Com piadas e pedidos de impeachment, oposição a Bolsonaro dominou o debate no Twitter, produzindo o dobro de menções que os apoiadores do presidente
LUIGI MAZZA, na Revista Piaui
Neste Sete de Setembro, a publicação que mais repercutiu entre brasileiros no Twitter não mostrava o presidente Jair Bolsonaro nem aqueles que saíram às ruas para defender o governo. Também não retratava nenhuma figura da oposição. O protagonista do tuíte foi Beiçola, o dono de uma pastelaria interpretado pelo ator Marcos Oliveira no extinto seriado A Grande Família, da Globo. Embora cômico, o post tinha um fundo político: um frame do programa indicava que, na pastelaria de Beiçola, alguns anos atrás, era possível comprar dois pastéis e um refresco por apenas 1,5 real. Uma realidade muito distante do Brasil de hoje, em que a inflação fez o preço dos alimentos disparar. “Na moral fora bolsonaro”, escreveu GG Albuquerque, autor da postagem, que acumula mais de 171 mil curtidas e 32 mil retuítes.
Ainda que seja um ponto fora da curva, a referência a Beiçola deu o tom das críticas feitas ao governo federal no Twitter. A hashtag #forabolsonaro foi a mais mencionada de todas até agora no feriado da Independência: recebeu 194 mil menções dos usuários brasileiros. Com isso, a oposição ao presidente, que não conseguiu promover manifestações de peso nas ruas, ao menos dominou o debate no Twitter. As hashtags críticas a Bolsonaro foram citadas 559 mil vezes nesta terça-feira, praticamente o dobro das menções favoráveis a ele (284 mil). A consultoria de dados Arquimedes fez o levantamento a pedido da piauí.
As críticas ao governo que mais repercutiram não vieram de políticos. Depois da postagem com Beiçola, a que teve maior interação partiu do humorista Fabio Porchat. “Se você ainda apoia o presidente Bolsonaro em 2021 ou você é ignorante ou mau caráter ou os dois. Não há outra possibilidade”, ele escreveu. O post foi curtido por mais de 85 mil perfis e retuitado por 20 mil.
Em certa medida, dominar o debate virtual é importante, uma vez que as redes sociais espelham as forças políticas no mundo concreto e ajudam a medir o alcance de seus discursos. Pelo menos nessa seara, a oposição conseguiu virar o jogo, já que, até o dia 5, as discussões em torno do Sete de Setembro eram dominadas por bolsonaristas. Mesmo quando os atos pró-governo já tinham ganhado manchetes críticas em quase todos os jornais, 63% das publicações no Twitter sobre o assunto ainda vinham de perfis bolsonaristas.
O outro lado dessa moeda, no entanto, é o fato de que, ganhando ou perdendo, o governo conseguiu controlar a pauta. Com algumas exceções – Beiçola entre elas –, problemas como a inflação e o preço da gasolina sumiram do debate, dando lugar às discussões sobre a setembrada e um possível golpe de Estado. As treze hashtags mais reproduzidas hoje no Brasil diziam respeito aos atos pró-governo, mesmo que a maioria estivesse zombando deles, caso de #foracorno e #bolsonaroacabou.
No começo da tarde, quando as imagens do ato na Esplanada dos Ministérios já haviam se espalhado, muitos influenciadores no Twitter passaram a fazer troça das manifestações. Em pouco tempo, foi alavancada a hashtag #flopou – da gíria “flopar”, que significa dar errado. Vários analistas avaliaram que o governo não conseguiu encher as ruas tanto quanto gostaria. Uma reportagem do Valor Econômico viralizou ao afirmar que o comparecimento em Brasília correspondeu a apenas 5% do esperado pelos organizadores.
Em São Paulo, horas mais tarde, aconteceu o mesmo: a Polícia Militar contabilizou 125 mil pessoas na Avenida Paulista, contrastando com a previsão otimista dos bolsonaristas, que esperavam juntar 2 milhões de manifestantes. A título de comparação: no dia 13 de março de 2016, um domingo, no auge dos protestos em favor do impeachment de Dilma Rousseff, a PM estimou que 1,4 milhão de pessoas ocuparam a Paulista.
Na bolha bolsonarista, entretanto, os atos foram tratados como um sucesso retumbante. “Gente, está lotado, lotado. Olha o número de pessoas. Lutando pela liberdade do povo, contra a tirania. Que emocionante que está em Brasília agora”, narrou Allan dos Santos, blogueiro que comanda o site Terça Livre e que acompanhou as manifestações numa live de quase sete horas. “Minha sensação é de que [esse protesto] já é maior que o Fora Dilma”, concordou uma repórter do site que estava na Paulista, conversando com alguns manifestantes. A live chegou a ser vista por mais de 40 mil pessoas simultaneamente e acumula pelo menos 944 mil visualizações.
“JÁ É A MAIOR [manifestação] DA HISTÓRIA”, celebrou a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) em seu Twitter. O mesmo discurso ecoava em grupos bolsonaristas no Telegram. “Segundo estão dizendo, é a maior manifestação de todos os tempos. Superou as Diretas Já”, escreveu um integrante do grupo Brasil & Bolsonaro, no fim da tarde. “Depois dessas manifestações pelo Brasil [se] o presidente não tomar uma providência contra essa ditadura de toga, ai vamos ficar desacreditados”, continuou.
As fotos que mostravam protestos da oposição jogaram lenha nos grupos de Telegram. Convocados em cima da hora para fazer frente ao golpismo do presidente, os atos oposicionistas reuniram um número bem menor de pessoas, e logo surgiram montagens que comparavam as manifestações pró e contra o governo. Isso reforçou a desinformação entre bolsonaristas. Teorias conspiratórias, como a de que as pesquisas eleitorais e as urnas seriam fraudadas, correram soltas. “Segundo a imprensa ESQUERDALHA MAMATEIRA o ex-presidiário e ladrão está na frente… SÓ QUE NÃO”, comentou um integrante de um desses grupos, ao se deparar com uma das montagens. Aproveitando a brecha, outro bolsonarista divulgou uma pesquisa bastante duvidosa, com um título triunfante: Bolsonaro bate Lula nas intenções de voto em Mato Grosso do Sul.