Editorial El País: Lula, o social-democrata latino-americano

Editorial El País: Lula, o social-democrata latino-americano

O ex-presidente Lula no hotel Wellington, em Madri.

Sua candidatura à presidência do Brasil é a alternativa para acabar com o populismo de extrema direita de Bolsonaro.

O ano de 2021 inaugurou um novo ciclo eleitoral na América Latina, que terá um de seus eventos decisivos no Brasil, em outubro do ano que vem. Muito provavelmente, a próxima eleição confrontará o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro ao ressurgente ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, embora este ainda não tenha confirmado que disputará o Planalto. Em Bruxelas, Lula protagonizou vários encontros sobre uma agenda comum com a família social-democrata e progressista, o que ajuda a desenhar com força a possibilidade de que Lula, afinal, será candidato. E isso é animador, porque, no dia de hoje, o fundador do Partido dos Trabalhadores parece ser o candidato com maior capacidade para vencer Bolsonaro, um presidente que desprezou a vida humana e a autoridade da ciência durante a pandemia, levando a seu país a uma das taxas mais altas de mortes por covid-19 em todo o planeta. Além de tratar de destruir a Amazônia, um dos pulmões da Terra e foco que abriga a maior diversidade do globo, Bolsonaro desdenhou abertamente das normas democráticas básicas, deslegitimando e tentando anular seus adversários políticos. Não há nada mais perigoso para a saúde das democracias que negar a alternância política, algo que Lula defende com convicção para seu país na entrevista que concedeu a este jornal.

Desde que tomou posse como presidente, em 2019, Bolsonaro segue o manual amplamente conhecido do populismo autoritário. Infligiu um incalculável dano às normas constitucionais, dividindo e polarizando a sociedade: desprestigia a política e despreza a verdade, ao mesmo tempo em que promove teorias conspiratórias negacionistas. As eleições que anteporão Lula a Bolsonaro terão um caráter existencial: está em jogo o próprio futuro da democracia no Brasil. O resultado, inevitavelmente, terá um enorme impacto em todo o continente durante a próxima década, dada a capacidade de irradiação de um país que já foi considerado um exemplo democrático entre as economias emergentes.

A relevância de Lula e destas eleições para a estabilidade regional constituem os principais motivos pelos quais vale a pena para a esquerda europeia se aproximar do possível próximo presidente do Brasil. Ele pode ser considerado sem dúvida o representante mais afim à família social-democrata no continente latino-americano. Lula demonstrou sua sensibilidade por temas como a pobreza e a justiça social em uma área fortemente golpeada pela desigualdade. Mas também por questões como a mudança climática, a diversidade e a qualidade democrática. Sua visão em termos de valores e de uma governança global multilateral dão sentido a esse diálogo entre as famílias progressistas de ambos os continentes. A construção de uma agenda comum chega em um momento no qual os problemas internos europeus continuam afundando o inexplicável vazio e desinteresse da União por uma região com a qual é indispensável estabelecer uma aliança estratégica para lutar por objetivos comuns, como a mudança climática e uma globalização que limite os excessos ordoliberais da última década. Lula deixou, à sua passagem pela Europa, a mensagem de que o Brasil não é Bolsonaro, e que uma esquerda democrática, realista e disposta a batalhar contra a desigualdade é possível.

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