1.700 estudantes trans já adotam o nome social no ensino básico, mas preconceito e agressões, dentro e fora de sala de aula, dificultam quebra do ciclo de exclusão
Bruno Nomura, em Agência Pública
Com nome social, Amora, 10 , está mais feliz e seu rendimento escolar melhorou, diz mãe
Lara, 17, sofre quando os professores a chamam pelo nome de registro
Raul, 7, se identifica como menina, mas não se importa se é tratado por ele ou ela, conta o pai
Frequentar a escola era um pesadelo para Amora. Ser chamada por um nome que não reconhecia, usar um banheiro que não era o seu e receber olhares tortos de colegas interferia no aprendizado da estudante de Sertãozinho, no interior de São Paulo. “Todo esse tempo na escola foi muito difícil por causa do preconceito”, relata Paula Camargo, mãe de Amora. “Eu tentei tornar minha filha invisível, mas não adiantou.” Cedendo aos apelos da filha, em 2019 a enfermeira aposentada a autorizou a utilizar o nome social em sala de aula e passou a mandar Amora usando “roupas de menina” para a escola. “O rendimento mudou completamente. Ela se tornou outra criança”, recorda Paula.
Aos 10 anos, Amora é uma dos 1.737 estudantes travestis e transexuais que adotam oficialmente o nome social nos ensinos fundamental e médio, aponta um levantamento inédito realizado pela Agência Pública por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às secretarias de Educação. A maior parte (74%) frequenta o ensino médio. São Paulo é o estado com o maior número de registros (670), seguido por Paraná (287) e Pernambuco (176).
Amora/Agência Pública
De acordo com o levantamento da Pública, 1.044 são menores de idade. Conforme prevê a resolução do Conselho Nacional de Educação, esses alunos precisam da anuência dos responsáveis para solicitar a adoção do nome social na escola.
Entre esses estudantes, 30 têm até 10 anos e frequentam do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. As quatro crianças mais novas têm 6 anos.
Os dados não contabilizam alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), já que grande parte dessa população é maior de idade e pode pedir a retificação de prenome e gênero no registro civil em cartório, ficando de fora desse levantamento.
Bruno Fonseca/Agência Pública
Desde 2018, uma resolução do Conselho Nacional de Educação garante a travestis e transexuais o direito de adotarem na escola o nome com o qual se identificam. O documento cita a “responsabilidade das instituições educacionais” de promover o respeito à diversidade sexual e o “impacto positivo que o nome social pode representar” na vida desses estudantes.
De acordo com a resolução, alunos maiores de idade podem requisitar o uso do nome social durante a matrícula ou a qualquer momento do ano letivo. Já os menores de idade precisam da mediação dos representantes legais.
Esse direito já não era novidade em diversos estados. Em 2008, uma portaria pioneira da Secretaria de Educação do Pará já autorizava, no ato da matrícula, a adoção do prenome desejado em todas as unidades da rede pública.