátria ou Morte”.
“Isso abriu um debate forte aqui, porque na verdade o significado da palavra de ordem ‘pátria ou morte’ é dar sua vida pelo coletivo, pela construção de uma pátria socialista”, comenta Nívia da Silva, membro do MST em Havana.
Peña afirma que através do movimento hip-hop e da cultura, agentes externos buscam aprofundar o conflito geracional entre as famílias cubanas e dialogar com a juventude cubana que agora se tornou protagonista dos atos.
As demandas populares internas
A potência dos ataques ao governo acaba se alimentando de demandas populares cubanas legítimas. Montero, do Belly of the Beast, diz que isso está conectado a uma questão ideológica. “As gerações mais jovens talvez estejam menos focadas na ideologia do sistema político cubano e mais interessados que funcione para todos da melhor maneira”.
Já Marcelo Durão, membro da Brigada do MST em Havana, diz que ainda que as “primeiras publicações sejam de pessoas que estão fora do país, a maioria nos Estados Unidos, Espanha e Argentina, elas acabaram captando demandas populares e construindo agendas no campo de direita”.
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O governo cubano respondeu a essas demandas e anunciou medidas como permitir a importação privada de alimentos, medicamentos e materiais de limpeza e higiene. Do total de 619 medicamentos do quadro hospitalar-farmacêutico de Cuba, 365 são produzidos pela biomedicina do país e 254 são importados pelo Ministério de Saúde Pública.
Porém, mesmo as fórmulas próprias dependem de matéria-prima importada. Segundo o primeiro ministro cubano Manuel Marrero Cruz, com o aumento da demanda mundial de determinados químicos durante a pandemia, os custos de fabricação dos medicamentos aumentaram até 50%.
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Além disso, o governo decidiu reverter parte da política da Tarefa Ordenamento, reforma econômica vigente desde janeiro deste ano, aumentando a oferta de produtos da cesta básica alimentar pelas “livretas de abastecimento” para 300 mil cubanos.
A chamada “Tarefa de Ordenamento”, busca reativar a economia cubana, que retroceu 11% em 2020. / ACN
Por outro lado, também permitem que as empresas estatais não sigam as escalas salariais estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e tenham “autonomia para estabelecer novos critérios, baseados na produção de riqueza”, informou o ministro de Economia, Alejandro Gil Fernández.
“Vamos ter uma visão melhor sobre a realidade econômica do país quando passar a pandemia e entrar mais recursos, pelo turismo e outras áreas, que agora estão sofrendo muito e que limitam o poder de ação do governo cubano. E isso se vê nas ruas, foi o que vimos no domingo. São muitas carências, as filas para comprar produtos básicos são extensas e constantes”, aponta o jornalista cubano.
O presidente cubano declarou que alguns dos manifestantes eram pessoas insatisfeitas e outros eram vândalos. “Têm possibilidade de mostrar suas insatisfações por outras vias, mas optaram por esta. É legítimo também, porque têm aspirações e insatisfações que nem sempre receberam a atenção adequada”, afirmou Díaz Canel.
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Apesar das tentativas de conciliação do governo cubano, o futuro da ilha ainda é incerto. “As pessoas estão insatisfeitas, querem que sua vida melhore e isso não vai mudar. Acredito que a historicidade do que aconteceu no domingo é inegável e em vários sentidos é um ponto sem retorno. Espero que o governo escute as demandas populares quando tenha que fazê-lo e que o povo também assimile melhor o que está acontecendo e entenda o contexto em que vivemos”, afirma Daniel Montero.
Edição: Arturo Hartmann e Sarah Fernandes